[Resenha] Something New

somethingnewEsta resenha foi feita com base no e-book do Project Gutenberg. Todas as traduções de trechos foram feitas por mim.

Sinopse:

Ashe Marson, autor desconhecido da série de livros populares de Gridley Quayle, Investigador, responde a um anúncio: PROCURA-SE – Jovem de boa aparência, pobre e imprudente, para realizar uma missão delicada e perigosa.

Fonte: Livraria Cultura

Esta resenha pode ser lida de duas formas: ou você termina este parágrafo e já baixa o livro gratuitamente, ou continua até o fim para saber mais sobre a história. Pra falar a verdade, apoio a primeira opção: para mim, não ter ideia do que ia acontecer na história e das conexões entre as personagens só aumentou meu prazer com as reviravoltas da trama. Então aqui vai a versão resumida e sem nenhum spoiler: o livro foi escrito em 1915 por um autor britânico muito conhecido mas pouco traduzido no Brasil, e é uma das obras mais engraçadas que já li na vida, além de conter um romance fofíssimo e uma trama intricada e genial. Espero que esteja convencido!

Senão, aqui vai a versão longa: a história começa em Londres, onde o caminho de vários personagens se cruza. Ashe Marson, rapaz de 26 anos desanimado com a vida, escreve histórias de detetive que ele próprio despreza. Um dia conhece uma garota que aluga um apartamento no seu prédio: Joan Valentine.

 

Joan Valentine era uma garota alta com cabelo castanho-dourado e olhos azuis tão claros quanto um céu de novembro quando o sol está brilhando sobre um mundo congelado. Havia neles também um pouco do brilho gélido de novembro, pois Joan tinha passado por muita coisa nos últimos anos – e a experiência, embora não endureça, erige uma barreira defensiva entre seus filhos e o mundo.

 

Os dois conversam e ela incentiva Ashe a fazer “algo novo” da vida, pra sair desse tédio em que se encontra. Enquanto Ashe reflete sobre a ideia, somos apresentados a Lorde Emsworth, um homem que, segundo o narrador, “nunca se preocupava” – exceto com seu filho mais novo, o “Honrado Frederick Threepwood”, ou simplesmente Freddie, que desperdiçou fortunas na cidade e é um fardo para o pai. Lorde Emsworth obrigou o rapaz a voltar para o castelo de Blandings – a casa da família – mas agora os dois estão em Londres pois Freddie vai se casar com Aline Peters, filha de um ricaço americano.

O problema é que Freddie, um tempo antes, se apaixonou por uma atriz de teatro – ninguém menos que Joan Valentine – e lhe enviou várias cartas apaixonadas (com direito a poesia ruim!). Agora teme que a garota as use para chantageá-lo. Para evitar que isso aconteça, o rapaz entra em contato com um charlatão de Londres chamado R. Jones.

 

Alguns homens têm o poder de inspirar confiança em alguns dos seus colegas, embora encham outros de desconfiança. A Scotland Yard podia olhar de soslaio para R. Jones, mas para Freddie ele representava tudo de mais útil e confiável no mundo.

 

Jones promete que entrará em contato com Joan, mas quando vai falar com a garota percebe que a própria Aline Peters está vindo falar com ela. Desconfiado, ele espia o encontro – mas descobre que Aline e Joan eram amigas de escola, e que Aline veio se consolar com a amiga após receber mais abusos verbais do pai, o irascível sr. Peters.

O sr. Peters, por sua vez, estava irado porque foi apresentar sua amada coleção de escaravelhos egípcios (nem pergunte) para Lorde Emsworth, e este, distraído, enfiou um no bolso e foi pra casa. Peters está convencido de que foi roubo descarado, mas não quer acusar o homem para que o casamento não seja cancelado. A única solução que pode ver é alguém roubar de volta o escaravelho do castelo de Blandings, para onde vão todos, por causa do casamento. Joan, quando ouve que o homem está disposto a pagar uma fortuna pelo item, convence Aline a levá-la como sua criada. Porém, o sr. Peters já havia posto um anúncio no jornal em busca de alguém que fingisse ser seu criado para roubar a peça – e contratado Ashe Marson para o trabalho.

Como se esse elenco não bastasse, no castelo somos apresentados a dois personagens fenomenais: o “Eficiente Baxter”, secretário de Lord Emsworth que de fato comanda os negócios do distraído Lorde, e o mordomo Beach, com que Ashe terá que lidar nos andares de baixo da casa (resultando em algo como Downton Abbey sob a influência de drogas).

 

Mordomos, como uma classe, parecem se tornar menos e menos humanos proporcionalmente à magnificência dos seus arredores. […] O castelo Blandings era uma das mansões históricas mais importantes da Inglaterra, e Beach, por consequência, havia adquirido uma inércia respeitável que quase o qualificava para inclusão no reino vegetal.

 

 

Ashe se encontra entre o olhar desconfiado de Baxter e o controle rígido de Beach, enquanto ele e Joan batalham pelo mesmo objetivo. Enquanto isso, a jovem Aline ainda tem que lidar com um velho amigo – George Emerson – que é apaixonado por ela e tenta convencê-la de qualquer modo a desistir do casamento e fugir com ele.

 

“Gosto como você defende Freddie. Muitos homens na sua posição diriam coisas horríveis sobre ele.”

