Às vezes escutamos por aí que é difícil conviver com a diversidade. E é preciso concordar. Por mais tolerante que tentemos ser, sempre há certas opiniões que nos fazem querer gritar com as pessoas. Eu, por exemplo, não me importo com a orientação sexual, religião ou posição política dos outros. É possível conviver harmoniosamente com todas essas diferenças. Mas sempre quero usar maldições imperdoáveis quando algum fã de Harry Potter fala bem do filme Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Como não quero o Ministério da Magia vindo bater à minha porta, decidi expressar minha opinião de forma pacífica: tendo relido o livro no final do ano passado, revi agora o filme e venho explicar por que esta é, na minha opinião, a pior adaptação de Harry Potter já feita.
Zoeira de mais, informação de menos
Lançado em junho de 2004, este foi o primeiro filme com um diretor diferente, Alfonso Cuarón. Na época da estreia, Cuarón foi bastante elogiado por dar um ar mais sombrio a Harry Potter, em contraste com os filmes anteriores, de Christopher Columbus, que pareciam bem mais infantis. O problema é que Cuarón não se limitou a deixar Hogwarts mais madura (o que, admito, fez muito bem e serviu de exemplo para os filmes seguintes); ele também aumentou o nível de zoeira desnecessária no filme.
Exemplos do que eu quero dizer com zoeira desnecessária:
– A cena do Noitibus Andante, que tem vários minutos de duração e não serve pra muita coisa além de mostrar vários efeitos especiais baratos e uma cabeça encolhida que faz piadas sem graça.
– A cena do Livro monstruoso dos monstros, que está como no livro, okay, mas se precisavam cortar algo para deixar outras cenas importantes (como vou explicar mais para a frente), poderia ter sido isto;
– Um coral em Hogwarts, dirigido por ninguém menos do que o prof. Flitwick, que revela um talento musical até então desconhecido (talvez até pela própria Rowling).
A zoeira é bonitinha, e eu não teria problema nenhum com ela. Porém, aos 20 minutos de filme, já tivemos três cenas engraçadinhas* e apenas um diálogo realmente importante e consistente – com Arthur Weasley, que revela a Harry que Sirius está atrás dele.O roteiro foca nessas brincadeirase acaba deixando de lado acontecimentos importantíssimos não apenas para a trama deste livro, mas para toda a série, como explicarei adiante.
*Me refiro às cenas do Noitibus e do livro, além da cena de tia Guida. A do coral acontece alguns minutos depois.
Aulas em Hogwarts e chororô de Harry
A escalação de elenco para os filmes de Harry Potter é, em geral, impecável. Eu daria um abraço na pessoa responsável por encontrar os atores tão perfeitos para personagens como McGonagall, Snape e Hagrid. E nesse filme ainda somos apresentados à professora Trelawney, que não poderia estar melhor. Aliás, as cenas de aulas estão bem-feitas e divertidas, e poderiam muito bem ser o foco de humor do filme (apenas reiterando quão desnecessária foi a cena do Noitibus).
Mas é claro que nem todas as cenas de aulas foram perfeitas. Onze anos após a estreia do filme, ainda não consegui uma boa explicação para Harry ter voado com Bicuço por todo o território do castelo, em vez de ser um bom menino e voltar logo pro chão – ele não entendeu quando Hagrid disse que o animal era perigoso e imprevisível? Aliás, onde estavam os dementadores nessa hora?
Se já não bastasse essa rebeldia toda com Bicuço, Harry vai a Hogsmeade usando sua capa de invisibilidade, mas não parece realmente querer se esconder. Ele empurra pessoas na rua sem necessidade alguma e chega a carregar um pirulito por aí, fora da capa. Sinceramente, se eu fosse Fred ou Jorge Weasley, confiscaria de volta o Mapa do Maroto.
Logo depois dessa cena, ele descobre que Sirius Black (assassino cruel que delatou seus pais) era não apenas amigo de Lily e James, como também padrinho do garoto. Revoltado, Harry corre para um lugar isolado, onde decide chorar e gritar da forma menos convincente possível. Daniel Radcliffe, que se tornaria um dos meus atores favoritos nos anos seguintes, infelizmente ainda não era tão bom em 2003/2004. Ao contrário de Rupert Grint e Emma Watson, que já eram excelentes (Hermione parece muito mais emocionada nesta cena), Daniel ainda dá tropeços e faz umas cenas bem ridículas, como esta.
Marotos? Que Marotos?
As informações mais importantes apresentadas para o leitor de PdA são relativas ao pai de Harry e seu grupo de amigos, e tudo isso foi mal explicado (quando sequer mencionado) no filme. Nele, Harry recebe o Mapa do Maroto, um artefato extremamente útil e inteligente, que sabe xingar o Snape e que é familiar ao prof. Lupin. É importante explicar o motivo disso? Aparentemente não.
