A história original de Forrest Gump, o inocente e sincero protagonista de uma das mais memoráveis narrativas norte-americanas, chega ao Brasil em uma inédita edição comemorativa de 30 anos, com ilustrações, extras e tradução exclusivos. Acompanhe essa jornada sem destino de um homem sempre tentando fazer o que é certo.
Fonte: Editora Aleph
Imagina um livro que você lê com gosto. E com muito carinho. Esse é Forrest Gump. É claro que, graças ao filme, a propensão do leitor é já simpatizar com o livro desde o início, mas o fato é que a obra de Winston Groom surpreende. Ao contrário do que muitos pensam, Forrest Gump não é uma novelização, e sim o romance que inspirou o filme, e é bem diferente de sua adaptação, como vou comentar melhor adiante.
Publicado em 1986, o romance é narrado do ponto de vista de Forrest, que desde a primeira linha se identifica como um “idiota”. Seu QI, testado durante a infância, é baixíssimo, e Forrest tem dificuldades sociais e de comunicação, que vão desde a pronúncia diferenciada das palavras até a dificuldade em entender os sentimentos e intenções das outras pessoas. Estruturado como um longo relato oral, o livro transpõe, tanto na narração como em diálogos, diversos “erros” de escrita e concordância que caracterizam a fala do protagonista. Palavras como “augum” e “fazeno” podem causar um pequeno estranhamento no começo da leitura, mas, como em outras obras com linguagem própria, o leitor rapidamente se acostuma.
Com sua linguagem peculiar, Forrest conta toda a sua vida, começando na infância vivendo com a mãe e revezando entre uma escola pública comum e uma para crianças com necessidades especiais. Quando o garoto se torna adolescente, seu corpo ganha proporções gigantescas, chegando a mais de 2 metros de altura, e ele logo é escalado para um time de futebol americano, onde o seu destaque lhe rende uma oportunidade de ir para a faculdade.

Uma das ilustrações de Rafael Coutinho, exclusivas desta edição.
A partir daí, só coisas cada vez mais impressionantes acontecem. Circunstâncias que fogem de seu controle levam Forrest da faculdade para a guerra do Vietnã, de lá para a China comunista, em seguida para Harvard, para o espaço, para Hollywood e até para uma ilha habitada por canibais. E em meio a essas aventuras, ele ainda visita a Casa Branca umas quatro vezes, e conhece diferentes presidentes.
A história de Forrest não para de surpreender o leitor. Ele é colocado nas situações mais absurdas sem que consiga ter qualquer controle do que vai lhe acontecer. E meu aspecto favorito do livro é o fato de que a idiotia de Forrest serve principalmente para explicitar o quanto as outras pessoas são despreparadas, incompetentes e até idiotas. Esse papel, de mostrar os defeitos morais de terceiros, é uma atribuição recorrente a personagens idiotas, como é explicado num trecho extremamente metalinguístico no qual Forrest assiste a uma disciplina em Harvard chamada “O papel do idiota na literatura”. À medida que conhecemos suas aventuras, vai ficando cada vez menos claro quem é o idiota. Forrest pode não ter grandes habilidades sociais, mas muitas vezes parece ser a pessoa mais razoável em meio a militares inconsequentes, mulheres nervosas e cientistas atrapalhados. Ele tenta basear suas decisões no que é certo, e acaba tendo todo tipo de atitude avessa ao que seria feito pelas pessoas “normais”.
Isso não significa que Forrest seja um herói inocente e correto, como retratado no filme. O protagonista do livro diversas vezes é egoísta e fere as pessoas que se importam com ele, especialmente sua mãe e o amor de sua vida, Jenny. Forrest é imperfeito e não está ali para cativar o leitor, mas sim para ser um sarcástico crítico da cultura norte-americana (mesmo que essa crítica seja quase sempre involuntária). Sua visão única do mundo lhe permite fazer observações extremamente perspicazes e honestas sobre assuntos como a guerra e o mundo dos negócios, por exemplo.
