Após dez anos de exílio, Sir Sparhawk, cavaleiro da Ordem Pandion, retorna a Elenia e encontra sua terra natal imersa em sombras. O inescrupuloso Annias, primado da Igreja e membro do Conselho Real, manipula o débil príncipe regente para governar de fato, visando seus próprios interesses. A legítima soberana, Ehlana, acometida por uma estranha doença, jaz adormecida em seu trono, protegida por uma barreira de cristal. Graças a um poderoso feitiço, seu coração ainda pulsa, mas ela não resistirá a menos que uma cura seja encontrada antes que transcorra um ano. Sparhawk parte, então, em uma busca obstinada para salvar sua rainha e seu reino, travando uma luta incessante contra o tempo, as autoridades vigentes e toda sorte de perigos – reais e sobrenaturais.
Fonte: Aleph
Nunca tinha ouvido falar em O trono de diamante nem li a sinopse antes de começar o livro, então não sabia o que esperar. O prólogo não me deixou muito confiante: conta uma história mitológica sobre uma gema com grandes poderes que foi descoberta por um troll-anão e inspirou a ganância alheia – o que me pareceu algo saído do Silmarillion. Porém, para a minha feliz surpresa, o livro se afasta bastante desse tom tolkieniano a partir do capítulo 1. A obra é, na verdade, representante da tradição de “espada e magia”, e a narrativa é rápida, emocionante e muito engraçada, passando-se num universo muito bem pensado.
A narrativa em terceira pessoa segue os passos de Sir Sparhawk, o “campeão de rainha” do reino de Elenia, que volta para casa depois de dez anos de exílio (que fora ordenado pelo pai da rainha, então vivo). Sparhawk descobre que a rainha Ehlana foi acometida por uma doença misteriosa e que foi feito um feitiço para preservá-la dentro de um “casulo” de diamante (o que me surpreendeu apenas porque eu não olhei direito a capa), onde ela ficará suspensa até que se possa achar uma cura. Mas o feitiço tem data de validade, então Sparhawk terá que agir rápido para salvar a vida de sua soberana, a qual não vê desde que ela era criança.
A primeira coisa que chamou minha atenção no universo da obra, Eosia, é que ele é medieval, mas não de um jeito genérico: o foco da construção de mundo é a religião, e as instituições mais importantes são ordens religiosas militantes (algo como os Cruzados). A principal delas (à qual Sparhawk pertence) é a ordem dos cavaleiros pandions, muito semelhante à Igreja católica em termos de organização, hierarquia e até características do deus monoteísta (“o deus eleno todo-poderoso”). Também há religiões desérticas em outro continente, claramente inspiradas nas orientais.
Além disso, é claro, a magia é parte importante do mundo: existem vários deuses, todos reconhecidamente reais, que atuam em diferentes partes de Eosia e são a fonte do poder dos seus adoradores. A raça dos styricos – feiticeiros e bruxas espalhados por diversas regiões – tem seus Deuses Jovens e Deuses Anciães, um dos quais, Azash, é o cara a quem vender a alma se você quiser grandes poderes e não se importar em cometer algumas barbaridades.
Admito que fiquei meio confusa com a quantidade de nomes de ordens militantes, regiões, cidades e pessoas que são lançados sem parar ao leitor, mas aos poucos você vai entendendo o mundo.O autor te mantém preso ao livro por apresentar logo de cara um protagonista bem envolvente: Sparhawk é inteligente, sarcástico e bom no que faz; está atrás de vingança, mas também tem seu lado sensível; respeita a Igreja, mas não é fanaticamente santo. E está cercado por um elenco de personagens secundários ótimos. Entre eles, seus dois amigos mais íntimos – Kurik, seu escudeiro, e Kalten, amigo de infância e também cavaleiro pandion; Vanion, o preceptor dos pandions; Sephrenia, uma styrica que ajuda a ordem deles; Talen, um garoto de rua malandro que ele encontra no caminho; e vários outros. Menção especial para o cavalo de Sparhawk, Faran, que adora morder pessoas e se exibir. Só achei que alguns personagens (antagonistas, em geral) são um pouco exagerados ao ponto de se tornarem meio caricaturados.
