Esta resenha foi feita com base no e-book em inglês da Little & Brown. A tradução de trechos foi feita por mim.
Mildred Lathbury é filha de um clérigo e uma mulher solteira na Inglaterra nos anos 1950. Ela é uma daquelas “mulheres excelentes” em que os homens não prestam atenção: inteligentes, compreensíveis e reprimidas. À medida que Mildred se envolve na vida de seus vizinhos – a antropóloga Helena Napier e seu marido charmoso, Rocky, e Julian Malory, o vigário – o romance apresenta uma série de retratos da vida em um mundo em desaparecimento.
Fonte: Goodreads
Imagine que Jane Austen escrevesse nos anos 1950. Agora imagine que ela não se importasse nem um pouco com o romantismo. Excellent Women seria mais ou menos o resultado. Essa comédia de costumes foi escrita em 1952 por Barbara Pym, autora que encontrei numa lista de livros negligenciados – e, depois de lê-la, concordei com a classificação. Como nunca tinha ouvido falar dessa mulher? Ela tem uma dúzia de livros, e (como também acontece com quem lê Jane Austen) fiquei com vontade de conhecer toda a sua obra.
A narradora de Excellent Women é Mildred Lathbury, uma “solteirona” de 30 e poucos anos, filha de um clérigo e atuante na comunidade. Mildred mora sozinha (e gosta disso), está sempre envolvida com bazares da igreja, e é uma “mulher excelente” – daquelas com que todo mundo conta para mil e uma coisas. À primeira vista, é uma mulher meio sem graça, que não se esforça para parecer bonita e em que ninguém presta muita atenção. Deixa que tirem vantagem dela, por um desejo de ser útil ou simplesmente porque não consegue dizer não, e ao longo do livro se encontra em situações embaraçosas quando tem que lidar com pessoas fora da sua esfera de experiência.
O que torna a protagonista interessante é a narrativa, que é extremamente irônica. O cerne do livro são os personagens, que são vistos, em suas peculiaridades e contradições, através do olhar afiado (embora nunca malicioso) de Mildred. Os eventos em si são cotidianos ao máximo, mas a leitura é surpreendentemente instigante.
As coisas começam a agitar a vida pacata de Mildred quando um casal se muda para o seu prédio – os Napier. Helena é uma antropóloga que não se preocupa muito com afazeres domésticos, e Rockingham (Rocky, para os íntimos), um veterano charmoso que conquista admiradores aonde quer que vá. O casamento dos dois não é dos mais estáveis, e Mildred se vê no meio das brigas do casal. Por meio de Helena conhece também Everard Bone, um colega antropólogo meio rude que começa a aparecer em toda parte. Enquanto isso, uma viúva aluga um quarto na casa de seus amigos, os irmãos Winifred e Julian Malory. Este é um vigário que todo mundo acredita que deveria casar com Mildred. De repente, ela, que nunca teve grandes experiências amorosas, se vê envolvida com esses três homens, de um jeito ou de outro.
Apesar de todos esses elementos austenianos, os homens de Pym estão longe do ideal de sr. Darcy. Percebem-se neles um egoísmo e uma noção exagerada da própria importância – talvez característicos da época –, que lhes fazem usar a protagonista como bem entendem. No fim, causam mais problemas e preocupação do que alegrias a ela. Por trás do humor, se entrevê a confusão de Mildred com as relações entre homens e mulheres, tanto pelo que observa nos relacionamentos alheios como pelo que ela própria experimenta. Embora não diga explicitamente, sentimos o seu anseio por um pouco de romance na vida, assim como a frustração por ser uma mulher solteira em uma sociedade em que o valor da mulher está relacionado a seu papel como esposa.
Isso faz o livro parecer sério e um pouco deprimente, o que não é o caso: Mildred não fica se lamentando e a narrativa é extremamente divertida, mesmo quando todos abusam da boa vontade da protagonista (embora às vezes toda essa virtude chegue a irritar, assim como o fato de ela aceitar tão mansamente tudo o que lhe acontece).
Pym delineia uma gama de personagens vívidos, cômicos em suas preocupações mesquinhas, os quais nós, mesmo não vivendo na Inglaterra da década de 1950, conseguimos imaginar perfeitamente como pessoas reais. Tolstói já dizia: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” – e a aldeia pintada por Pym ainda ressoa conosco.
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Excellent Women
Autora: Barbara Pym
Editora: Little & Brown
Ano de publicação: 1952
Ano desta edição: 2011
E-book
Citações preferidas
Suponho que uma mulher solteira de trinta e poucos anos, que mora sozinha e não possui relações aparentes, deve esperar encontrar-se envolvida ou interessada na vida de outras pessoas, e se também for filha de um clérigo, então se pode realmente dizer que não há esperança para ela.
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“Agora, Julian, não dê um sermão”, disse Winifred. “Você sabe que Mildred nunca faria nada errado ou tolo.”
Refleti com um pouco de tristeza que isso era verdade, e torci para que não parecesse muito esse tipo de pessoa para todos. A virtude é uma coisa excelente e todos devem almejá-la, mas pode ser um pouco deprimente às vezes.
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Há algumas coisas terríveis demais para serem reveladas, e é ainda mais terrível como, apesar dos nossos melhores instintos, desejamos conhecê-las.
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Disse a mim mesma para abandonar esses pensamentos ridículos, me perguntando por que é que nunca conseguimos parar de analisar os motivos de pessoas que não têm nenhum interesse pessoal em nós, na esperança vã de descobrir que talvez tenham um pouquinho, no fim das contas.