[Resenha] Os robôs da alvorada

Esta resenha contém spoilers dos dois primeiros livros da série, As cavernas de aço e O sol desvelado.

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Sinopse:

Em meio à mais evoluída colônia humana fora da Terra, ocorre um crime sem precedentes: um robô humaniforme é assassinado, colocando em xeque a reputação de um importante estudioso daquele planeta, único suspeito do crime. O detetive Baley é convocado para investigar esse complexo assassinato, sem imaginar que sua segurança está em risco, assim como o destino da própria humanidade.

Fonte: Livraria Cultura

 

Depois de solucionar dois crimes insolúveis, um na Terra e outro em Solaria, o investigador Elijah Baley é convocado para o maior e mais importante Mundo Exterior, Aurora, para resolver mais um assassinato – ou melhor, roboticídio. O único robô humaniforme já criado – além, é claro, de seu parceiro de investigações R. Daneel Olivaw – foi misteriosamente inutilizado. O principal suspeito é seu criador, o dr. Fastolfe, que alega ser o único com capacidade intelectual para realizar tal feito – mas também nega tê-lo feito.

À medida que investiga, Baley vai levantando novos suspeitos: um cabeleireiro apaixonado e curiosamente tradicionalista em seus hábitos românticos; uma roboticista genial e geniosa; um inteligente e traiçoeiro roboticista; e até mesmo a então “dona” do robô humaniforme assassinado: Gladia Delmarre, que também fora suspeita de um crime em Solaria, onde Baley a conhecera.

A trama vai seguindo de uma entrevista à outra, enquanto Baley tenta juntar pistas e dançar conforme o jogo de ameaças e estratégias políticas de Aurora. Muitas cenas se assemelham a uma partida de xadrez: o investigador precisa prever as possíveis consequências de cada um de seus passos, e por vezes chega a discuti-las com os suspeitos, em um tenso joguinho de ameaças. Como nos livros anteriores da série, Baley chega diversas vezes a conclusões erradas e, embora agora o leitor já deva estar acostumado com essa estrutura, é difícil prever onde o investigador está errando a cada vez. E, como nos outros livros, seu emprego e sua vida dependem do sucesso de sua investigação.

A exploração espacial

– […] Se há vida e inteligência em outro lugar, por que eles não se espalharam também… e por que não nos encontramos?
– Até onde sabemos, isso poderia acontecer amanhã.
– Poderia. E, se esse encontro é iminente, é mais um motivo pelo qual não deveríamos ficar esperando passivamente.

Um agravante do problema é que desta vez há uma questão política maior envolvida no caso: em Aurora, dois grandes grupos brigam para decidir o futuro da humanidade, que, todos concordam, precisa se expandir para novos planetas. Um deles, os globalistas, defendem que o próximo passo para essa expansão deve ser feito com a ajuda dos robôs humaniformes, que iriam na frente preparar os novos mundos para receber com conforto as colônias humanas. Já os humanistas (grupo do qual o dr. Fastolfe faz parte e que Baley também defende) acreditam que isso, a longo prazo, levaria a raça humana a definhar, devido à mediocridade resultante de não sairmos da nossa zona de conforto. Por isso, eles acreditam que a expansão deve ser feita por terráqueos, que, diferente dos Siderais, estão acostumados a enfrentar dificuldades sem a ajuda de robôs.

Se nós estivermos cercados por uma civilização mais interessada e mais vibrante, vamos definhar com o simples poder da comparação; nós morreremos quando percebermos o que nos tornamos e o potencial que desperdiçamos.

Essa preocupação de Asimov com a necessidade de a humanidade ser grande, e com a possibilidade de que definhemos se pararmos de evoluir, é fascinante e gera algumas das discussões mais interessantes da obra. Neste livro, começa a surgir a ciência que, na série Fundação, será conhecida como psico-história: um estudo que une matemática e sociologia, enxergando e prevendo padrões de comportamento humano e, assim, planejando e projetando o futuro da sociedade. Desse modo, em Os Robôs da Alvorada, os humanos já começam a vislumbrar a possibilidade de ter total controle sobre o futuro da espécie – e, como já sabia um grande herói do século XX, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Quais aspectos do comportamento e do desenvolvimento humano são desejáveis e deveriam ser incentivados e cultivados para o futuro? Quais padrões de comportamento social têm mais chances de levar a humanidade à grandeza? E quem tem o direito de responder a tais perguntas?

Essa é uma discussão que Baley precisa acompanhar para compreender a mente de todos os suspeitos e tentar resolver o crime – lembrando que é do seu interesse que o dr. Fastolfe seja inocentado e a soberania da exploração espacial acabe ficando com seu planeta, a Terra. Para avançar na investigação, ele também precisa vencer seus próprios medos (como a agorafobia, que ele enfrenta com ainda mais frequência neste volume) e se esforçar para compreender a civilização de Aurora. Em mais de um momento, o leitor é lembrado de que as grandes diferenças culturais estão nos detalhes, e que estes só podem ser percebidos pessoalmente, por meio de uma imersão. Baley lê diversos livro-filmes para se preparar para a visita ao planeta, mas nenhum deles lhe informa os detalhes da vida auroreana, que ficam de fora de tais obras justamente por serem considerados tão naturais para seus autores.

Questões de sexualidade e preconceito

– […] tudo é aceito no que se refere a sexo… tudo o que é voluntário, que gera satisfação mútua e não causa dano físico a ninguém. Que diferença poderia fazer para qualquer outra pessoa o modo como um indivíduo ou uma combinação qualquer de indivíduos encontrou satisfação? Alguém se preocuparia em saber que livro-filmes eu vi, o que eu comi, a que hora fui dormir ou acordei, se gosto de gatos ou não gosto de rosas? O sexo também é uma questão de indiferença… em Aurora.

