[Resenha] Bordados

Sinopse:

BordadosOs almoços de família na casa da avó de Marjane Satrapi, em Teerã, terminavam sempre com o mesmo ritual – enquanto os homens iam fazer a sesta, as mulheres lavavam a louça. Logo depois começava uma sessão cujo acesso só era permitido a elas – o “bordado”. O “bordado” iraniano seria equivalente ao brasileiríssimo “tricô”, não fosse uma acepção bastante particular – a expressão designa também a cirurgia de reconstituição do hímen, uma decisão pragmática para as mulheres que não abrem mão de ter vida sexual antes do casamento, mas sabem que precisam corresponder às expectativas das forças moralistas do país.

Fonte: Companhia das Letras

Eu já conhecia o trabalho de Satrapi por Persépolis – que por sinal deve ter sido um dos primeiros quadrinhos que li na adolescência (além dos de Conan que pegava dos primos), por recomendação de um professor. Em Bordados o tom autobiográfico se mantém, mas a narrativa é mais suave: aqui a autora é menos didática e mais intimista.

O bordado que observamos é de um grupo de mulheres de idades e experiências bem distintas, mas todas têm em comum vivências afetivas submetidas à estrutura patriarcal, no Irã e fora dele. E essas mulheres não contam apenas as próprias histórias, mas também a de amigas e conhecidas, afinal, “falar dos outros pelas costas é ventilar o coração”.

Para não privar os futuros leitores das pequenas surpresas de cada história compartilhada, vou me ater a impressões gerais. Geralmente quando tratamos da questão de gênero no mundo islâmico, fala-se das mulheres como vítimas passivas e por vezes apáticas. Bordados quebra essa impressão, nos mostrando mulheres cheias de personalidade e conversando sobre questões delicadas com um humor ácido. Algumas das minhas partes favoritas da HQ foram as que Satrapi fala sobre sua avó, que é a anfitriã dessa sessão de bordado.

As personagens relatam situações em que contornaram algumas das imposições, em maioria sexuais/românticas. A reflexão que mais pairou durante a minha leitura foi sobre a virgindade obrigatória para o casamento (que parece sempre compulsório também, e símbolo de realização da identidade feminina), a ponto de mulheres fazerem cirurgias reconstrutoras do hímen.

As mulheres de Bordados fizeram lisonjas e concessões em busca de paz e pequenas realizações: casar-se com um desconhecido para agradar a mãe e ir para o exterior, tolerar um marido infiel para ter um marido, reconfigurar o próprio corpo cirurgicamente para manter a atenção do marido.

Meu tempo de leitura foi o de uma viagem de ônibus na volta para casa – e sou uma leitora que gosta de admirar os detalhes dos quadros. Como os desenhos da autora me cativam pela simplicidade com que transmitem as emoções das personagens, que me fazem imaginar uma espontaneidade nos relatos, ler essa HQ foi como encontrar uma amiga de adolescência no caminho de casa.

*

Bordados
Autora: Marjane Satrapi
Tradutor: Paulo Werneck
Editora: Quadrinhos na Cia.
Ano de publicação: 2003
Ano dessa edição: 2010
136 páginas

 

Citações favoritas

Na época eu tinha umas sobrancelhas enormes, unidas no meio. Assim!

Foi uma tortura arrancar pelo por pelo! Cortaram o meu cabelo, a minha mãe encomendou um vestido e mandou costurar 1200 pérolas nele. Em seguida, me maquiaram, botaram perfume… Tudo para que eu agradasse a um velho!

… No final, fiquei parecendo uma putinha….

*

“Você ainda ama ele?”

“Claro que não!”

“Então por que guardou a foto dele?”

“Não foi a foto dele que eu guardei! Foi a foto do meu casamento…”

*

“Você pode me explicar por que um homem de 41 anos que morou praticamente a vida inteira na Europa, e que é educado, quer se casar com uma garota de 18?”

“Pois é, você não sabe como são as moças ocidentais? Não são mais puras a partir dos 10, 11 anos. Ele é iraniano. Tem certos valores, e para ele a honra é tudo!”

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5 respostas em “[Resenha] Bordados

  1. Este post só me fez ter ainda mais vontade de ler Persépolis e depois ler Bordados. Tenho Persépolis em casa e adio a leitura por ter a impressão de que a história seja um pouco comovente. Abraço! 😉

  2. Pingback: [Semana da Mulher] Marjane Satrapi | Sem Serifa

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