Este clássico da ficção científica reúne nove histórias sobre a evolução das máquinas, desde os primitivos homens mecânicos mudos até a máquina que controlaria o mundo e tornaria obsoletos os seres humanos. Apresenta ainda as três leis da robótica – autopreservação dos robôs, obediência deles e superioridade dos humanos.
Fonte: Livraria Cultura
As ficções científicas de Isaac Asimov são viciantes, e esse é um dos motivos por que decidi ler este livro. O tema da robótica também foi um belo chamariz, uma vez que o autor escrevia como ninguém sobre robôs e sua relação com os seres humanos.
Em Eu, robô, o narrador entrevista Susan Calvin, uma robôpsicóloga que trabalha para a maior indústria de robôs do mundo, a U.S.Robôs, e a partir dessas entrevistas constrói relatos em terceira pessoa sobre episódios reveladores do entendimento entre robôs e humanos, ao longo de vários anos. Esses relatos funcionam como contos –originalmente publicados em separado, entre 1940 e 1950, cada um tem uma história fechada –, mas ler todos juntos possibilita a compreensão de questões mais profundas que o autor coloca. Uma delas, presente também em outras obras, é o complexo de Frankenstein que os seres humanos têm perante a inteligência artificial: aquele velho medo do desconhecido, agravado pelo fato de que o desconhecido em questão é fruto da criação do próprio homem, uma máquina pensante cujo funcionamento e limites nós tememos não conhecer completamente.
Esse complexo é generalizado no cenário do livro, e faz o uso de robôs ser banido da Terra. Por isso, a U.S.Robôs os produz apenas para uso em bases e colônias espaciais, e o resultado é que a maior parte das histórias se passa em outros planetas, luas ou asteroides. À exceção de uma ou outra, essas histórias contam sobre testes de novos tipos de robôs, colocados nesses lugares para prestar algum serviço à raça humana. O problema é que o funcionamento das máquinas nunca dá certo de primeira, e eles acabam adotando comportamentos inusitados, confusos e muitas vezes perigosos para a raça humana. A tarefa de testá-los é dos astronautas Powell e Donovan, e não é de se espantar que os dois personagens sejam bem estressados, o que ajuda a passar ao leitor a urgência das questões apresentadas – afinal, não apenas vemos situações extremas, como temos o ponto de vista de dois homens cujo emprego, e muitas vezes a vida, está em jogo.
Ler esse livro é como participar de partidas de xadrez, em que há vários impasses e nos é mostrada cada possibilidade e suas consequências. Ou como uma história de investigação. Embora este não seja um livro de detetive como As cavernas de aço, tem alguns traços em comum: em cada conto, o leitor é convidado a entender um enigma relativo ao funcionamento e à mente das máquinas. E não é difícil acompanhar e até mesmo tentar adivinhar a solução para cada caso. O texto de Asimov, no qual há muito mais diálogos do que descrições, é fácil de ler e bastante didático – às vezes até demais. O autor explica repetidamente as Leis da Robótica, que guardam a chave para todas as dúvidas quanto a esses computadores.
As Leis da Robótica
1 – Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano venha a ser ferido.
2 – Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
3 – Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou com a Segunda Lei.
Fonte: Aleph.
A personagem que cede essas histórias ao entrevistador é muito interessante. Apaixonada por robôs, Susan Calvin dedica a vida a entendê-los, e é muitas vezes considerada bastante similar a eles. Na verdade, isso é até um pouco irritante: Calvin é vista como pessimista, seca e chata simplesmente por ser séria e fazer seu trabalho direito. Não sei quanto aos outros leitores, mas eu fiquei sempre do lado dela – e com razão, pois só ela entende toda a seriedade que envolve assuntos relacionados a robôs. Além disso, tanto na realidade como na ficção, é sempre legal ver gente apaixonada pelo que faz.
– Oh, são os robôs tão diferentes dos homens, mentalmente?
– Mundos de diferença. – Ela permitiu-se um sorriso gélido. – Os robôs são essencialmente decentes.
O cenário na Terra após a evolução dos robôs (para máquinas cada vez mais inteligentes) é muito pouco descrito. Mesmo assim, Asimov consegue levantar questionamentos filosóficos fundamentais à vida em sociedade no mundo que ele mesmo imaginou, ao colocar robôs no lugar de conceitos abstratos como a economia mundial e questionar os limites, os prós e os contras dessa evolução tecnológica extrema. Como suas outras obras, esta mantém o ritmo e a linha de raciocínio até a última pagina.
Foi nessa obra, referência da ficção científica até hoje, que Asimov apresentou suas leis da robótica, que influenciariam muito as histórias de robôs.A edição que eu li, da Ediouro, infelizmente não faz jus: traz vários problemas de revisão e alguns erros crassos de tradução, como a palavra “compliment” (elogio) traduzida como “cumprimento”, e a palavra “hurt” traduzida como “magoar”, em um contexto em que deveria ter sido usado “ferir”. A obra ganhará uma edição pela Aleph, prevista para o final deste ano, e confio que essa editora lhe dará um tratamento melhor.
Mas, seja qual for a edição, eu a recomendo fortemente aos curiosos por robôs, astronautas e ciência, e aos amantes de ficção científica.
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Eu, robô
Autor: Isaac Asimov
Editora: Ediouro
Ano de publicação: 1940-1950
Ano desta edição: 2004
352 páginas
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