Sinopse:
O brasileiro André Moire deixa tudo para trás para se envolver com um grupo internacional secreto que representa os arcanos do Tarot. Dispostos a elevar a consciência da humanidade e mudar o planeta, eles lançam mão de magia, ciência, arte, técnicas hacker e até mesmo parkour e videogames para enfrentar as forças da conformidade. Conheça o Louco, o Mago, a Sacerdotisa, o Carro, o Sol, a Imperatriz, o Imperador e vários outros arcanos maiores e menores neste thriller conspiratório com toques subversivos e sobrenaturais. Com uma trama sombria e misteriosa que ocorre em locais como Rio de Janeiro, Paris, México, Amazônia, Riviera e Inglaterra, Guerras do Tarot fará você pensar e repensar no que acredita. Comece neste livro a trilhar “o Caminho do Louco”.
Fonte: Livraria Saraiva
Você ajusta o manto sobre o tapete. Acende velas e incensos, com a taça de vinho ao lado. Respira fundo. Embaralha e corta. Tira uma carta, depois outra. Pode dispô-las à sua frente como uma cruz celta ou simplesmente ordenar a consulta em três fileiras que indiquem passado, presente e futuro. Ou você pode ignorar esses conselhos e fazer apenas o que você desejar. A ordem não importa. A inspiração e a diversão, sim, num exercício que é mais de autoconhecimento e investigação existencial do que qualquer outra coisa.
Não, eu não acredito literalmente em tarô, cabala ou qualquer outro sistema esotérico. Mas acredito em seu poder imaginativo e simbólico, como signos imorredouros, como letras mágicas capazes de gerar mudanças, redundâncias, confluências de pessoas, lembranças, saberes. Como sigilos pictóricos de grande potência, eles podem mudar paisagens internas e… se você for persistente o bastante… externas.
Em vista desses interesses, fiquei muito curioso com a série de literatura fantástica Guerras do Tarot, de Alex Mandarino, projeto que parecia reunir todos esses temas e ainda outros. A expectativa aumentou quando a Editora Avec começou a divulgar o livro, com arcanos maiores desenhados por Fred Rubim (que o público brasileiro agora conhece pela graphic novel O coração do cão negro) e pelo design do livro inspirado no RPG Mago: a ascensão assinado por Vítor Coelho, que também assina a capa deste primeiro volume, a partir de ideias da artista plástica Leandra Lambert. Tal expectativa foi compensada com um romance que entregou tudo aquilo que minha curiosidade havia produzido. E confesso que, assim como uma boa baixada de lâminas, entregou até mais.

Arcanos de Fred Rubim
Neste caso, uma história de aventura e suspense envolvendo conspirações governamentais (bem ao gosto de Arquivo X), discussões anarquistas (pra quem adora Os invisíveis) e grandes jornadas mundo afora e alma adentro (como as que encontramos em Na estrada, Preacher e em tantos road movies memoráveis). Juntando todos esses elementos, a trama deste primeiro volume é bem construída e aponta para um universo bem maior e mais complexo, que deve ser detalhado e aprofundado nos próximos volumes da trilogia.
A trama acompanha O caminho do louco apresentado no título. Neste percurso, seguimos o brasileiro André Moire, que deixa uma vida confortável e apática, no mais do mesmo de um cargo jornalístico pouco atraente, para empreender uma aventura ao redor do globo, graças à qual fica conhecendo uma maquiavélica organização que ameaça a própria realidade como a conhecemos. Neste ínterim, vemos Moire descobrindo segredos, acessando revelações e desvendando mistérios, entre eles as identidades dos homens e mulheres que personificam os arcanos maiores e menores, num grande elenco de coadjuvantes que vivem o conflito que intitula a série. Entre eles estão a charmosa escocesa Pat O’Rourke, que faz as vezes da Sacerdotisa, o haitiano François Zantray, o Mago, e o misterioso magnata da Corporação Mann, cuja identidade arcana é revelada na conclusão.

Diagramação de Vítor Coelho com arte de Fred Rubin
Partindo desta trama, havia o perigo de a narrativa resultar desafiadora aos não iniciados ou óbvia aos minimamente interessados em misticismo ou teorias de conspirações. Apesar de poder apenas responder por um desses grupos, acredito que todos os elementos sejam apresentados de forma instigante e envolvente, sendo que a trama de iniciação ao tarô e às simbologias esotéricas aparece de forma orgânica e fluida, nunca maçante ou pretensiosa, os grandes pecados dos seguidores de Dan Brown e outros romances de suspense e conspiração.
Outro risco do projeto como um todo seria o de optar por muitos cenários e por muitos personagens, podendo não dar conta nem de um conjunto de informações nem de outro. Mas em O caminho do louco, as explorações geográficas – psicogeográficas, talvez – funcionam muito bem e as andanças internacionais de Moire fluem com naturalidade, a partir de uma ambientação que contempla tanto o espacial como o linguístico. Por outro lado, as explorações subjetivas e históricas nunca redundam em psicologia simplista nem em longas e entediantes palestras. As palestras, sobre religião, mitologia e segredos arcanos, estão todas lá, mas deliciosamente escritas e eficientemente inseridas ao longo da narrativa.
Quanto à linguagem do livro, Mandarino merece aplausos por passagens específicas – a primeira das citações favoritas abaixo, por exemplo – nas quais a construção e o ritmo do texto apresentam uma cadência musicada, agradável à leitura tanto silenciosa como em voz alta. Eu já suspeitava de uma grande homenagem a Kerouac e ao seu On the road até um dos heróis citá-lo, comprovando o conjunto bem rico de referências presentes na narrativa. Além disso, cada capítulo é iniciado com uma epígrafe que se relaciona irônica ou tematicamente com seu conteúdo.

