Alistar-se no Exército foi a primeira – e talvez a última – escolha livre que Juan Rico pôde tomar ao sair da adolescência. Apesar do árduo e rigoroso treinamento pelo qual é obrigado a passar, o perseverante recruta está determinado a tornar-se um capitão de tropas. No acampamento militar, ele aprenderá a ser um soldado. Mas apenas ao final de seu treinamento, quando, enfim, a guerra chegar (e ela sempre chega), Rico saberá por que se tornou um.
Fonte: Aleph
Esta é a segunda resenha do Sem Serifa a tratar de insetos gigantes; realmente estamos nos tornando um blog de nicho. Claro que há muito mais em Tropas estelares do que insetos gigantes – na verdade, eles mais servem como um inimigo conveniente para a humanidade do que são o foco da obra. O livro, uma ficção científica militar de 1959, trata de questões muito maiores e mais interessantes.
O primeiro capítulo já começa arrebatador e um tanto confuso – somos apresentados, pela narrativa em primeira pessoa do soldado Johnnie, a uma Infantaria Móvel cuja função é fazer “quedas” em trajes especiais sobre planetas ocupados pelos insetos gigantes que estão atacando a Federação Terrana, e destruir o que for possível. É difícil simpatizar com Johnnie de cara, mas, depois dessa primeira cena extremamente bélica e sanguinária, o narrador se volta ao passado. Descobrimos mais sobre sua vida, como entrou no exército, como foi seu treinamento lá e as circunstâncias da guerra com os insetos. Achei o ritmo das “revelações” muito bom, aliás – primeiro nos focamos nos personagens, e aos poucos vamos descobrindo como funciona o mundo deles.
Gostei muito de Johnnie. Em certo momento ele é descrito como “tapado, esforçado e sincero na dose certa”, que é uma definição melhor do que qualquer uma que eu conseguiria fazer. Filho de um ricaço, ele entra no exército basicamente pra provar que é mais do que o “filho do chefe”, e embora sobreviva ao treinamento básico (quando muitos não o fazem), ele não é incrivelmente excepcional por nenhum motivo, o que ajuda o leitor a se afeiçoar pelo personagem (pra melhorar, a mãe o chama de “meu bebezinho” em cartas e ele tem nojo de insetos).
O livro é essencialmente uma história militar (in space!): espere ler bastante sobre isso, desde a organização do exército até estratégias de missões, e muito sobre a tecnologia empregada por eles para fazer as “quedas” e tal. Acho que isso pode entediar algumas pessoas – porém, eu não teria imaginado, antes da leitura, que gostaria de uma obra assim, e na verdade achei tudo bem interessante, embora algumas partes tenham se estendido um pouco pro meu gosto.
O mais interessante do livro é a ideologia – ou, digamos, tese – que o apoia. A Federação Terrana é o que sobrou depois que o nosso mundo entrou em colapso (o que aconteceu no final dos anos 1990, no livro – dessa a gente se safou!), e o mundo só entrou nos eixos quando a cidadania foi tirada das mãos de todo mundo. Só tem o direito ao voto quem passou pelo serviço militar (dois anos, em tempos de paz), e você vai percebendo, ao longo do livro, que este é um mundo extremamente policial, focado na punição. Em certo ponto a teoria é explicada abertamente, quando se discute os erros do passado da humanidade. A premissa é de que repressão dura, aplicada desde cedo (cedo mesmo: batendo em crianças e tal), é o que vai colocar todo mundo na linha. Uma ideia bastante falsa (assim como a noção de que a pena de morte vá impedir crimes), mas que é apresentada com vigor e entusiasmo ao longo da obra. (Algo como se Star Wars fosse narrado do ponto de vista de um stormtrooper, se Darth Vader apresentasse os preceitos do Império, e se não houvesse nenhuma Rebelião.) Porém, para minha surpresa, isso não me incomodou tanto: não fui levada pela argumentação de Heinlein e contra-argumentava para mim mesma durante a leitura, o que foi um bom exercício intelectual. As discussões filosóficas e morais são muito interessantes, e um exemplo ótimo do que torna a ficção científica tão relevante enquanto literatura. Além disso, Heinlein conseguiu criar um personagem simpático, o que é essencial num livro de mais de 300 páginas e ajuda a dissipar o mal-estar criado pelo regime semiautoritário em que ele vive – o fato de Johnnie ter nascido nesse contexto explica as suas ideias, embora a glorificação excessiva do exército tenha me irritado vez ou outra. Mesmo assim, você não precisa comprar essa ideia pra aproveitar a obra. Gostei muito do livro, por mais que tenha discordado do que ele propõe para o futuro da humanidade.
A não ser que sejamos mesmo invadidos por insetos gigantes; neste caso abandono todos os meus princípios.
