[Resenha] Americanah

13525_ggSinopse:

Lagos, anos 1990. Enquanto Ifemelu e Obinze vivem o idílio do primeiro amor, a Nigéria enfrenta tempos sombrios sob um governo militar. Em busca de alternativas às universidades nacionais, paralisadas por sucessivas greves, a jovem Ifemelu muda-se para os Estados Unidos. Treze anos mais tarde, Ifemelu é uma blogueira aclamada nos Estados Unidos, mas o tempo e o sucesso não atenuaram o apego à sua terra natal, tampouco anularam sua ligação com Obinze. Quando ela volta para a Nigéria, terá de encontrar seu lugar num país muito diferente do que deixou e na vida de seu companheiro de adolescência.

Fonte: Livraria Cultura

Esse livro é uma lição de sutileza narrativa. Eu já conhecia o discurso simultaneamente suave e assertivo de Chimamanda por vídeos de suas falas. Os elogios que Isabela fez ao Sejamos todos feministas atiçaram mais ainda o meu desejo de conhecer a prosa dessa autora. Graças a um empréstimo de Americanah (obrigada, Carol!), isso se tornou possível de maneira muito prazerosa.

Ifemelu, a protagonista desse livro, é uma nigeriana de percepção aguçada que se muda para os Estados Unidos para estudar. O período inicial no país é bastante difícil, com fatos impactantes, e Ifemelu entra em depressão. Com essa premissa, a autora já me ganhou. Primeiro: porque não é assim que começa o livro. Segundo: porque Adichie consegue nos fazer sentir a importância dos acontecimentos marcantes da vida dos personagens com extremo respeito, sem esquecer de nos mostrar seu cotidiano.

O livro começa com a inesperada decisão de Ifemelu de voltar à Nigéria. Ela já está nos EUA há treze anos, faz sucesso com seu blog que aborda questões raciais, possui um círculo de amizades e um namorado americano inteligente e bonito. E ela só percebe quão real a decisão é – mesmo com todos os preparativos encaminhados – quando conta a Obinze, seu primeiro amor, sobre esse retorno iminente.

A narrativa é entrecortada por partes sobre Obinze, um personagem igualmente cativante, e que nos permite um olhar sobre a Nigéria para a qual Ifemelu deseja voltar. Obinze é um homem que não me pareceu particularmente cativante, exceto quando descrito pelo ponto de vista de Ifemelu. Ao se contrastar o Obinze adulto e casado com uma mulher que para ele é nada além de bonita e agradável com o Obinze que Ifemelu descreve, senti um pouco o “peso da vida adulta” sobre o bom humor da juventude. Mas vai se tornando cada vez mais perceptível que ele se sente preso em uma vida artificial de luxo, obtida aceitando ser laranja de um dos abundantes negócios escusos de um homem influente. Ele também teve uma experiência como imigrante, mas na Inglaterra e ilegalmente – foi muito interessante para mim ver esse homem, descrito como rico e poderoso, em uma situação de fragilidade social.

Fragilidade social à qual aparentemente todos estão sujeitos a passar em algum momento na Nigéria, devido às instabilidades políticas e econômicas. E exemplos disso são abundantes no livro, a começar pelos pais de Ifemelu. Seu pai foi demitido após se recusar a chamar a chefe de “Mamãe”, e nunca mais conseguiu emprego. E viu sua esposa se envolver cada vez mais fanaticamente com uma Igreja. Tia Uju, a tia favorita da protagonista, foi amante de um importante general do regime. E quando seu filho completou um ano, o homem foi morto e com ele se foi todo o conforto que ele lhe proporcionava. Ela também se muda para os EUA, com Dike ainda pequeno, com intenção de terminar a faculdade de medicina iniciada na Nigéria. Gostei muito que o livro provoca um sentimento de injustiça sem ser parcial, e o ressentimento desses personagens é perceptível sem torná-los unidimensionais. Vale ressaltar que nenhum personagem secundários é opaco. Cada um deles tem nuances apreciáveis.

O amadurecimento de Ifemelu é muito gostoso de acompanhar. Ela é uma personagem realista, atenta a tudo à sua volta, sincera e com um senso de humor sagaz – que foi o que chamou a atenção de Obinze quando eles eram adolescentes. A personagem consegue perceber questões raciais, sociais e de gênero sem permitir que isso infiltre amargor em sua vida, não deixando de ser incisiva. A autora consegue discutir essa questão na narrativa sem deixar o livro forçado ou panfletário.

