[Resenha] A elegância do ouriço

Sinopse:

Publicado em 2006, A elegância do ouriço logo se transformou numa das melhores surpresas da literatura contemporânea, com mais de 850 mil exemplares vendidos na França. A receita de Muriel Barbery pode parecer esquisita: reunir, num prédio sisudo de um bairro elegante de Paris, uma zeladora de meia-idade, culta e desconfiada, uma adolescente calada e pensativa, um senhor japonês misterioso e sorridente; acrescentar um cocker lúbrico, um crítico de gastronomia à beira da morte e uma faxineira portuguesa que nasceu para rainha. Mas o resultado é o mais delicioso dos romances filosóficos. Repleto de humor e birra, de crise adolescente e melancolia madura, A elegância do ouriço conduz seus personagens e seus leitores às questões que nenhuma vida vivida a fundo deveria evitar: o tempo e a eternidade, a justiça e a beleza, a arte e o amor.

Fonte: Companhia das Letras

Renée Michel é uma mulher sofisticada: leitora ávida de filosofia e amante de literatura russa e cinema japonês. Mas ela se esforça para esconder isso de todos ao seu redor e agir como os outros esperam de uma pessoa de sua profissão e classe social. Como zeladora de um prédio de classe alta em Paris, ela prefere passar despercebida, fingindo ignorância e simplicidade, sem perturbar a ordem social estabelecida e esperada pelos habitantes ricos, muitos dos quais se consideram progressistas e igualitários.

“Algum dia já se teve conhecimento de empregadas e concierges que, conversando na hora da pausa, elaboram o sentido cultural da decoração de interiores? Vocês ficariam surpresos com o que dizem as pessoas do povo. Elas preferem as histórias às teorias, as anedotas aos conceitos, as imagens às ideias. Isso não as impede de filosofar.”

Logo nas primeiras páginas deste romance, Renée conquista o leitor com suas análises ácidas sobre os moradores do prédio. Mas ela não imagina que em um dos apartamentos há um diamante bruto, escondido até da própria família. Trata-se de uma garota superdotada de doze anos que finge ser comum para que lhe deixem em paz, porque considera que já entendeu tudo sobre a sociedade em que vive e não quer se destacar, nem fazer parte dela. Mais do que se esconder, Paloma Josse pretende se suicidar no seu aniversário de treze anos, para evitar ter um destino medíocre como o de todos os adultos ao seu redor.

“Se tem uma coisa que detesto é quando as pessoas transformam em credo sua impotência ou sua alienação.”

O ponto de vista dessas duas narradoras se intercala ao longo do romance. Partindo de situações cotidianas, cada uma delas faz reflexões sobre as pessoas, a arte, a vida, a morte, o amor, a filosofia. Mesmo que suas mentes tenham bastante em comum, os caminhos da senhora ranzinza e da adolescente pessimista só se cruzam de verdade depois que um novo e misterioso vizinho se muda para o prédio, atiçando a curiosidade de todos.

A elegância do ouriço foi facilmente o meu livro favorito de 2020 – e com mais de 20 reimpressões apenas no Brasil, é fácil imaginar que esse romance francês agrada mesmo muita gente. Sua narrativa às vezes é bastante abstrata e sinuosa, mas também cheia de leveza, o que compensa toda a filosofia e torna a leitura mais fluida. Os capítulos são como uma série de ensaios que guiam o leitor pouco a pouco através de uma trama em que barreiras são derrubadas e visões de mundo são postas em xeque.

A cada choque de realidade ou reflexão contundente sobre a vida, anedotas sobre os inusitados personagens (desde uma universitária com manias de boa samaritana até uma faxineira portuguesa com ares de aristocrata) vão temperando a leitura. É uma obra surpreendentemente simpática e elegante, que recomendo para todos.

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A elegância do ouriço
Autora: Muriel Barbery
Tradutora: Rosa Freire d’Aguiar
Editora: Companhia das Letras
Ano de publicação: 2006
Ano desta edição: 2008
352 páginas

Citações favoritas:

Os favores do destino têm um preço. Para quem se beneficia das indulgências da vida, a obrigação de rigor na consideração da beleza é inegociável. A língua, essa riqueza do homem, e seus usos, essa elaboração da comunidade social, são obras sagradas. Que evoluam com o tempo, se transformem, se esqueçam e renasçam, enquanto, por vezes, sua transgressão torna-se fonte de uma fecundidade maior, nada muda o fato de que, para praticar com elas esse direito ao jogo e à mudança, é necessário, previamente, ter lhes declarado plena servidão.

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Acho que só há uma coisa para fazer: encontrar a tarefa para a qual nascemos e realizá-la o melhor possível, com todas as nossas forças, sem complicar as coisas e sem acreditar que há um lado divino na nossa natureza animal. Só assim é que teremos a sensação de estar fazendo algo construtivo no momento em que a morte nos pegar. A liberdade, a decisão, a vontade, tudo isso são quimeras. Acreditamos que podemos fazer mel sem partilhar o destino das abelhas; mas nós também não somos mais que pobres abelhas fadadas a cumprir sua tarefa e depois morrer.

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A literatura, como toda forma de Arte, tem a missão de tornar suportável a realização de nossos deveres vitais. Para uma criatura que, como o humano, molda seu destino na base da reflexão e da reflexividade, o conhecimento que daí decorre tem o caráter insuportável de toda lucidez nua. Sabemos que somos animais dotados de uma arma de sobrevivência, e não deuses moldando o mundo com seu pensamento próprio, e é preciso algo para que essa sagacidade se torne tolerável, algo que nos salve da triste e eterna febre dos destinos biológicos.

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Quando senti pela primeira vez esse abandono delicioso que só é possível a dois? A quietude que sentimos quando estamos sozinhos, essa certeza sobre nós mesmos na serenidade da solidão, não são nada em comparação com o deixar-se levar, deixar-se ir e deixar falar que se vive com o outro, em companhia cúmplice…

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