Além das críticas perspicazes e das inúmeras citações notáveis, o que mais vale a pena nesse livro é se surpreender com os rumos tomados pela vida do personagem. Suas viagens e as relações que ele estabelece com as pessoas que encontra são peculiares, para dizer o mínimo, e renderam a história mais maluca que li em livros “realistas” nos últimos tempos.
A edição comemorativa de 30 anos, publicada pela Aleph, tem um ensaio bem interessante comparando o livro ao filme e explicando as razões para as enormes diferenças. Traz também ilustrações coloridas (e lindas!) de Rafael Coutinho, além de uma sobrecapa que permite ao leitor escolher seu design favorito para o livro (eu gosto da versão azul ^^).
Livro X filme
Antes de mais nada, aqui vai uma imagem polêmica que resume minha opinião:
Dito isso, tanto o filme como o livro de Forrest Gump são incríveis, mesmo que sejam muito diferentes. A adaptação de Robert Zemeckis, vencedora de 6 Oscars em 1994 (incluindo melhor filme, diretor e ator), conquistou um lugar eterno entre os melhores filmes norte-americanos, em especial por fazer tantas homenagens ao país e à sua cultura – ao contrário do romance, que na maior parte do tempo faz críticas bastante inconvenientes à nação mais ufanista do mundo. Além disso, o Forrest do filme, assim como sua relação com Jenny, são romantizados e “higienizados” para reforçar o perfeito herói americano interpretado por Tom Hanks. O resultado é que as duas obras servem a propósitos completamente diversos (para desgosto do autor, que detestou o filme) e contam histórias que tomam rumos bastante diferentes. Mas me apaixonei por ambas e as considero igualmente relevantes, cada uma com suas intenções e reflexões.
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Forrest Gump
Autor: Winston Groom
Tradutora: Aline Storto Pereira
Editora: Aleph
Ano de publicação: 1986
Ano desta edição: 2016
392 páginas
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Sinopse:
Eu sei que, seno idiota e tudo, eu não devia ter uma filosofia minha, mas talvez só fosse assim porque ninguém tinha parado pra falar comigo sobre isso.
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Eu era só um pobre idiota, e agora eu tinha a raça humana inteira pra cuidar.
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Os chineses eram legais também, e eram muito diferentes dos asiáticos que eu tinha visto no Vietnã. Em primeiro lugar, eles eram limpos e arrumados e muito educados. Em segundo, eles não tavam tentano me matar.
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Os chineses comem com dois pauzinhos e é quase impossível colocar comida dentro da boca com eles, então boa parte dela acabava caino nas minhas ropas. Não é de admirar que não se vê muitos chineses gordos por aí. Daria pra imaginar que eles já tivessem aprendido a usar o garfo a essas auturas.
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“Tem vezes que você não pode deixar a coisa certa ficar no seu caminho.”
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“Onde já se viu uma pessoa que não precisa de dinheiro extra?”
*
E aí um dia augumas pessoas vieram no meu escritório e disseram que queriam me candidatar ao Senado dos Estados Unidos.
[…]
“Olha”, eu disse, “eu sou só um idiota. Eu não sei nada de política.”
“Então vai servir perfeitamente!”
*
“Você sempre me falou que eu podia ser qualquer coisa que eu quisesse ser, e fazer qualquer coisa que eu quisesse fazer… E você também pode.”
“Você ainda acredita nessa porcaria?”
Olá! Vi o filme e adorei, mas não fazia ideia da existência do livro. E conclui pela sua resenha que são totalmente diferentes. Uma coisa que tenho dificuldade em livros é com a escrita informal, falo de forma informal, mas parece que meu cérebro foi treinado para ler no modo formal. Vou lendo e corrigindo tudo mentalmente, tornando a leitura um sacrifício. A obra parece grandiosa, porém seria uma leitura difícil para mim. Abraço!
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