A estrutura do livro também me surpreendeu por fugir dos esquemas mais comuns que vemos por aí: não há grandes plot twists nem ciclos de “tentativa e erro”; a história é basicamente uma corrida louca para se anteceder aos planos dos antagonistas e tentar encontrar uma cura para Ehlana. Às vezes me parecia que tudo estava correndo bem demais para os personagens, mas mesmo assim Eddings conseguiu manter meu interesse. Possivelmente porque o ritmo da narrativa é bem rápido: com muitos diálogos, não há grandes introspecções sobre os personagens (embora eles sejam bem caracterizados), mas também – ainda bem! – não há muita enrolação para descrever cenários e deslocamentos (o que é bom, porque Sparhawk percorre um bom caminho neste volume). Há muita intriga política e um pouco de tristeza (fiquei revoltadíssima com uma morte!), mas em geral a obra consegue manter-se engraçada do começo ao fim, devido ao humor ácido de Sparhawk e Cia. Os diálogos às vezes me fizeram rir alto: este é um daqueles livros que te faz querer passar um bom tempo junto aos personagens.
Como a religião é o aspecto mais notável da construção de mundo, é legal ver o autor trabalhá-la de diferentes modos: mostrando conflitos e preconceitos, mas também cooperação e tolerância (a relação da styrica Sephrenia com os pandions é o exemplo mais claro disso). Mas Eddings também mostra como os cavaleiros militantes nem sempre são bastiões de santidade; de fato, a maioria mais se vê como soldado do que como monge. São essas explorações que tornam o seu universo tão verossímil.
Não há muitas mulheres de destaque na obra – a maioria é esposa (ou amante) de personagens masculinos, e assim definidas –, mas Sephrenia é uma personagem fascinante, cuja sabedoria, comentários misteriosos e habilidades mágicas me lembraram um pouco de Moiraine, de A roda do tempo. Uma menina styrica que eles encontram no caminho e que é meio que adotada por Sephrenia também é intrigante, e tenho altas expectativas para Ehlana nos próximos livros.
Porém, ao contrário da série de Jordan, o primeiro livro de Elenium não acaba num grande clímax. A obra toda mantém um nível mais ou menos igual de tensão e não resolve o seu problema central. No entanto, não achei isso um grande problema: aposto que o leitor, como eu, vai terminar o livro com vontade de retornar a Eosia e acompanhar os próximos passos de Sparhawk. Então recomendo para fãs de fantasia que queiram uma leitura rápida e divertida, num universo bem diferente. Aguardemos O cavaleiro de rubi!
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O trono de diamante
Série: Trilogia Elenium
Autor: David Eddings
Tradutor: Marcos Fernando de Barros Lima
Ano de publicação: 1989
Ano desta edição: 2015
408 páginas
Livro cedido em parceria com a Aleph.
Citações preferidas
– A porta dos fundos que dá naquela taverna ainda está aberta?
– Até ontem, estava. Eu apareço por lá de tempos em tempos.
– Suspeitei que sim.
– Um homem precisa de alguns vícios, Sparhawk. Isso lhe dá algo para se arrepender quando ele vai à capela.
*
– Eu começo.
– O quê?
– Com Krager. Eu começo.
– De onde tirou essa ideia?
– Você é meu amigo, Sparhawk. Amigos sempre deixam os seus amigos começarem.
– Isso não vale para você também?
Kalten fez que não com a cabeça.
– Você gosta mais de mim do que eu de você. Claro que isso é natural: eu sou mais amável que você.
Sparhawk o mirou por um longo tempo.
– É pra isso que servem os amigos, Sparhawk – Kalten prosseguiu, lisonjeiro –, para nos apontar nossas pequenas imperfeições.
*
– Talvez a depravação do menino seja compreensível – Dolmant considerou, com tolerância. – Duvido que ele tenha recebido alguma instrução sobre doutrina ou moralidade. […]
– Para falar a verdade, Vossa Graça – Talen discordou –, frequento os ofícios da Igreja regularmente, e sempre presto muita atenção durante os sermões.
– Isso é surpreendente – comentou o patriarca.
– Não necessariamente – Talen objetou. – A maioria dos ladrões vai à igreja. O ofertório nos dá uma série de oportunidades esplêndidas.
Dolmant parecia chocado.
– Veja bem, Vossa Graça – o garoto explicou, com uma espécie de seriedade fingida –, a Igreja distribui o dinheiro entre os pobres, não é mesmo?
– Claro.
– Bem, eu sou pobre, então pego a minha parte conforme a coleta de ofertas vai passando. Poupa a Igreja do trabalho de ir me procurar para me dar dinheiro. Gosto de ajudar sempre que posso.
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