Sinopse:
Os próprios deuses narra a descoberta de uma revolucionária fonte de energia que promete uma nova era para a humanidade. Não só por facilitar a vida de toda a população, permitindo que os cientistas concentrem-se em melhorias para o homem, mas por revelar a existência de um universo paralelo ao nosso. A benéfica troca de energia com os habitantes dessa outra realidade abre caminho para uma série de estudos de uma nova ciência, batizada de para-física. Quando um jovem e promissor cientista decide realizar uma pesquisa e registrar a verdadeira história por trás do desenvolvimento da Bomba de Elétrons Entre Universos, alguns fatos fazem com que surjam dúvidas sobre a veracidade da versão oficial.
Fonte: Aleph
“Contra a ignorância os próprios deuses lutam em vão.”
Essa citação brilhante nomeia o livro e suas três partes e deu à minha leitura uma outra dimensão.
A premissa do livro é simples – se você entender bem interações subatômicas e aceitar a existência de universo paralelo, além estar familiarizado com as premissas básicas da termodinâmica, e… Brinks, gente. Na verdade, esse livro é sobre comunicação e prioridades. Amo como Asimov coloca a ciência (e todo esse futuro esplendoroso) na história: intrinsecamente relacionada aos acontecimentos, sem explicações que interrompam o ritmo e tudo soando bem plausível. E este último item foi essencial para minha empolgação com o livro (s2 ciência, bjs).
É claro que se passa em um futuro distante (nem tanto, na verdade: 2070), no qual tudo o que mencionei é importante. A Lua está colonizada e a humanidade consegue obter energia infinita a custo zero, através de uma Bomba de Elétrons, cuja criação é uma polêmica abafada pelo governo terrestre, que age sob a forte influência de Frederick Hallam. Esse personagem é um ponto central da trama e não apareceu senão em menções, o que reforçou a sensação de que ele é um homem importante demais para interagir efetivamente com as pessoas comuns. E o que o torna tão importante? O cânone diz que é seu intelecto, mas Peter Lamont (que está investigando a história por trás da invenção e protagoniza a primeira parte) acredita que um infeliz acaso colocou nas mãos de Hallam a descoberta científica que levou à criação da Bomba de Elétrons.
Achei a ideia da Bomba bem fascinante e vou tentar ser tão didática quanto o Asimov ao explicá-la:
- Existe um universo paralelo no qual as leis da física são diferentes: o para-universo.
- Os seres que lá habitam – os para-homens – perceberam que a transferência de matéria entre universos não só é possível como energeticamente vantajosa.
- Hallam prefere manter sua reputação reluzente a permitir que os efeitos e perigos da Bomba de Elétrons sejam investigados a fundo.
E Lamont percebe um perigo real e iminente, mas, assim como Denison, o antigo adversário intelectual de Hallam, ele se vê desacreditado dentro e fora do círculo científico. E quando percebe que não conseguirá lutar (“Contra a ignorância…” – que é o nome da parte que relata seus esforços) e vencer pela física, ele faz amizade com um extraordinário linguista.
O que nos leva à parte que mais gostei do livro: “… os próprios deuses…”. O leitor se vê imerso no para-universo, sem que haja uma introdução excessivamente descritiva dele. Os seres se dividem em dois tipos básicos: os Durões e os Suaves, e estes se subdividem em Emocionais (os “do meio”), Racionais (os “da esquerda”) e Paternais (os “da direita”). Os Suaves se juntam em tríades, procriam (gerando um bebê de cada) e “seguem em frente” pouco depois. Dos Durões pouco se sabe, pois essa parte da história se foca em uma tríade peculiar: Odeen, Tritt e Dua.
Eu fiquei absolutamente apaixonada pela dinâmica social e biológica desses seres. A analogia imediata que se faz aos subtipos de Suaves é a de gênero (especialmente porque é fácil associar tríades a casais). Embora sejam usados pronomes e adjetivos femininos para descrever Dua, a emocional, e masculinos para Tritt e Odeen, respectivamente o Paternal e o Racional, eu não senti que era bem isso e a minha leitura só foi confirmando essa impressão. Fiquei bem curiosa em saber como isso estava no original (em inglês). A consistência dos três tipos é diferente e cada um possui uma inclinação natural própria, além de necessidades de alimentação distintas. A relação entre os Suaves e os Durões é dominada pelos últimos, que controlam a tecnologia e o conhecimento – que compartilham em parte com os Racionais.
