[Resenha] A ilha do dr. Moreau

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Sinopse:

À deriva, sem esperanças de sobreviver em alto-mar, Charles Prendick é resgatado por um navio em missão das mais incomuns: levar a uma pequena ilha no Pacífico algumas espécies de animais selvagens. Ainda debilitado, Prendick é obrigado a desembarcar na ilha junto com o carregamento. Lá, ele conhece a figura do dr. Moreau, um cientista que, exilado por suas pesquisas controversas na Inglaterra, realiza experimentos macabros com seus animais.

Fonte: Alfaguara

No século XIX, Prendick, único sobrevivente de um naufrágio, é resgatado por um navio de carga com um capitão um tanto hostil, que o abandona em sua primeira parada: uma ilha misteriosa, da qual a tripulação se recusa a se aproximar. Lá, conhece o dr. Moreau, um cientista inglês exilado, famoso por realizar experiências que são verdadeiros shows de horrores.

Moreau e seu assistente, Montgomery, cuidam de Prendick mas o mantêm isolado das instalações onde realizam seus experimentos secretos. O cientista e seus empregados são os únicos humanos nessa ilha coberta de florestas, que é habitada por estranhas criaturas bestiais, mas com aparência meio humana, que deixam Prendick apreensivo e despertam nele um enorme terror pelos segredos do dr. Moreau.

A história é contada em primeira pessoa por Prendick, que transmite ao leitor a tensão pela qual passa até descobrir o que acontece de verdade na ilha e nos aposentos secretos de seu anfitrião. Essa revelação é feita mais ou menos na metade do livro, então não darei spoilers aqui. Desde o início, sabemos que os experimentos de Moreau têm a ver com as bestas que povoam a ilha (a quem Prendick se refere como “o Povo Animal”), mas fiquei completamente absorta nas experiências de Prendick, e me surpreendi bastante quando ele revelou os detalhes do que o cientista estava fazendo. Assim como Frankenstein, livro com o qual este dialoga bastante, A ilha do dr. Moreau é uma narrativa tensa, que usa a ciência para discutir moral e apresenta monstros verdadeiramente assustadores.

Outra semelhança entre as duas obras é que, assim como Shelley, Wells não se preocupa em detalhar demais suas explicações científicas. Elas estão lá e são bastante impossíveis, mas este não é o foco do livro – como outras grandes obras do gênero, o assunto desta não é o mundo criado pelo autor, mas sim o nosso, do qual aquele é uma metáfora ou até uma sátira. O ponto central da trama são os resultados dos experimentos do dr. Moreau, um cientista maluco cujos propósitos não são bem explicados (o próprio Prendick aponta essa falta de justificativa para os atos dele). Aliás, por mais perturbado que seja, Moreau acaba não se destacando tanto como um grande vilão – ele é apenas um homem inconsequente responsável por acontecimentos que saem completamente do seu controle (sdds John Hammond), mas não é o centro da narrativa.

O grande destaque é para o Povo Animal e o funcionamento de sua sociedade semi-humana. As interações das bestas umas com as outras e com cada um dos personagens humanos representa críticas a política, religião, relações de poder, o conceito de civilidade e sociedade em geral. Esses personagens não pararam de me impressionar do começo ao fim do livro – a descrição de sua forma física, seu comportamento e principalmente a imprevisibilidade de suas atitudes são bem assustadores, ao mesmo tempo que sua situação na história causa um pouco de pena. Eles geram uma grande pergunta que permeia o livro todo: o que é ser humano?

Mas os questionamentos da obra também tomam forma com personagens humanos. Montgomery, por exemplo, em diversos momentos tenta convencer Prendick, um abstêmio convicto, a beber. Chega até a acusá-lo de ser um bruto por não consumir bebidas alcoólicas. [SPOILERS ATÉ O FIM DO PARÁGRAFO] A princípio, eu não sabia bem se o autor estava ou não criticando o consumo de álcool, mas o destino de Montgomery deixou isso bem claro: o homem é morto pelas bestas justamente após se embebedar junto com elas.

Prendick é um protagonista bastante prático e, embora tenha muitos motivos para surtar ao longo da trama (como um momento em que, pouco depois de ser resgatado, é gratuitamente abandonado de novo em meio ao oceano), conta sua história objetivamente, com reflexões bastante claras sobre os acontecimentos. Ele chega a se desesperar em mais de uma ocasião, mas narra suas reações de maneira bastante fria e direta. Tudo isso contribui para que a leitura seja envolvente e flua rápido, sem atrapalhar as muitas reflexões que a obra incita.

Quando alcancei o final do livro, me senti muito satisfeita por conhecer a história de Prendick, Montgomery e Moreau. Essa clássica obra de terror e ficção científica, com seus monstros humanos e bestiais, é do tipo que deixa uma marca eterna na mente do leitor.

*

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A ilha do dr. Moreau
Autor: H. G. Wells
Tradutor: Bráulio Tavares
Editora: Alfaguara
Ano de publicação: 1896
Ano desta edição: 2012
176 páginas

Citações favoritas

Lá fora os uivos pareciam ainda mais altos. Era como se todo o sofrimento do mundo estivesse concentrado numa única voz. E no entanto eu sabia que, se toda aquela dor estivesse sendo experimentada no aposento ao lado por alguém sem voz, acredito (e penso nisso desde então) que eu poderia conviver com ela. É somente quando a dor alheia é dotada de voz e põe os nossos nervos à flor da pele que a piedade brota dentro de nós.

*

Na verdade, uma grande parte do que chamamos “educação moral” não passa de uma modificação artificial [como o hipnotismo], uma perversão do instinto; a agressividade é induzida a virar coragem e autossacrifício, a sexualidade reprimida se transforma em emoção religiosa.

*

– Ora – disse ele -, a dor é uma coisa insignificante. Uma mente cientificamente treinada sabe disso muito bem. Pode ser que, a não ser neste pequeno planeta, neste grão de poeira cósmica, que se torna invisível muito antes de atingirmos a estrela mais próxima… pode ser, eu afirmo, que em nenhum outro lugar do universo exista isso a que chamamos de dor.

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Um animal pode ser feroz e pode ser sagaz, mas para dizer uma mentira é necessário ser um homem de verdade.

*

Acho que havia em sua mente a noção de que dizer palavras sem significado era usar corretamente a linguagem. Ele chamava a isso “o grande pensar” […]. Sempre que eu fazia alguma observação que ele não compreendia, ele a elogiava bastante, pedia-me para repetir, decorava-a, e saía repetindo-a por toda parte […]. Penso hoje que ele era a criatura mais estúpida que já conheci; tinha desenvolvido, do modo mais espantoso, a estupidez própria de um ser humano sem por isso perder a estupidez natural do macaco.

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3 respostas em “[Resenha] A ilha do dr. Moreau

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