Já na cena da Casa dos Gritos, na qual deveriam acontecer as maiores revelações da trama, não é dada nenhuma explicação a uma questão importantíssima: o motivo de Sirius e Peter terem se tornado animagos. A amizade entre os Marotos é mencionada en passant, como se não fosse realmente importante para a história – o que destrói toda a empatia que o espectador deveria desenvolver por Sirius e Remus, além de ignorar o desenvolvimento de personagens complexos cuja história e relacionamento com Harry são extremamente importantes para o resto da série.
A doideira continua no momento em que os dementadores estão prestes a matar Sirius – a cena que mais detesto nesse filme. Sempre que encontro alguém que viu o filme, mas não leu o livro, eu pergunto: você entendeu por que Harry viu um veado brilhante do outro lado do lago? Jamais obtive uma resposta satisfatória. Porque o fato de o animago de James ser um veado – e o fato de que patronos bem executados assumem a forma de animais – não é mencionado nesse filme. Aliás, o longa é tão inconsistente que, na segunda vez que mostra a cena (ou seja, quando Harry já voltou no tempo e está salvando a própria vida), esse mesmo patrono não assume forma alguma. Mais uma vez: o que era aquele veado brilhante? Ninguém jamais saberá.
Chatices de fã
Costumo ser bastante compreensiva com pequenas divergências entre livro e filme, desde que a adaptação seja consistente. Por isso foquei minhas queixas nos assuntos acima. Mas, já que estamos aqui, gostaria também de apontar algumas incoerências menores que, como fã chata, não consigo ignorar:
– A primeiríssima cena do filme mostra Harry praticando um feitiço dentro de casa, enquanto os tios dormem. Gente, isso é crime e causaria expulsão de Hogwarts. Alguns minutos depois, o próprio Harry teme ir preso por ter usado magia – desta vez involuntária – para inflar a própria tia.
– Dentre as várias incoerências espaciais com os filmes anteriores (a maquete de Hogwarts parece ter sido reformulada para este filme), a pior é que o quadro da Mulher Gorda foi colocado no Hall das Escadas, onde todo mundo pode ver. Como todas as entradas para salas comunais, ela deveria ficar num lugar bem mais discreto.
– O que são os docinhos consumidos pelos meninos da Grifinória na primeira noite em Hogwarts? Aparentemente, feijõezinhos sabor animais selvagens. Ou apenas uma grande desculpa para fazer Rupert Grint rugir como leão (se for isso, gostaria de deixar claro que não me oponho).
– Por que, durante a partida de quadribol, Harry avista uma nuvem em forma de cão? Por acaso os roteiristas não entenderam o livro, e acham que o garoto estava, de fato, vendo o Sinistro por aí?
– Por que, neste ano, os alunos começaram a circular por Hogwarts com roupas de trouxas, em vez de usar uniforme o tempo inteiro? Agora as vestes pretas são opcionais? Alguém avisa a Warner que dá trabalho fazer cosplay de uniforme de Hogwarts, então seria legal se ele fosse usado nos filmes e tal.
– Na cena da Casa dos Gritos, o feitiço Expelliarmus é usado umas três vezes. Geralmente, ele simplesmente desarma a pessoa – mas, quando usado contra o Snape, faz o homem voar longe, bater na parede e ficar inconsciente. Por que isso? O feitiço tem potência extra contra gente cretina?
*
Enfim, é por tudo isso que eu morro um pouquinho cada vez que ouço alguém dizer que esse é o melhor filme da franquia. O maior erro que uma adaptação como esta pode cometer é não ser autossuficiente. O roteiro de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban não pode ser entendido por quem não leu o livro – e, o pior, sequer consegue ser fiel a ele.
Mas devo admitir que nem todos esses fatores conseguiram fazer eu me arrepender de revisitar esse filme. Filme ruim com Harry Potter é melhor do que filme ruim sem Harry Potter.
Acho que esse é o ponto principal: “O roteiro de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban não pode ser entendido por quem não leu o livro”. =/
Poisé, mas eu não podia escrever só isso no post – queria uma desculpa pra reclamar das bobeirinhas também. 😉
Eu ODEIO, vou repetir ODEIO os sapos cantantes. Odiei desde o primeiro segundo, no cinema, e saí de lá reclamando: ouvimos sapos cantarem e não sabe-se quem fez o Mapa do Maroto ou qual a forma animaga do James. Bem, certinho. É bom saber que não estou sozinha.
Nikelen, também não entendi a dos sapos – mas devo admitir que eles não me incomodam tanto quanto o Flitwick maestro!
Esse ano eu li, pela primeira vez, todos os livros de Harry Potter. Já havia assistido a todos os filmes várias vezes e, na minha memória, O Prisioneiro de Azkaban era um dos melhores. Por acaso, esse é o único filme da série que eu tenho em DVD, então assim que terminei o terceiro livro corri pra reassistir ao filme e ver as diferenças entre os dois. O resultado foi decepção. Eu gostava tanto desse filme, mas só ao ler o livro eu percebi essas falhas que você comentou. Ainda assim gosto dele. Entretanto, caiu um pouco na minha lista, que continua liderada pelo Enigma do Príncipe (tanto o livro quanto o filme).
