[Resenha] Guillermo Del Toro Cabinet of Curiosities

Esta resenha foi feita com base na edição em inglês da Harper Design. Todas as traduções de trechos foram feitas por mim.

 00Sinopse:

Nas últimas duas décadas, o escritor-diretor Guillermo Del Toro tem mapeado um território na imaginação popular que é exclusivamente seu, surpreendendo audiências com Cronos, Hellboy, O labirinto do Fauno e uma série de outros filmes e projetos criativos. Agora, pela primeira vez, Del Toro revela as inspirações por trás de seus motivos artísticos, dividindo o conteúdo de seus cadernos pessoais, coleções e outras obsessões. O resultado é uma reveladora e íntima visão da vida e da mente de um dos maiores criadores visionários do mundo. Composto de comentários obra a obra, entrevistas e anotações que contextualizam um amplo material visual, esse compêndio de luxo é tão inspirador quanto o próprio Del Toro. Contém prefácio de James Cameron e conclusão de Tom Cruise e contribuições de outros luminares, que incluem Neil Gaiman e John Landis, entre outros.

Fonte: Livraria Cultura

Há livros que inspiram por seu requintado conteúdo textual. Há livros que fascinam pela beleza dos materiais fotográficos ou pelas ilustrações que apresentam. Há livros que encantam por seu projeto editorial corajoso e desafiador. Poucos livros conseguem reunir, entre suas capas, essas três qualidades. Poucos livros sobre livros conseguem entregar o que prometem: insuflar a leitura e a busca por outras experiências textuais, sejam elam literárias ou não. Guillermo Del Toro Cabinet of Curiosities faz isso & ainda mais.

Escrito por Marc Scott Zicree, em parceria com o próprio Del Toro, o volume reúne entrevistas, textos individuais, excertos dos cadernos pessoais do diretor e artista, imagens dos cômodos do mausoléu vitoriano no qual guarda suas coleções de curiosidades, bem como ensaios individuais sobre sua obra cinematográfica assinados por sujeitos como James Cameron, Neil Gaiman, Cornelia Funke e Tom Cruise, entre outros. Todavia, apesar de essas várias textualidades tornarem o volume muito agradável de se ler e folhear, é a personalidade encantadora de Del Toro que surge como principal atrativo de suas páginas.

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Remetendo a Da Vinci, Guillermo menciona que por mais que produtos culturais sejam obras de arte, nenhuma obra de arte seria tão admirável quanto o próprio homem. Neste sentido, pelos filmes que produz, pelas ideias que tem sobre arte e vida, pela casa de sonho que mantém em Los Angeles e pelos visionários e iluminados notebooks que escreve e compõe com desenhos, projetos, anagramas e outras riquezas visuais, o próprio Del Toro surpreende como uma inacreditável obra de arte humana. Sua figura simpática e amável, além de inteligente e talentosa, apenas reforça essa sua meta de vida.

Os próprios cadernos são uma prova disso. Inicialmente escritos para que suas filhas um dia viessem a conhecê-lo, eles revelam a delicadeza e a intensidade do seu processo criativo, seja ele literário ou cinematográfico. Sua generosidade em abri-los e dividi-los com seus fãs comprova isso, além de ilustrar a dimensão grandiosa e ao mesmo tempo sofisticada de sua paisagem interior.

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Estes são diários criativos, iniciados a cada novo projeto, que registram desenhos, pinturas, esboços, citações, ideias de argumento ou falas para roteiros finais. Além disso, é fascinante ver como um projeto artístico mescla-se a outro. Enquanto filmava sua grande obra-prima até a presente data, O Labirinto do Fauno (2006), detalhava no seu notebook ideias para seu próximo filme: Hellboy II (2008). Além disso, esses manuscritos iluminados propiciam ao leitor um passeio pela própria mente criativa de Guillermo, produzindo ideias, ilustrando cenas, motivando outras tantas criações.

Aos amantes de cinema, o livro é também delicioso, uma vez que não apenas detalha a obra cinematográfica executada como também planos para filmes futuros, além de brilhantes análises dos diretores prediletos de Del Toro: Hitchcock e Bruñuel. Há também detalhes sobre pré-produção, soluções simples para efeitos especiais complexos, anedotas sobre atores norte-americanos e espanhóis, bem como percepções bem inteligentes da parte de um diretor latino trabalhando no desafiador – e não poucas vezes, incoerente – cenário hollywoodiano.

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Cabinet of Curiosities registra os desafios e as vias tortuosas empreendidas por artistas e criadores, constituindo um instigante convite à produção artística, seja literária, visual ou cinematográfica. Vários projetos de Del Toro fracassaram, tanto no início de sua carreira como nos últimos anos – vide seu Mimic (1997) até seu nunca filmado Nas Montanhas da Loucura, adaptação da obra de Lovecraft, projeto cancelado depois que Prometheus (2012) de Ridley Scott foi lançado e apresentou diversas similaridades com suas ideias.  No caso de Del Toro, sua escolha foi entre ganhar muito dinheiro com filmes apenas comerciais ou investir anos e seus próprios recursos em projetos mais pessoais, praticamente autorais, do qual resultam obras-primas modernas como A espinha do diabo (2001) e o próprio O Labirinto do Fauno, filme espanhol vencedor de 3 prêmios Oscar e indicado a Melhor Filme Estrangeiro em 2007.

