Esta resenha foi feita com base no e-book em inglês da Canongate. As traduções de trechos do livro foram feitas por mim.
O livro narra a trajetória do jovem Pi Patel, um garoto cuja vida é revirada quando seu pai, dono de um zoológico na Índia, decide embarcar em um navio rumo ao Canadá. Durante a viagem, um trágico naufrágio deixa o menino à deriva em um bote, na companhia insólita de um tigre-de-bengala, um orangotango, uma zebra e uma hiena.
Fonte: Livraria Cultura
As aventuras de Pi foi o melhor filme que assisti em 2013. Quando finalmente consegui parar de soluçar, decidi que era hora de ler o livro homônimo que deu origem ao longa.
Em português, o título da obra (no original, Life of Pi) engana – Pi não vive várias aventuras. O livro conta a história de sua vida, na qual há um fantástico mas trágico acontecimento. Após um naufrágio do qual o garoto é o único sobrevivente, Pi fica à deriva em um bote salva-vidas, tendo como companhia um tigre-de-bengala chamado Richard Parker.
Na primeira parte do livro, Pi(scine) Patel relata em primeira pessoa a infância em sua cidade natal, Pondicherry, na Índia. Divide seus dias entre a escola (onde sofre bullying por causa de seu nome), as adoradas aulas de natação com o tio e as tardes no zoológico do pai. Vários capítulos são dedicados a curiosidades e relatos sobre zoológicos e sobre as dificuldades de mantê-los, e são partes bem interessantes e gostosas de ler.
Logo no início, é anunciado que a história de Pi “vai te fazer acreditar em Deus”. Mas o próprio autor, antes de passar a narrativa a Pi, esclarece que o livro não pretende fazer uma pregação religiosa. Pelo contrário, o garoto indiano (filho de ateus) não segue uma religião – segue três. Ainda na infância, ele adquire o costume de frequentar uma igreja católica, uma mesquita mulçumana e um templo hindu. Fazendo um contraste interessante mas não impossível com seu interesse por biologia, Pi é fascinado por Deus e tenta encontrá-lo em qualquer lugar e o tempo todo, sem o preconceito religioso que os adultos parecem esperar dele. As diferenças (ou semelhanças) entre religiões são tratadas na obra com respeito e beleza incomuns.
A fé de Pi é colocada à prova depois do naufrágio. Sete meses à deriva é muito tempo e trazem várias provações ao personagem. Poderia ser também tempo demais para que o relato se mantivesse interessante. Mas acompanhar as desventuras de Pi não é tedioso, em parte porque o elemento “felino gigante esfomeado” deixa as coisas meio tensas, e em parte porque a linguagem usada é extremamente poética. O autor consegue trazer reflexões mesmo a partir de elementos muito pequenos, e tudo na obra é uma alegoria e traz várias lições e significados. Tanta beleza ameniza as tragédias da vida de Pi, não a ponto de banalizá-las, mas o suficiente para torná-las toleráveis e permitir que a leitura continue, agradável apesar de triste.
Esta foi a história que mais me comoveu em toda a minha vida. Há momentos que fazem chorar e momentos de deslumbre, complementados pelas lindas ilustrações de Tomislav Torjanac (que, infelizmente, não entraram na edição brasileira).
O fim do livro é surpreendente e faz o leitor questionar todo o resto, em uma reviravolta possibilitada pela destreza do autor e pela estrutura da história – a narração feita por Pi em primeira pessoa é uma entrevista cedida a outro personagem, cujos trechos são mais realistas. Para alguns o desfecho da história é claro; para outros, nem tanto, e fica uma dúvida que faz o leitor relembrar a incrível trajetória de Pi e refletir sobre ela. Martel passa 400 páginas nos dando uma lição fantástica sobre fé, e ao fim parece cobrar a lição de casa, para a qual não existe apenas uma resposta correta.
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As aventuras de Pi
Autor: Yann Martel
Tradutor: Maria Helena Rouanet
Editora: Nova Fronteira
Ano de publicação: 2001
Ano desta edição: 2012
424 páginas
Citações favoritas:
O motivo por que a morte se mantém tão perto da vida não é necessidade biológica, é inveja. A vida é tão bonita que a morte se apaixonou por ela, em um amor invejoso e possessivo que se agarra a tudo o que puder.
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Se há apenas uma nação no céu, ela não deveria aceitar todos os passaportes?
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Como eu estou amargamente feliz em te ver. Você traz alegria e dor em partes iguais. Alegria porque você está comigo, mas dor porque isso não vai durar. O que você sabe sobre o mar? Nada. O que eu sei sobre o mar? Nada. Sem um motorista, este ônibus está perdido. Nossas vidas acabaram. Venha a bordo se seu destino é o esquecimento – essa deve ser nossa próxima parada. Podemos sentar juntos. Você pode ficar na janela, se quiser. Mas é uma vista triste. Ah, chega de hipocrisia. Deixe-me dizer claramente: eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo.
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Acho que, no fim, a vida é um grande ato de desapegar, mas o que mais machuca, sempre, é não ter tempo de se despedir.
Bônus:
Assista ao trailer do filme:
Algumas lindas capas alternativas (todas fan arts, clique na imagem para ver o crédito):
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Eu comecei a ler As Aventuras de Pi hoje e estou gostando. Particularmente acho que vou gostar da historia mesmo não sendo muito fã de livros que queiram mostrar a fé em algo. A leitura está sendo fácil e fluindo, espero gostar mesmo dele.
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