O clube da luta é idealizado por Tyler Durden, que acredita ter encontrado uma maneira de viver fora dos limites da sociedade e das regras sem sentido. Mas o que está por vir de sua mente pode piorar muito. O livro serviu de base para um filme de 1999, procurando adaptar a atmosfera do livro, o mundo caótico do personagem e o humor negro do autor.
Fonte: Livraria Cultura
A primeira coisa que você precisa saber sobre Clube da luta é que há um grande plot twist na história. Não, não vou dar nenhum spoiler nesta resenha, mas acho importante mencionar, pois essa reviravolta é uma das mais brilhantes que já li, e o primeiro ponto que me faz recomendar a obra.
A segunda coisa que você precisa saber é que o protagonista da obra não tem nome. Sempre acho curioso quando o autor consegue fazer isso. Nosso protagonista e narrador em primeira pessoa é um americano que cultiva o estranho hábito de frequentar grupos de apoio para pessoas com doenças fatais – nos quais dá nomes falsos e basicamente chora e finge estar doente também.
É nesses grupos que ele conhece Marla – uma mulher de quem rapidamente pega uma forte birra, ao perceber que ela compartilha o seu “hobby”. Pouco tempo depois, durante uma viagem de avião, o narrador conhece Tyler Durden, um cara que vive fora do sistema e das regras impostas pela sociedade, e com quem o protagonista passa a morar depois que seu apartamento explode por causas desconhecidas. É de Tyler a ideia de fundar o clube da luta, uma reunião semanal para homens cujo propósito é lutar, seguindo algumas regras simples (dentre as quais: não falar sobre o clube da luta, não falar sobre o clube da luta – sim, de novo –, apenas uma luta por vez, todas as lutas acabam quando um dos lutadores desiste ou desmaia).
Tyler é tão revoltado com a sociedade quanto o narrador. Porém, tem uma capacidade surpreendente de articular e expor suas ideias, e de convencer os outros a segui-lo. É assim que o clube da luta acaba dando origem ao ponto alto da revolta: o Projeto Desordem e Destruição, que agrega ainda mais seguidores e cujo objetivo pouco ambicioso é destruir o sistema e instaurar o caos. A abordagem dos problemas da sociedade na obra é bastante peculiar. Os personagens de Palahniuk são doentios em suas obsessões: mesmo quando o leitor pode concordar com suas causas – como lutar contra a exploração dos assalariados ou as influências negativas da mídia –, eles as levam a patamares novos, enfrentando os problemas com medidas bastante extremistas e até insanas.
No posfácio da obra, que foi publicada pela primeira vez em 1996, Palahniuk explica que sua intenção, ao criar o conto que deu origem ao romance, era fazer um experimento: ele queria uma estrutura narrativa que contasse apenas os acontecimentos importantes da história, sem descrições de qualquer ação irrelevante, como os deslocamentos dos personagens pela cena. Queria um ritmo frenético e direto ao assunto – e foi isso que conseguiu.
Mas o maior trunfo do autor, para mim, é a criação de três protagonistas igualmente interessantes. Tyler Durden é impetuoso, estrategista, descolado e cheio de ideias criativas, embora assustadoras. Como resultado direto da estratégia narrativa que citei acima, Tyler não fala de amenidades, nem toma qualquer ação que não tenha um propósito bem definido a longo prazo.
Suas ideias perigosas são compartilhadas pelo protagonista, que tem uma visão pessimista do mundo – um mundo do qual está extremamente cansado, o que o torna mais propenso às ideias de Durden. A princípio, ele parece um pouco apagado mas, à medida que também começa a se incomodar com o rumo tomado pelos planos do amigo, podemos perceber melhor sua personalidade – a de um cara que queria mudanças, mas não a qualquer custo.
Marla também é uma figura notável. É trágica sem ser dramática, uma mulher que lamenta sua estadia do mundo e, como os outros dois personagens, não se importa nem um pouco com normas sociais ou aparências.
O que você precisa saber é que Marla ainda está viva. A filosofia de vida de Marla, ela me disse, é que ela pode morrer a qualquer momento. A tragédia na vida dela é que ela não morre.