Aos jovens artistas, o livro é também um manifesto em prol da verdadeira arte e dos seus desafios. Por todas as razões listadas e por tantas outras que o leitor descobrirá enquanto passeia por suas páginas, indico este belo livro a escritores, roteiristas, desenhistas & criadores de outras artes e mídias. Um dos livros mais belos em que já tive o prazer de colocar as mãos, além de apresentar um texto primoroso que inclui discussões sobre arte, quadrinhos, vida, projetos, filmes, e tantas outras coisas. Ah… e também arquitetura, visto que um bônus do livro é a descrição da Bleak House de Del Toro em LA: um casarão vitoriano no qual ele não apenas guarda as suas dezenas de coleções de “curiosidades” como cria seus projetos, roteiros, pinturas, desenhos & diários.

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Na expectativa de que alguma editora nacional decida lançá-lo por aqui. Se tudo no mundo existe para virar livro, este é um livro que inspirará outras obras e outras pessoas e, por que não?, outros mundos. São os universos fascinantes e vastos, um pouco perigosos porém nunca desinteressantes, deste grande visionpario que o leitor ou leitora encontrará ao abrir as páginas de Guillermo Del Toro Cabinet of Curiosities.

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Guillermo Del Toro Cabinet of Curiosities – My notebooks, collections, and other obsessions
Autores: Guillermo Del Toro e Marc Scott Zicree
Editora: Harper Design
Ano de Publicação: 2013
256 páginas

Citações Favoritas

Por meio das imagens deste livro e das conversas com Guillermo, você terá a oportunidade de ver o mundo através dos olhos dele. Há sabedoria aqui, e dores de cabeça, e exaltação, e exaustão, e alegria, além de profunda compaixão. Quando Guillermo começou a escrever estes cadernos, eles eram para ele mesmo, e depois para suas filhas. Mas acima de tudo, são endereçados ao garoto que um dia Guillermo foi, ao seu passado e ao seu futuro, uma carta de amor sobre esperança e sobre o quanto o impossível pode se tornar possível.

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Se uma estrada não está disponível, você a constrói.

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Quando as pessoas me dizem, “Oh, fantasia é um exercício escapista”, eu respondo: “Eu discordo. Fantasia é uma tentativa de decifrar a própria realidade”.

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É por isso que eu tenho um conjunto bem estranho de arte, filmes, livros e revistas. Não gosto de compartimentar . A nossa mente é flexível. Se você é rígido e diz “Sou um cientista”, ou pior, “Sou um cientista nuclear e esta é minha única área de interesse”, isso é uma tragédia. Ou ainda, “Sou um literato sério. Sou um escritor sério. Sou um diretor de cinema sério. Apenas trabalho com obras de drama.” Obviamente, você pode encontrar muito drama em várias obras, mas se você não for rígido, pode descobrir milhares de outras coisas e acabar se divertindo no processo. Como um artista, eu penso que você deva ser livre como uma criança: de manhã você pode ser um astronauta; à tarde, um índio ou um cowboy; e à noite um explorador ártico. E você brinca, você se diverte, e você cresce. Inevitavelmente, se você brinca, você cresce.”

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Aprender o que é o medo é aprender quem nós somos. O horror define nossos limites e ilumina nossas almas. Nele, não há controvérsia menor ou diferente do que há no humor, por exemplo, ou menos intimidade do que há no sexo. Nossa rejeição ou aceitação de um tipo particular de ficção de horror pode ser tão rarefeita ou bizarra como qualquer outra fobia ou fetiche. O horror é feito a partir de um material tão elementar – tão facilmente rejeitado ou negado – que pode ser difícil de aceitar minha afirmação de que dentro deste gênero jaz um dos últimos refúgios de espiritualidade do nosso mundo materialista.

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Perder coisas que amamos também faz parte do processo. Esse é o porquê de eu, sempre quando falo em público, defender a importância de talismãs para a nossa vida. (…) Se você tem uma relação realmente poderosa com um objeto e alguma coisa acontece com ele, isso fará parte da sua história. Isso porque você está colecionando memórias também, ou experiências, e tal evento ou perda acaba se tornando parte de sua própria história.

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Estas páginas também revelam uma rara nota pessoal sobre Guillermo, que se esforça em enfatizar que estes cadernos “não são exatamente diários”. Todavia, pedaços e excertos de sua vida pessoal vêm à tona ocasionalmente. Sobre seus pais, Guillermo escreve em uma de suas páginas: “Eu percebi que simplesmente estar com meu pai era duzentas vezes melhor do que conversar com ele. Minha mãe, por outro lado, era extremamente inteligente. Ela era minha alma gêmea. Até nos seus pecados.”

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Guillermo traz de volta os tesouros do mito e do conto de fadas e os alimenta com os medos e esperanças do nosso tempo. É isso que torna sua arte tão poderosa e única – ele decifra nossa época moderna com as ferramentas do passado. Ele usa a mais antiga das linguagens a fim de revelar o que tentamos esconder – todos os desejos do coração humano, toda a sua fraqueza, medo, angústia e crueldade. Os contos de fada nunca mentem sobre a condição humana, e o mesmo pode-se dizer de Guillermo Del Toro. Sua arte prova que nada é mais realista do que a própria fantasia. Ele pinta a realidade política do nosso mundo e do nosso tempo na tela usando as cores do nosso subconsciente.

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