Eu não poderia deixar de mencionar a estilística de Adichie. Há bastante tempo não encontrava uma escrita tão eficiente, sem deixar de ser literária. A autora consegue nos trazer a subjetividade dos personagens e dos acontecimentos sem precisar recorrer a metáforas complexas. O desenrolar das frases tem naturalidade e precisão.

Graças a isso, as mais de 500 páginas deste livro foram vorazmente vencidas em um período de provas finais da faculdade – sendo que eu só pretendia dar uma olhadinha. Eu certamente procurarei mais livros da autora, certa de que me envolverão e me farão refletir.

Americanah é um livro que poderia ser descrito como “sobre um amor a distância”, “sobre os conflitos da imigração” ou “uma análise comparada das sociedades americana e nigeriana”. Mas além de suas tópicas, é um romance sensível que justamente por isso nos ensina muito sobre alteridade.

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Americanah
Autora: Chimamanda Ngozi Adichie
Tradutora: Julia Romeu
Editora: Companhia das Letras
Ano de publicação: 2014
513 páginas
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Citações favoritas:

A planta era dele, folhas verdes cheias de esperança brotando de três caules de bambu. Quando Ifemelu a pegou, uma solidão arrasadora e súbita atravessou-a e permaneceu com ela durante semanas. Às vezes, ainda a sentia. Como era possível sentir falta de algo que não queria mais? Blaine precisava daquilo que ela não podia dar, e ela precisava daquilo que ele não podia dar. Ifemelu lamentava por isso, pela perda do que poderia ter sido.

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“Meus olhos estavam abertos, mas eu não via o teto. Isso nunca tinha me acontecido antes.” Outras meninas teriam afirmado jamais ter deixado outro menino tocá-las, mas ela não, nunca. Havia uma honestidade vívida em Ifemelu. Começou a chamar aquilo que eles faziam juntos de teto, aquele emaranhado cálido na cama dele quando sua mãe não estava em casa, os dois só com a roupa de baixo, tocando, beijando e sugando, com os quadris de movendo numa simulação. […] Na universidade, quando eles finalmente pararam de simular, ela passou a chamar o próprio Obinze de Teto, de um jeito brincalhão e sugestivo – mas quando eles brigavam ou ela se escondia num mau humor, chamava-o de Obinze.

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No supermercado, tia Uju nunca comprava o que precisava; comprava o que estava em promoção e se obrigava a precisar daquilo.

5 respostas em “[Resenha] Americanah

  1. Eu amo esse livro, foi o primeiro que eu li da Chimamanda e acabei devorando todos os outros que encontrei. Ela sempre menciona de um jeito ou de outro (no caso de Hibisco Roxo, de um jeito bem catastrófico) a questão da religião e dos nigerianos cristãos. Acho fantástico, porque me lembra o crescimento das igrejas evangélicas nas periferias daqui.
    Acho que a tia dela já é formada quando vai pro EUA, não? A impressão que eu tive é que ela luta pra conseguir passar nas provas e validar o diploma, mas posso estar enganada, a ultima vez que eu li faz um ano.
    Adorei o texto, mesmo. Sempre fico feliz quando encontro resenhas da Chimamanda por aí.

    Beijos

    • Hibisco Roxo está subindo na minha lista de leituras! Vou dar uma conferida no livro, mas acho que você tem razão quanto ao diploma de Tia Uju. Escrevi a resenha quase dois meses depois de ler e às vezes me confundo. Obrigada por me avisar!
      E fico muito feliz que tenha gostado do texto (:
      Beijos!

      • Lê sim! Ele é muito bom, embora seja mais triste que Americanah, por tratar de temas mais violentos. Mas é fantásticos.
        Aí depois já lê o Meio Sol Amarelo, que é lindo também e tem um relato ótimo da guerra de independência da Biafra. É história da Nigéria contada pela Chimamanda, como não amar?
        Mas vou parar a sessão tiete aqui ahaha

  2. Esse livro é muito gostoso de ler! Fiquei muito apaixonada por tudo, mas depois de um tempo comecei a achar alguns problemas, mas nada que realmente estragasse o livro. Agora vou ler Meio sol amarelo, tô bem empolgada

  3. Pingback: [Resenha] No seu pescoço | Sem Serifa

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