Na parte que Snape é nocauteado por um expelliarmus a explicação não é porque ele foi atingido por mais de um ao mesmo tempo? Se a minha memória não me engana, tanto no livro quanto no filme ele é acertado pelos feitiços de Harry e Hermione ao mesmo tempo, não? Ou é só no livro? Ou eu to viajando?
Ai, que pena que se decepcionou. Certas coisas é bom não revisitar, hehe.
Não me lembro como é no livro, Henrique, mas acho que no filme o Snape é acertado por dois feitiços ao mesmo tempo, sim. Embora eu duvide que o feitiço duplo teria o efeito de jogar ele longe, é uma boa explicação. Obrigada pelo comentário! 😉
Acabei de conhecer o blog de vcs e achei ele muito bom! Mas… (não me jogue nenhuma maldição pfv rsrsrsrsrsr) Mas discordo desse post: Tb sofro bastante com partes e plots do livro que foram cortadas, entendo inteiramente o sentimento, mas achei que o seu texto só jugou o filme com a relação dele com o livro, ao invés de um filme por si próprio.
Sou uma das pessoas que viu os filmes antes dos livros, e posso dizer que é inteiramente possível entende-los. Depois de ler os livros dá para pegar um monte de detalhes, mas detalhes que não são essenciais; por exemplo: Sim, não entendi o porque do veado nas primeiras vezes que vi o filme, mas ele só aparece uma vez, e é um detalhe para os fans; dá pra entender tudo sem ele. (e depois de ver o 5º ganha uma explicação). Esse e outros momentos que vc chamou de zueiros, ou de falta de lógica (como o pirulito em Hogsmeade, ou o voo do hipogrifo), são muitíssimo importantes para o “lirismo” do filme, que alias é um dos elementos mais fortes do filme. A verossemelhança em filmes (e livros) não precisa vir unicamente de lógica e continuidade, mas tb de uma quebra delas, principalmente num gênero de fantasia como o de HP.
E mesmo que me doa dizer isso, acredito que a relação dos marotos não é super importante para os filmes, por questão de espaço: os detalhes da história dos 4 não era essencial para a história do PoA, e no 5º e 7º, é apenas um sub,sub,sub plot. Já a relação especifica do lupin e do Sirius com o Harry é importante, mas os filmes já cumprem esse quesito.
Oi, Igor! Que bom que gostou do blog! Não se preocupe, não vou lançar nenhuma maldição em você – afinal, estamos aqui para debater ideias, e é sempre bom discutir com gente interessante, que leu o texto e tem algo a acrescentar. 🙂
Acho interessante a sua leitura, principalmente das cenas mais líricas. Eu não consigo ter essa visão dessa cena, sempre me pergunto “que porra tá acontecendo aqui”, mas com certeza isso tem a ver com o fato de que eu já tinha lido o livro e já era fã antes de ver o filme. Tenho essa mesma “raivinha” com algumas cenas de O Cálice de Fogo, como quando os alunos de Beauxbatons e Durmstrang entram em Hogwarts fazendo um showzinho. A cena ficou legal e tem ritmo, mas continuo tentando achar sentido nela, sabe.
Enfim, obrigada pelo comentário!
brigado Bárbara! kkkkkkkkkkk sei bem essa “raivinha” tb; Senti ela principalmente quando vi Percy Jackson e Lolita…
Achei essa cena do Cálice uma ótima ideia de adaptação, por apresentar as escolas através de apenas imagens e movimentos, só que ficou esquisita por causa da edição: Originalmente ela era seguida por aquela cena deletada, em q os alunos de Hogwarts cantavam o hino da escola;
As duas cenas juntas formavam uma boa piada, mostrando como hogwarts é meio tradicional e silly”; E resumiam muito rápido como as três escolas eram diferentes e competitivas entre si, um tema que era importante no livro.
Pra mim o 3o e o 4o são disparados os melhores filmes, david yates conseguiu estragar os filmes, ele estilizava demais, dava um tom serio que não tinha nada a ver com o tema de aventura e misterio que predomina harry potter, até hoje não me conformo com o corte na historia do dumbledor contada pelo aberforth e as lembranças da penseira sobre tom riddle
Sobre alguns dos problemas apontados;
As vestes foram substituidas por roupas normais por um pedido dos atores, pq as outras incomodavam e eram muito quentes
Os “feijoes magicos” eu considero uma boa cena pra desenvolver uma dinamica entre os garotos, nao acho nada demais.
A questão da nuvem, mostra uma paranoia do harry em relação a isso, um sintoma muito normal, nao entendi a reclamação
Cena do expelliarmus no Snap era para ser estupore, os proprios roteiristas ja comentaram esse erro uma vez
Algumas coisas realmente sao furos ( cena de abertura usando um feitiço entre outras, mas acho que o unico erro realmente grave é a falta dos Marotos).
Sei que opiniao cada um tem a sua, mas acho que tem reclamaçoes exageradas ai, abçss!
Que post incrível. Tudo q eu penso sem eu precisar escrever, obrigada por isso.
Como me irrita quem diz que esse é o melhor de todos os filmes.
Obrigada, Aline! Sempre fico contente de encontrar outros haters desse filme hahahah. ❤