[Resenha] Azul é a cor mais quente

Esta resenha também foi publicada em inglês, a convite do blog Fighting Dreamer.

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Sinopse:

A vida de Clémentine muda radicalmente no dia em que ela encontra Emma, uma jovem de cabelos azuis que a ajuda a descobrir todas as facetas do desejo e a enfrentar os olhares alheios.

Fonte: Quarta capa do livro (Martins Fontes, 2013).

Antes de mais nada, eu gostaria de propor um desafio para quem for ler este livro: interromper a leitura. Boa sorte com isso, porque eu não consegui. Li Azul é a cor mais quente no dia 2 de janeiro; estava fazendo 32 °C dentro de casa, e mesmo assim fui incapaz de parar de ler para buscar um copo de água. Por isso, o primeiro adjetivo que tenho para essa história em quadrinhos é: intensa.

O livro é contado a partir dos diários de Clémentine, que narram a história de seu relacionamento com Emma. Clémentine é uma estudante do Ensino Médio com uma rotina bem comum. Emma estuda na universidade de Belas Artes e é ativista LGBT. O primeiro contato entre as duas acontece quando cruzam olhares na rua. O encontro não passa disso, um instante entre estranhas, mas é o suficiente para deixar Emma na cabeça de Clémentine, que fica perturbada ao começar a ter sonhos eróticos com uma completa estranha – uma mulher, ainda por cima! Quando se encontram de novo, descobrem que têm muito em comum, e Clémentine vê aumentar seu interesse e até admiração por aquela mulher mais velha, misteriosa, artista, inteligente.

Apesar de se apaixonar à primeira vista, elas não ficam juntas tão cedo ou tão fácil. Para estar ao lado de Emma, Clémentine precisa passar por um processo de aceitação lento e doloroso, que na verdade nunca se completa. A frustração e a vergonha que sente por ser homossexual nunca passam – Clémentine apenas os camufla para poder ficar ao lado de Emma. Apesar disso, o que rola entre as duas é um amor muito puro e sincero. Nos lindos desenhos de Julie Maroh, a intensidade desse amor pode ser percebida em cada diálogo, em cada olhar, em cada transa – o sexo, nessa história, é indissociável do sentimento; Emma e Clémentine se amam, literalmente, de corpo e alma.

“Só o amor pode salvar o mundo. Por que eu teria vergonha de amar?” – Emma

As personagens coadjuvantes de Maroh são um tanto planas e estereotipadas: há um fiel amigo gay, um grupo de colegas homofóbicos, pais que não aceitam a sexualidade da filha e uma lésbica masculinizada e grosseira. À primeira vista, esse simplismo pode incomodar um pouco, mas a verdade é que ele destaca  as protagonistas: Emma e Clémentine são muito reais, tendo conflitos verossímeis e sentimentos profundos; apenas elas têm vida em um mundo de personagens sem cor. Aliás, o mesmo acontece na arte da HQ: nas memórias de Clémentine, tudo é preto e branco, exceto pelos tons de azul, que são uma referência não só aos cabelos de Emma, mas também ao fato de que ela traz cor à sua vida.

A história de Emma e Clémentine não é inacreditável e nem surpreendente. Mas é isso que a torna tão cativante: os problemas e as alegrias que as personagens enfrentam são muito reais e envolventes e, sem que elas te peçam, você se pega desejando que sejam felizes.

Nota sobre o filme

No ano passado, o livro ganhou uma adaptação para o cinema, chamada La vie d’Adéle (Adéle, aliás, é o nome de Clémentine no filme). O filme ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e é muito bonito; tem um ritmo lento que permite ao espectador acompanhar de perto a vida de Adéle. Mas não apenas o nome da protagonista foi modificado – o foco da trama, e inclusive o seu final, não são fiéis ao livro. O filme é bem mais leve – os esforços de autoaceitação de Clémentine foram relegados a segundo plano, quando não completamente cortados da história – e também menos romântico – não me lembro de ter ouvido sequer um “Je t’aime”.

A adaptação não se propõe a ser igual ao original, e as duas obras devem ser apreciadas separadamente. Se você gosta de filmes europeus com narrativas simples, mas bonitas, vale a pena. Se procura uma história mais envolvente, com mais drama – e um drama focado não apenas em na protagonista, mas em seu relacionamento com as pessoas ao seu redor –, fique com o livro. E, é claro, se você gosta de ver diferentes nuances de uma mesma história, é sempre legal procurar as duas obras e compará-las depois.

*

Azul é a cor mais quente
Autor: Julie Maroh
Tradutor: Marcelo Mori
Editora: Martins Fontes
Ano desta edição: 2013
158 páginas

9 respostas em “[Resenha] Azul é a cor mais quente

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  3. Eu vi muita gente elogiando horrores o filme, li sobre ele em vários lugares, aí fiquei curiosa e fui assistir no Netflix. Detestei! Adorei as atrizes, mas achei o filme lento demais, desnecessariamente longo e sem nada de extraordinário. Gostei menos ainda do final. Fiquei me perguntando se valia a pena ler a HQ.

    • Brenda, o final do filme não tem nada a ver com o final do livro. Eu achei a HQ fofíssima e, como eu disse, a vibe é completamente diferente. Acho que vale a pena conferir, sim!

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