A questão sexual, que já fora tão trabalhada em O sol desvelado, está mais uma vez em foco. Ao contrário de Solaria, cujos habitantes eram sexualmente reprimidos ao extremo, em Aurora não há tabus, tudo é liberado e aceito. Os auroreanos não se incomodam nem veem sentido em julgar a vida sexual de ninguém; cada um faz o que quiser, desde que haja consentimento e satisfação. Esse aspecto utópico e bastante desejável para muitos leitores de hoje em dia poderia ser indicativo de uma mente bastante aberta por parte do autor, mas infelizmente não é. Asimov parece estar, assim como seu protagonista, sempre ao lado dos costumes terráqueos mais tradicionais, pois sua obra traz uma crítica velada ao modo de vida dos Siderais como um todo. Um autor com ideias científicas e filosóficas tão à frente do seu tempo, ele infelizmente não era tão evoluído quando se tratava de tradições sociais – além do conservadorismo sexual, se mostra bastante machista em diversos trechos de seus livros. Em Os Robôs da Alvorada, por exemplo, o protagonista chega a ficar surpreso ao ver uma mulher ocupando um alto cargo militar – isso sem mencionar que a personagem feminina mais relevante da série, Gladia, é fracamente construída e se comporta, na maior parte do tempo, como uma donzela indefesa à mercê de Baley.

[SPOILERS NESTE PARÁGRAFO] Aliás, como no volume anterior da série, mais uma vez me irritei com o relacionamento entre o investigador e Gladia. Este parece ter se desenvolvido com base em nada além de atração física, e evoluiu assustadoramente rápido para um romance de novela mexicana. Várias cenas entre os dois são bem dispensáveis, em especial a despedida extremamente piegas no final do livro. [FIM DOS SPOILERS]

*

Mas essas ressalvas não significam que eu não tenha gostado do livro. De forma alguma. Tudo de que eu mais gosto nas obras de Asimov está aqui: as investigações bem estruturadas, o ritmo acelerado (embora bem menos que nos volumes anteriores), a sociedade fictícia extremamente bem construída, as conjecturas a respeito do destino da humanidade e, é claro, os robôs. Neste livro, eles representam um papel ainda mais relevante e se assemelham cada vez mais aos humanos: não só o humaniforme Daneel, ao qual eu já declarei minha predileção nas resenhas anteriores, mas também um personagem novo e igualmente fascinante: Giskard. Embora não seja fisicamente parecido com os seres humanos, seu cérebro é tão ou talvez até mais desenvolvido do que o de Daneel, e é muito empolgante ir descobrindo, ao longo do livro, a sua enorme importância para a trama. Além disso, o relacionamento entre os robôs e humanos é mais uma vez fascinante – parece que quanto mais conhecemos os robôs de Asimov, melhor o autor consegue usá-los para trabalhar questões extremamente humanas e reais.

Não vou dar spoilers aqui, mas digo que o final da história é simplesmente fascinante, e compensa qualquer falha no restante da trama. É um daqueles finais que te deixa pasmo e te faz ficar pensando por horas depois de fechar o livro. Além disso, as muitas relações que este romance estabelece com as outras obras do autor (em especial com a série Fundação e com os contos de Eu, Robô) são deliciosos easter eggs para exercitar a mente dos fãs do Bom Doutor.

Em suma, se você gosta de ciência e de Asimov, não vai se arrepender de mergulhar neste livro.

*

Os robôs da alvorada
Autor: Isaac Asimov
Tradutora: Aline Storto Pereira
Editora: Aleph
Ano de publicação: 1983
Ano desta edição: 2015
544 páginas

 

Citações favoritas

A história era interessante na medida em que era catastrófica, e, embora pudesse ser algo muito fascinante de se ver em livro-filmes, era horrível de se viver.

*

Existem Leis da Humânica, como existem Leis da Robótica? Quantas Leis da Humânica poderia haver e como elas podem ser expressas matematicamente?

*

Pessoas que sonham com justiça são tão propensas a se desapontar… e costumam ser pessoas tão maravilhosas que odiamos ver isso acontecer.

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5 respostas em “[Resenha] Os robôs da alvorada

  1. Eu definitivamente preciso ler mais coisas do Assimov. Esse cara é genial né? Fui contagiada pelo seu post e agora quero ler esse também. Eu confesso que eu tinha deixado esse de lado por não gostar da capa, sou muito dessas hahaha, mas agora ja fui conquistada por ele tb.

    Beijos

    • Oi, Na! Obrigada pelo comentário! Acho que os livros desta série são os meus favoritos do Asimov. São muito envolventes, e valem a pena. Que bom que o post te deixou interessada, espero que goste da leitura. 😉 Se quiser mais dicas, dá uma olhada no post de hoje, é um vídeo sobre vários livros do Asimov.

    • Pois é, Bá, como muitos autores de ficção científica, ele tem uma visão bem machista de mundo. Mas acho que vale a pena, se você conseguir relevar isso. Se você se animar a ler alguma obra dele, dá uma olhada no vídeo que postamos hoje!

  2. Acabei de ler o livro, e o achei prolixo. O ritmo lento difere bastante das demais histórias de robôs e de Fundação. Terminei de ler por curiosidade de saber quem finalmente seria o assassino, o que só é revelado nas páginas finais.

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