[Resenha] A sombra do vento

2093576 (1)Sinopse:

Tudo começa em Barcelona, em 1945. Daniel Sempere está completando 11 anos. Ao ver o filho triste por não conseguir mais se lembrar do rosto da mãe já morta, seu pai lhe dá um presente inesquecível – em uma madrugada fantasmagórica, leva-o a um misterioso lugar no coração do centro histórico da cidade, o Cemitério dos Livros Esquecidos. O lugar é uma biblioteca secreta e labiríntica que funciona como depósito para obras abandonadas pelo mundo, à espera de que alguém as descubra. É lá que Daniel encontra um exemplar de A sombra do vento, do também barcelonês Julián Carax. O livro desperta no jovem e sensível Daniel um enorme fascínio por aquele autor desconhecido e sua obra, que ele descobre ser vasta. Obcecado, Daniel começa então uma busca pelos outros livros de Carax e, para sua surpresa, descobre que alguém vem queimando sistematicamente todos os exemplares de todos os livros que o autor já escreveu.

Fonte: Livraria Cultura

“Ao virar a última página, […] descobriu que tinha os olhos marejados de lágrimas, e que seu coração estava envenenado de inveja e de assombro.” Assim me senti ao terminar A sombra do vento. Alguns autores fazem que você confiar neles de cara, e não me enganei com Zafón: seu universo que me cativou desde a primeira página e ele conseguiu manter meu interesse durante as próximas quatrocentas.

A história é narrada em primeira pessoa por Daniel Sempere, filho de um livreiro de Barcelona nos anos 1940. Aos 10 anos, ele é levado pelo pai a um lugar chamado “Cemitério dos Livros Esquecidos” (que é exatamente o que parece), onde depara com um livro de um tal Julián Carax. O garoto se apaixona pela história, então descobre que Carax é totalmente desconhecido: passa, então, a investigar a identidade e o passado do autor. E se você acha que 400 páginas é demais para isso, não se preocupe: as aventuras detetivescas de Daniel desenterram segredos que remontam à guerra civil espanhola, com reviravoltas e choques folhetinescos dignos de (como alega a quarta capa, verdadeiramente) Alexandre Dumas e Victor Hugo, além de toques de fantasia e do gótico.

Entremeado às investigações, o narrador conta sobre a própria vida, em uma história que começa a apresentar paralelos com a do misterioso Carax. Daniel fala da primeira paixão da infância e do primeiro amor da adolescência, da relação com o pai, e do relacionamento com uma figura cheia de segredos, Fermín Romero de Torres, um morador de rua que ele resgata e que se torna seu melhor amigo. Fermín, diga-se de passagem, provavelmente vai se tornar o personagem preferido de todo mundo. Com falas rebuscadas, cheio dos provérbios, corajoso, leal e compassivo, ele enche o livro de humor e emoção.

Não que falte sentimento na obra: à medida que a vida de Julián vai se desvelando aos olhos do protagonista, o drama aumenta e figuras fortes aparecem na história do escritor, como amigos de adolescência (entre os quais o grande antagonista, o macabro inspetor Javier Fumero, e um dos meus personagens preferidos, Miquel Moliner) e as – bastante trágicas – mulheres de sua vida. Aliás, devo dizer que os romances não me convenceram muito, de forma geral: tudo mundo se apaixona à primeira vista. Tudo muito bem descrito e bonito, mas o autor exagera um pouco nesse recurso.

O livro vai ficando cada vez mais angustiante, especialmente quando passado e presente se unem para causar problemas a Daniel. Este, aliás, é um protagonista sensível, mas tem suas falhas – uma delas reconhecida por ele próprio, embora talvez exagerada, é seu egoísmo. Para mim, um defeito pior é ignorar avisos e ameaças importantes, embora possamos justificar isso pela sua idade.

O ritmo é veloz e impulsiona a leitura, mas ao mesmo tempo as páginas merecem ser saboreadas: a escrita é envolvente, inventiva e cheia de belas metáforas e imagens; os diálogos são um show à parte, especialmente quando aparece Fermín ou outra das figuras pitorescas conhecidas de Daniel (um dos quais, por sinal, é um relojoeiro homossexual retratado com sensibilidade, mesmo que em certas cenas tristes). Há humor, mas muita melancolia; suspense e mistério deliciosos, mas que jamais deixam de priorizar o elemento humano. De tudo, o único aspecto que me incomodou foram os destinos sofridos da maioria das mulheres (especialmente Clara, a paixão de infância de Daniel).

De todo modo, foi uma leitura maravilhosa e encantadora, e coloquei os dois outros livros da série já publicados na lista de leituras: O jogo do anjo (2008), uma prequel, e O prisioneiro do céu (2011), que continua a história de Daniel. Mas fica a nota de que a história deste primeiro volume é fechadinha, e você pode parar por aqui, se quiser. Recomendo muito a fãs de mistérios, romances históricos, ou simplesmente apreciadores de livros: esta é uma obra para amantes daquele ato envolvente e mágico de mergulhar em uma narrativa.

*

A sombra do vento
Série: Cemitério dos Livros Esquecidos
Autor: Carlos Ruiz Zafón
Tradutora: Marcia Ribas
Editora: Suma de Letras
Ano de publicação: 2001
Ano desta edição: 2007
400 páginas

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Citações preferidas

– Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu, e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece.

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– Não existem línguas mortas, mas cérebros letárgicos.

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– Este é um mundo de sombras, Daniel, e a magia é um bem escasso.

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Uma das armadilhas da infância é que não é preciso se entender uma coisa para sentir. Quando a razão é capaz de entender o ocorrido, as feridas no coração já são profundas demais.

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– Este país está uma merda. […] Estou falando da barbárie. Ela vai embora e a gente pensa que está a salvo, mas ela volta sempre, sempre… e nos afoga.

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– Ao contrário do que você acredita de pés juntos, o universo não gira em torno das vontades da sua virilha. Outros fatores influem no devir da humanidade.

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Não existem segundas oportunidades, exceto para o remorso.

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Nada alimenta o esquecimento como uma guerra, Daniel. Todos nos calamos e as pessoas se esforçam para nos convencer de que o que vimos, o que fizemos, o que aprendemos sobre nós mesmos e sobre os demais é uma ilusão, um pesadelo passageiro. As guerras não têm memória e ninguém se atreve a decifrá-las, até não estarem mais vozes para contar o que aconteceu, até que chega o momento em que não as reconhecemos mais e elas retornam, com outra cara e outro nome, para devorar o que restou.

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5 respostas em “[Resenha] A sombra do vento

  1. Zafon é amor! ❤ Eu comecei por O jogo do anjo e agora já li todos dele. Quero muito reler a sério do Cemitério dos Livros Esquecidos quando possível. Fermín Romero de Torres é um dos meus personagens preferidos de todos os tempos! Mas isto que você disse de todo mundo se apaixonar à primeira vista é verdade e é recorrente em todos os livros dele. Na verdade, tem muitos aspectos que se repetem nas obras do Zafón. É como se ele tivesse encontrado uma fórmula que funcionou e não quisesse fugir mais dela. Mesmo assim, adoro o autor! =)

    • Fermín é um mito ❤
      Eu tb não me incomodo tanto com a fórmula, se é bem feita (na verdade, até acho gostoso ler coisas "repetitivas" de vez em quando – adoro Agatha Christie, por exemplo). E a escrita dele é tão gostosa – e as tramas tão bem construídas – que vou relevar esse aspecto dos romances, rs.

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