Os três personagens tão marcantes já são atrativo suficiente para a obra, mas Palahniuk ainda surpreende com uma narrativa rápida e de estilo bastante brusco (o que combina perfeitamente com sua história) e um final muito, muito bom.
Livro x Filme
A adaptação de 1999, dirigida por David Fincher, é surpreendentemente boa. Muitas falas foram retiradas diretamente do livro, inclusive nos voiceovers, que mantêm a sensação incômoda e doentia transmitida pelo narrador no original. Edward Norton e Brad Pitt estão ótimos em seus papéis (narrador e Tyler Durden, respectivamente), mas o destaque vai para Helena Bohnam Carter, perfeita como Marla. Talvez seja porque vi o filme muitos anos antes de ler o livro, e portanto já estava com sua imagem fixa em minha mente, mas acredito que ninguém mais transmitiria tão bem a essência dessa personagem.
É claro que o filme não consegue aprofundar tanto os discursos de Tyler e suas explicações para os atos do clube da luta e do Projeto Desordem e Destruição, mas passa bem a ideia. Além disso, uma vez que a adaptação nos permite observar de fora o narrador, alguns sentimentos seus são ressaltados, como a sensação de exclusão quando Tyler começa a dar mais atenção a outros membros dos projetos.
Minhas críticas ao filme são que algumas cenas tornam impossível o plot twist (que, no livro, se encaixa perfeitamente na trama) e o fato de a última cena não estar à altura do resto da adaptação. Foi muito modificada e, na minha opinião, deixa o espectador um tanto confuso.
Mas uma coisa não se pode negar: tanto o filme como o livro são um soco no estômago, cheios de personagens diferentes de todos os que já vi e de ideias e frases de impacto que nos fazem pensar e querer rever a história várias vezes.
A primeira regra do clube da luta é que você não fala sobre o clube da luta. Mas, após devorar as 270 páginas dessa obra, eu não conseguia falar em outra coisa.
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Clube da luta
Autor: Chuck Palahniuk
Tradutor: Cassius Medauar
Editora: Leya
Ano de publicação: 1996
Ano desta edição: 2010
270 páginas
Citações favoritas
Em uma linha do tempo longa o bastante, a taxa de sobrevivência de todos cairá para zero.
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Marla nunca tinha visto uma pessoa morta. Não havia um sentido real na vida porque não tinha nada com o que comparar.
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– Se você perder a coragem antes de atingir o fundo do poço – explica Tyler –, jamais terá sucesso de verdade.
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Durante milhares de anos os humanos foderam, sujaram e fizeram merda com este planeta e agora a história espera que eu limpe tudo. Tenho que lavar e amassar minhas latas de sopa. E dar conta de cada gota de óleo de motor usado.
[…]
Queria queimar o Louvre. Quebraria os mármores do Panteão com uma marreta e limparia a bunda com a Mona Lisa. Esse é o meu mundo agora.
Esse é o meu mundo, o meu mundo, e as pessoas antigas estão mortas.
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Se você pudesse ser o pior inimigo de Deus ou um nada, o que você escolheria?
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Tem um velho ditado que diz que você sempre mata aquilo que ama, bom, a recíproca também é verdadeira.
Eu AMO o filme. Muito amor por Edward Norton, Brad Pitt e Helena Bohnam Carter! Ainda não li o livro (por gostar tanto do filme, acho que tenho um pouco de receio de descobrir que a adaptação mudou muito a história original. Haha Boba, né?). Mas agora fiquei muito curiosa em relação ao final (eu realmente pensava que tinha algo faltando naquela última cena). Kudos à Bárbara por conseguir escrever uma resenha inteira sem revelar nada sobre o plot twist (que é sensacional)! =)
Acho que você não vai se decepcionar com o livro, não, Brenda! Muitas partes são idênticas ao filme (inclusive falas), e mesmo assim vale muito a pena, porque a narrativa é bem envolvente. Se você ler, me fala, que a gente conversa sobre. 😉
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