A tradução está muito boa e conseguiu capturar bem o tom informal da narrativa e dos diálogos, pra não mencionar a quantidade de termos militares que pululam na obra, e a edição da Aleph, como de costume, está impecável – embora eu questione a necessidade dessas aranhas nas páginas finais do livro. Ugh. No final também há uma entrevista com Ugo Bellagamba e Éric Picholle, biógrafos do Heinlein. Aparentemente, ele é considerado um dos três grandes autores fundadores da ficção científica, junto com Asimov e Clarke, e por isso recomendo bastante o livro para fãs do gênero.
*
Tropas estelares
Autor: Robert A. Heinlein
Tradutor: Carlos Angelo
Editora: Aleph
Ano de publicação: 1959
Ano desta edição: 2015
352 páginas
Citações preferidas
Para qualquer um que se apegue à doutrina historicamente falsa, e completamente imoral, de que “violência nunca resolve nada”, eu aconselharia a invocar os fantasmas de Napoleão Bonaparte e do Duque de Wellington e deixar que eles discutam o assunto. […] Violência, força bruta, resolveu mais questões na história do que qualquer outro fator, e a opinião contrária é uma ilusão da pior espécie.
*
Fiz uma descoberta importante no Acampamento Currie. A felicidade consiste em dormir o suficiente.
*
Guerra não é violência e matança, pura e simples; a guerra é violência controlada, com um objetivo. O objetivo da guerra é apoiar as decisões do seu governo pela força. Nunca é matar o inimigo apenas por matar… mas sim forçá-lo a fazer o que você quer que ele faça.
*
As melhores coisas da vida estão além do dinheiro; o preço delas é sofrimento e suor e dedicação… e o preço exigido pela mais preciosa de todas as coisas da vida é a própria vida. O supremo custo em troca do supremo valor.
*
Aquele velho dito de que “tudo compreender é tudo perdoar” é uma grande bobagem. Algumas coisas, quanto mais você as compreende, mais as abomina.
Oi Isa,
O que eu mais tenho gostado na ficção cientifica é justamente os argumentos tão diferentes do convencional. Mas acho que não teria paciência para ficar lendo sobre organização militar, estratégias e missões.
Nunca tinha ouvido falar nesse sujeito e me espantei em descobrir que ele é considerado um dos tres grandes autores de ficção cientifica. Se está ao lado do Asimov, merece pelo menos uma chance, né?
Abraço,
Alê
http://www.alemdacontracapa.blogspot.com
Oi, Alê! Eu também não conhecia o Heinlein, mas acabei gostando, apesar da temática. Fiquei inclusive animada pra ler outros livros dele, então acho que vale a pena mesmo =)
Na verdade o Heinlein não está argumentando nada, quem está argumentando é o Rico, ele é o narrador do livro e nasceu, cresceu e foi educado dentro da cultura da Federação.
Oi, Federico. De fato, como eu disse na resenha: “o fato de Johnnie ter nascido nesse contexto explica as suas ideias”. Achei o livro interessante justamente porque não consegui identificar se o autor estava defendendo ou criticando o universo que criou.
Um livro que dá a dúvida de qual ideologia se segue, mas pelo lado contrário é do livro de Isaac Babel Exército de Cavalaria que foi publicado na série prosa do mundo da Cosac e Naify. Sugiro muito a leitura. E o livro parece muito bom mesmo. Estava com medo que fosse mais um pástelão de militarismo ultra-violento cheio de tiro e tripas e “fuck yeah américa”.
Oi, Pedro! Obrigada pela dica, faz tempo que quero ler Babel, preciso fazer isso em breve!
De nada. Ultimamente estou bastante atrás de escritores de Sci-Fi com conteúdo mais político como Phillip K. Dick. É outra obra que seria interessante ver ser resenhada. Arthur C. Clrake é bastante interessante, também, mas não sei se sou só eu, porém, eu costumo não gostar de explicações científicas por meio de Scientific Babble.
Ficção científica não é bem meu gênero preferido, então não conheço muita coisa… (nossa tag de FC é principalmente a Bárbara: https://blogsemserifa.com/tag/ficcao-cientifica/) Comecei a ler o gênero mesmo esse ano. Do Dick ainda não li nada, mas do Clarke resenhei As fontes do paraíso. Achei interessante, mas não me cativou tanto!
Isa, não sou fã fã fã de Sci-Fi, mas gosto muito do gênero. Se for sincero meu gênero favorito )falando de lit. de gênero) é terror. Engraçado, né? Eu gosto muito de Sci-Fi, mas amo Terror. Não curtia muito no cinema, mas hj em dia tenho ido atrás de filmes de terror italianos. Sei que é off total. XD Eu acho que vou tentar resenhar o A Colina Escarlate que vou ver esse fds. Vou colocar no Jam-Station e depois gostaria de um comentário. O que acha? Tenho acompanhado o trabalho de vcs mais do que muitos blogs e queria que houvesse uma troca entre os dois. Topa?
Terror italiano? Nunca tinha ouvido falar disso, rs! Terror já é um gênero de que eu não gosto muito, mas vou ficar de olho no blog. Abs!
Pingback: [Especial] Livros favoritos de 2015 | Sem Serifa