Eu poderia passar parágrafos falando sobre esses paradigmas diferentes que me encantaram, mas isso não substituiria a leitura do livro. Vou me limitar a dizer que Dua é uma Emocional com prioridades diferentes e percebe o perigo que a Bomba de Pósitrons pode representar para ambos universos, especialmente porque as estrelas do seu estão esfriando. E que me comovi com a sua coragem de enfrentar os parceiros, cujas prioridades envolvem manter uma boa imagem para os Durões e ter o terceiro e último bebê. O final dessa parte pode ser intuído pelo leitor e a confirmação é muito empolgante. Fiquei querendo mais do para-universo.
A última parte, “… lutam em vão”, se passa na Lua, que agora é colonizada. O autor descreve efeitos muito plausíveis que nascer ou morar na Lua podem ter sobre o corpo. E divaga bem sobre as consequências da colonização lunar – que incluem um sentimento de exclusão e a necessidade de emancipação dos habitantes da Lua. Somos conduzidos nessa parte por Selena, uma guia turística da Lua. Ela encontra Denison, que vai à Lua com a intenção de usar o síncroton de prótons e investigar em que grau as leis do para-universo estavam invadindo o nosso. E quão perto da explosão estaria o nosso sol.
Devo dizer que depois de toda a loucura do para-universo, a Lua foi quase decepcionante – embora não seja mal-construída enquanto cenário. E que me irritei um pouco com a inserção de um clima romântico entre Selena e Denison. Mas a resolução científica dos problemas propostos é bastante satisfatória e razoavelmente previsível para que tem familiaridade com a Teoria das Cordas.
Esse livro foi uma leitura muito estimulante, que me fez questionar os comentários que ouço sobre a “pouca qualidade literária” ou a “escrita preguiçosa” de Asimov. Talvez isso seja verdade em Fundação (só li a trilogia central e o estilo não me marcou), mas nessa obra eu senti cuidado nas descrições. Talvez parte disso seja mérito do tradutor. De todo modo, Asimov não decepcionou – como de costume.
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Os próprios deuses
Autor: Isaac Asimov
Editora: Aleph
Tradutora: Silvia Mourão
Ano de publicação: 1972
Ano desta edição: 2010
367 páginas
Livro cedido em parceria com a Aleph.
Citações favoritas
Desse tipo de coisa – aborrecimentos triviais, agressões gratuitas – é feita a história.
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Não adianta só ficar aí sentado, dizendo que uma coisa é impossível.
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– Vou sentir sua falta. Eu sei que você pensa que eu não presto atenção e que eu não gosto de você porque está sempre me dizendo para não fazer coisas. Mas eu ainda prefiro não gostar de você por me dizer que não faça coisas do que você não estar por perto para me dizer que não devo fazer coisas.
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Odeen dissera que as sete estrelas eram sete sóis muito distantes e que havia muitas outras estrelas ainda mais distantes e tênues demais para serem vistas. Tritt tinha ouvido quando ele falara sobre isso e tinha perguntado para que servia a existência das estrelas se elas não podiam ser vistas; além disso, ele não acreditava numa palavra de nada disso. Odeen dissera: “Ora, Tritt”, com grande paciência. Dua quase dissera alguma coisa muito semelhante ao comentário de Tritt, mas então mudara de ideia.
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Mistura de genes é uma coisa, sexo é outra.
Asimov é sempre genial!
Não li “Os Próprios Deuses” ainda, mas já entrou na minha lista. Acho que os livros dele funcionam justamente porque ele consegue inserir a ciencia dentro do contexto do história, sem ter que ficar fazendo explicações paralelas, como você mencionou. Por isso e pela criatividade 😉
Beijos,
alemdacontracapa.blogspot.com
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Terminei de ler recentemente e achei o livro muito bom. Ainda mais se for ver que o livro foi escrito em 1972. A parte do Para-universo achei sensacional. Lembro das primeiras páginas, me senti completamente perdido, mas após um pouco mais de leitura o Asimov consegue te fazer imaginar como funcionaria este ambiente.
Tambem tive a mesma sensação com relação à terceira parte, ela é OK, mas não tem nada demais. E acabou aparecendo um tema que já havia visto na série dos robôs, do próprio Asimov, que é o medo da superfície de forma quase irracional.
Antes desse havia lido um dos piores livros do Clarke, (3001), um livro que o enredo fica totalmente em segundo plano em relação com a parte descritiva do futuro na visão do autor (Em alguns livros do Clarke isso pode ser notado, mas neste em específico ficou extremamente desproporcional). Já no “Os Próprios Deuses” é tudo bem montado, vc consegue ter uma visão do universo do livro na passagem da história.