[Resenha] The Secret Garden

Esta resenha foi escrita com base na edição em inglês da Penguin. A tradução de trechos foi feita por mim. Contém spoilers! english copysecretgardenSinopse:

Esta obra conta a história de duas crianças solitárias que decidem restaurar um jardim proibido, cujo mistério remete a um acidente ocorrido anos atrás. A amizade improvável entre os dois personagens funciona como uma metáfora para a descoberta do mundo e para o autoconhecimento.

Fonte: Livraria Cultura Aos 10 anos, Mary Lennox, uma garota criada na Índia, filha de pais ingleses sem tempo ou inclinação para cuidar dela, é uma “criança desagradável”. “Ninguém pensava nela, ninguém a queria,” e quando uma epidemia de cólera mata os pais e os criados da casa, Mary é enviada para a Inglaterra, para viver com o tio, Archibald Craven.

Esse é o início de The Secret Garden, um clássico infantil de 1911. O livro me impressionou de cara pelo retrato terrível que faz de Mary, uma garotinha mimada, apática, emburrada e voluntariosa, que nunca sentiu o carinho de ninguém e não gosta de uma única pessoa no mundo.

Ao chegar na Inglaterra, Mary é ignorada novamente: o tio não quer vê-la, e a menina é deixada aos próprios cuidados. Para curar o tédio, começa a explorar os extensos jardins da propriedade – com a exceção de um, que está fechado há 10 anos e pertencia à esposa falecida de Archibald. A curiosidade da menina é atiçada e, na falta do que fazer, ela entabula conversa com os criados da mansão, em especial Martha, uma garota alegre e bem-humorada, e Ben Weatherstaff, um jardineiro casmurro cuja personalidade reflete a da própria Mary. Mas Ben também possui um lado sensível, e aos poucos o contato com a natureza e o interesse pelo jardim começam a revelar em Mary uma personalidade curiosa e ativa que ela nem sabia ter. Isso também ocorre graças à amizade com Dickon, irmão de Martha, um garoto inteligente e feliz que se comunica com os animais.

Não demora muito para Mary desvendar dois segredos da mansão Craven: o primeiro, a porta que leva ao jardim secreto; o segundo, a resposta para um choro que ela ouvia na casa, vindo de algum quarto escondido. Uma noite, Mary sai para investigar e descobre que possui um primo: Colin Craven, um garoto de sua idade que passou a vida inteira no quarto. Ele nasceu fraco e doente, e o pai e os médicos pensavam que morreria a qualquer momento.

O jardim abre os olhos de Mary para a beleza – “Era quase como ser trancado para fora do mundo em algum lugar encantado” – enquanto a convivência com o primo a faz sentir compaixão pela primeira vez. Não que ela e Colin não tenham seus confrontos – ele também é extremamente mimado e está acostumado a ser obedecido pelos criados da casa. As brigas dos dois são engraçadíssimas, e fazem Mary confrontar suas noções sobre si mesma e se enxergar no comportamento do primo.

“Você é egoísta!” exclamou Colin.

“E o que você é?” perguntou Mary. “Pessoas egoístas sempre dizem isso. Qualquer um que não fizer a vontade delas é egoísta.”

Mesmo assim, as crianças rapidamente estabelecem uma conexão. Logo, Mary e Dickon contam o segredo do jardim para Colin, e os três fazem de tudo para que ninguém mais saiba do seu lugar secreto.

O livro é encantador, e não apenas para crianças. A autora consegue tratar de assuntos pesados – como a negligência de Mary e o isolamento de Colin – sem perder a suavidade, e a obra retém um ar um tanto mágico. O retrato de Colin, em especial, me impressionou: Burnett descreve os males desse “pequeno hipocondríaco meio louco e histérico” com muita percepção. É só com a presença de outras crianças que Colin descobre que não há nada de errado com ele, exceto o pavor que lhe foi incutido pelos adultos e os temores criados na solidão de seu quarto. Em certo momento, quando o médico começa a lembrá-lo de tudo o que não pode fazer, Colin dispara:

“Quando fico deitado sozinho e me lembro, começo a sentir dores em todo lugar e penso em coisas que me fazem gritar de tanto que as odeio. Se houvesse um médico em algum lugar que me fizesse esquecer que estou doente, ao invés de me lembrar disso, eu o chamaria. […] Minha prima me faz esquecer, e é por isso que ela me faz bem.”

Aliás, adorei como as crianças agem sozinhas ao longo do livro. Mary e Colin se tornam pessoas mais sensíveis e conscientes não apenas sem a ajuda de adultos, mas apesar deles.

Outro ponto favorito é quando, durante a recuperação de Colin, o garoto cria uma teoria de que há “magia” no mundo, presente na natureza. Essa magia teria tornado o garoto feliz, e o primeiro passo para obtê-la seria “dizer que coisas boas vão acontecer até que você as faça acontecer”. (Sim, é isso mesmo: The Secret Garden antecipou The Secret em 100 anos.) Por meio dessa magia, Mary aprende a viver, Colin se liberta de uma existência opressiva e o jardim – abandonado há 10 anos, como as crianças – se regenera.

Leitores adultos devem se despir do cinismo para aproveitar a obra em toda sua beleza bucólica. Qualquer que seja a magia que impregna a vida das personagens, também se encontra nesta leitura: entrar no jardim secreto é fazer uma pausa no dia para aproveitar a natureza, sentir-se criança e refletir sobre verdades simples, mas nem sempre óbvias.

A edição em inglês inclui um pequeno glossário com termos desconhecidos, regionais ou de época. Quanto à narrativa, tenho que observar que as personagens de Yorkshire (Martha, Dickon, Ben) falam com o sotaque da região, que a autora escreveu foneticamente. É mais chato do que difícil: logo você entende algumas equivalências (‘tha/thee = you, por exemplo) e se acostuma com uma quantidade gigantesca de apóstrofos, mas terminei o livro sem ter ideia de como pronunciar aquilo. Mesmo assim, adorei a leitura. Vê-se por que a obra mantém seu fascínio há um século.

*

The Secret Garden
Autora: Frances Hodgson Burnett
Editora: Penguin Classics
Ano de publicação: 1911
Ano desta edição: 2002
288 páginas

Livro cedido em parceria com a Penguin Stacks English.

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4 respostas em “[Resenha] The Secret Garden

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