Diagramação de Vítor Coelho
Há também a corajosa escolha de mesclar narrativas em terceira pessoa – os capítulos sobre o mundo e os demais personagens – com primeira – os capítulos protagonizados por André. Tal variação é executada com maestria, ora fazendo o leitor investigar os pensamentos do herói, ora expandindo o todo da trama em suas idas e vindas transoceânicas. Por fim, há ainda bem-vindas brincadeiras polifônicas – sejam com vozes televisivas sejam com pensamentos de corvos (?!) – que chamam a atenção para o “como” narrar a história, sem nunca nos afastar do que está sendo contado.
Por fim, destaco que em sua meta principal, enquanto “romance de formação mágico”, O caminho do louco é bem contagiante, produzindo a vontade imediata de se “embaralhar” logo as cartas para os próximos volumes da trilogia, O laço do enforcado e A noite do julgamento. Esperamos que Mandarino não demore tanto para nos permitir embarcar mais uma vez em seu rico universo. Para um livro de estreia, sua história apresenta uma coleção de méritos.
Estão prontos para escolher uma carta?
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O caminho do louco
Autor: Alex Mandarino
Editora: AVEC
Ano de publicação: 2016
291 páginas
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Citações favoritas
Olhando para os estreitos caminhos de pedra e terra batida que serpenteiam entre as árvores do Parque Lage, pensei na raça humana. Sentia-me febril, tomado, ansioso por arrancar minha pele mofada e me banhar na chuva gelada da metamorfose, deixar escorrer o que já deveria ter expelido há uma década ou mais. Pensei em mim, pensei no homem. O homem divino, o homem caótico, o homem bioquímico, o homem quântico, o homem milenar. Milagres dentro de milagres, como numa improvável boneca russa de Möbius. Pensei em epifanias sintéticas, em música, em ritmo, no romance em três camadas, nos games de computador. Na magia das imagens se movendo a 24 quadros por segundo. Somente o homem poderia ter criado arte a partir de algo técnico, como a ilusão do cinema, e ido além: extraído diferenças estéticas e éticas dessa mera forma de prestidigitação.
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Nunca deixe a autopiedade estúpida meter a cabeça para fora, este é o segredo. Mas, por outro lado, nunca deixe a autoconfiança exagerada fazer com que more no mato à base de frutas, chás, plantas de poder e meditações-devaneios.
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– Sou o Bagatto, lhe disse. E vim ver como você estava porque, bem, alguém tinha de vir fazer isso. E, por ser o Bagatto, tinha de ser eu.
– Como assim? Por quê?
– Tradição? Ordem natural das coisas? Chame como quiser, mas é assim. Tinha de ser eu, porque… bem, sabe o que eles dizem. Nunca – repito, nunca – invoque o Louco, a não ser que esteja preparado para que qualquer coisa possa acontecer. Eu vim porque estou preparado. Eu sou o Bagatto. O Mago. Você? Você é o Louco.
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– Um grupo de pessoas? – perguntei – Que grupo?
– O Tarot.
– Pessoas arquétipo? – perguntei, meio rindo.
– Pode-se colocar desta forma. Vinte e duas pessoas, cada uma delas representando um dos arcanos maiores, em uma organização – ou desorganização – que remonta sabe-se lá a que período da História. Como lhe disse, eu represento a carta seguinte à sua; o arcano do Mago.
– Mas o que vocês fazem? É uma sociedade secreta, como a maçonaria ou algo assim?
– Não. Nada desse tipo. Não somos secretos, porque de certa forma não existimos. Não há sentido de hierarquia no Tarot: todos os arcanos são importantes, incluindo os Menores.
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Em meio ao ronco de motores, pude escutar sons mais agudos. Guinchos.
Corvos. Diversos corvos começaram a voar por sobre o nosso carro, em rasantes impressionantes. Pelo retrovisor, vi um deles rasgar o rosto de um soldado, fazendo um jipe que ia logo atrás de nós perder o rumo. E então vultos a cavalo surgiram na frente do Venom e, quando passaram pelas laterais, vi que eram motoqueiras. Várias delas.
Pingback: Resenha de O Caminho do Louco no Sem Serifa | Alex Mandarino
Acabei de terminar a leitura, e quero confessar que em certo momentos a leitura deu sono. El alguns momentos a linguagem lembra muito Stephen King, com muitas citações sem sentido. O momento que narra o encontro de André com o xamã e com o cowboy é muito monótono. pensei muitas vezes em largar a leitura. Acho que a proposta da história é ótima, todo esse mistério acaba nos envolvendo. Na expectativa de que a continuação melhore.