“Ah, não tenho nada contra Freddie. Ele é praticamente um imbecil e não gosto da cara dele, mas fora isso é razoável.”

 

Esse – ufa! – é o resumo básico da história. A narrativa é hilária em vários níveis, tanto nas descrições de pessoas, lugares e classes sociais como nas situações em que as personagens se encontram. Sério – dei várias gargalhadas em público. O legal é que boa parte do humor funciona apenas neste formato; mesmo que a história em si seja engraçada, se fosse passada para a tela perderia muito do seu charme, que existe graças ao narrador e suas metáforas geniais.

E o livro também oferece algumas reflexões, pra não mencionar alguns relacionamentos com que o leitor realmente se importa (o que nem sempre acontece com comédias). O meu preferido é o de Joan e Ashe, que gostam muito um do outro mas se veem em lados opostos de uma competição. Esse fato também inspira um dos melhores diálogos do livro, que inclui uma discussão surpreendentemente feminista, quando Ashe se oferece para desistir do desafio.

 

“Minha teoria, sr. Marson, é que uma mulher pode fazer quase tudo melhor que um homem. […] Aqui estamos nós, você e eu, um homem e uma mulher, ambos tentando obter a mesma coisa e cada um começando com chances iguais. Suponha que eu vença? O que você diria então sobre a inferioridade das mulheres?”

“Eu nunca disse que as mulheres são inferiores.”

“Seus olhos o disseram.”

“Além disso, você é uma mulher excepcional.”

“Você não vai sair dessa com um elogio. Eu sou uma mulher comum e vou vencer um homem real.”

[…]

“Você me lembra de um gato velho que eu tinha. Sempre que matava um rato, o trazia à sala e o depositava afetuosamente aos meus pés. Eu rejeitava o cadáver com horror e o expulsava, mas lá vinha ele outra vez com seu presente repugnante. Eu simplesmente não conseguia fazê-lo entender que não estava me fazendo uma gentileza. Ele tinha o seu rato em alta conta e não conseguia perceber que eu não o queria. Você é exatamente igual com o seu cavalheirismo. É muito gentil da sua parte me oferecer seu rato morto, mas sinceramente não tenho utilidade para ele.”

 

Mencionei que isso foi escrito em mil novecentos e quinze?

Os personagens são excelentes, excêntricos e motivados, e as descrições hábeis do autor rapidamente lhes dão vida. Os diálogos são brilhantes e fluem tão bem que a impressão é que o autor não teve nenhum trabalho para escrevê-los.

Em resumo, a leitura foi um enorme prazer e uma ótima surpresa. A linguagem é simples, exceto por algumas referências a coisas de época que eu não conhecia – mas nada que atrapalhe a leitura ou que o Google não resolva. Wodehouse tem dezenas de outros livros, incluindo uma dúzia na “série do castelo de Blandings”, como é conhecida, e que com certeza lerei no futuro.

*

Something New
Autor: P. G. Wodehouse
Ano de publicação: 1915
Disponível em: Project Gutenberg (em inglês)

Citações preferidas

É na primavera que um desejo por uma vida maior nos sobrevém, e aquela era uma manhã de primavera particularmente doce. Era o tipo de manhã em que o ar nos dá uma sensação de expectativa – uma sensação de que, num dia como este, as coisas certamente não podem continuar no mesmo ritmo enfadonho; uma premonição de que algo romântico e emocionante está prestes a acontecer conosco.

Mas o vento sudoeste da primavera também traz o remorso. Discernimos o espírito vago da inquietude no ar e nos arrependemos de nossa juventude desperdiçada.

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Existe uma franco-maçonaria entre aqueles que vivem em cidades grandes com rendas pequenas.

*

“Você só tem 26 anos e já se diz um fracasso? Acho que essa é uma coisa terrível de se dizer.”

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Não importa o que um homem coleciona: se a natureza lhe deu a mente do colecionador, ele se tornará um fanático por qualquer coleção que decidir montar. O sr. Peters havia colecionado dólares; começou a colecionar escaravelhos com exatamente o mesmo entusiasmo.

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Problemas, afinal, são como a beleza – estão no olho de quem vê.

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Quase mais que coragem física, o aventureiro ideal precisa de certa curiosidade vivaz, a qualidade de não se contentar em cuidar da própria vida; e em Ashe essa qualidade era altamente desenvolvida. Desde a infância ele se interessava por coisas que não eram da sua conta.

*

“Eu estava, er… fazendo outra coisa antes de conhecer o sr. Peters”, disse Ashe.

O sr. Beach era educado demais para fazer perguntas, mas suas sobrancelhas não eram.

“Ah!” ele disse. “?” exclamaram as sobrancelhas. “? – ? – ?”

Ashe as ignorou.

*

Ao final dos nossos 20 anos, adquirimos um hábito mental de olhar o destino de soslaio quando ele nos porta presentes. Perdemos, talvez, o prêmio ocasional, mas também evitamos pular despreocupadamente em armadilhas.

*

“Você já ficou num daqueles humores em que a vida parece absolutamente sem sentido? É como uma história mal construída, com todo tipo de personagens entrando e saindo que não têm nada a ver com a trama. E quando aparece alguém que você acha que realmente tem algo a ver com a história, ele de repente desaparece. Depois de um tempo você começa a se perguntar sobre o que é a história, e sente que não é sobre nada – só uma confusão.”

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