[Resenha] The King of Elfland’s Daughter

Esta resenha foi feita com base no e-book em inglês do Project Gutenberg. A tradução do trecho foi feita por mim.

elflandSinopse:

O estilo poético e épico de The King of Elfland’s Daughter o tornou um dos romances de fantasia mais amados de todos os tempos, uma obra-prima que influenciou alguns dos maiores escritores de fantasia contemporâneos. A história dolorosa do casamento entre um mortal e uma princesa élfica faz um retrato magistral de um conto de fadas depois do felizes para sempre.

Fonte: Livraria Cultura

 

Algumas décadas antes de Tolkien, Edward Plunkett Dunsany – conhecido como Lord Dunsany – já publicava histórias de fantasia, com elfos, trolls, bruxas e deuses. É claro que o gênero remonta a muito antes, mas Dunsany é um dos primeiros a levá-lo “a sério” em sua época, sendo um precursor das grandes mitologias e obras de fantasia do século XX. Saber disso foi o que me levou a The King of Elfland’s Daughter, de 1924, uma de suas obras mais conhecidas.

A história começa no povoado inglês fictício de Erl, no que depois é revelado ser o século XVI. O Parlamento da cidade diz ao senhor de Erl que quer ser governado por um líder mágico. O senhor então envia seu filho Alveric para a Elfland, uma terra mágica que fica do outro lado da fronteira do crepúsculo, para buscar a princesa de lá, Lirazel, para ser sua noiva. O rapaz, com a ajuda de uma bruxa com um dos melhores nomes que já tive o prazer de ler – Ziroonderell – leva uma espada mágica para a terra perigosa e encontra a princesa. Lirazel acha o humano uma graça e foge com ele; os dois têm um filho em Erl, Orion, que será o governante tão esperado pelos moradores. Mas a princesa de Elfland não se acostuma muito bem à terra e aos costumes dos mortais, e esse conflito vai moldar o resto da trama.

A primeira coisa que você deve saber é que o livro contém muitas descrições (e digo isso como alguém que não acha Tolkien descritivo demais). O livro é em grande parte descrições longas tanto de Erl como de Elfland, e não há muitos diálogos. Mas é preciso dizer que essas descrições são incrivelmente bonitas (coloquei uma delas na parte de citações para vocês terem uma ideia). A magia pula da página em uma prosa bela e delicada, assim como Elfland e suas peculiaridades. A narrativa também repete continuamente algumas “fórmulas”, como acontece na poesia épica – no caso, “as terras que conhecemos”, para se referir a Erl, e “o palácio que só pode ser narrado em canção”, para falar do palácio do rei de Elfland.

Dito isso, se você tiver paciência para se dedicar ao livro, considerando o estilo do narrador em seu contexto, é uma leitura cheia de ideias interessantes – e algumas coisas bem hilárias. Alguns dos meus aspectos e eventos preferidos:

  • As características da Elfland: o tempo não só é diferente do que nas terras dos humanos, como acontece em muitas fantasias, mas não há tempo, porque nada se move (de modo que a própria chegada de Alveric, e o fato de isso ser um evento, cria o tempo na terra mágica). Elfland também está intimamente ligada ao humor dos governantes (tanto o rei como Lirazel); e é dito que lembranças humanas perdidas vão parar lá (um conceito que achei incrível).
  • Há limites à magia, que é realizada por meio de “runas”, que são pronunciadas e limitadas (o rei de Elfland tem apenas três delas). A cena em que Ziroonderell forja a espada de Alveric com runas é especialmente boa.
  • O contraste entre o cristianismo e a magia: Lirazel não compreende os costumes religiosos dos humanos, e vice-versa. O sacerdote do vilarejo abjura todos os seres de Elfland, que não podem ir para o Paraíso; quando realiza o casamento de Lirazel e Alveric, na falta de uma fórmula certa, ele usa ritos sobre uma “sereia que abandonou o mar”. Mais tarde, quando a magia começa a aparecer, os habitantes que tanto queriam um governante mágico ficam temerosos. (Nesse ponto, Ziroonderell – melhor personagem – expulsa-os todos da sua cabana e diz que não vai ajudá-los e que eles lidem com as consequências de seus desejos.)
  • Para nós que vivemos pós-Tolkien e estamos acostumados a ver ecos de sua obra em tudo que é fantasia, é muito legal ler autores não influenciados por ele. Por exemplo, os trolls de Dunsany não têm nada a ver com os trolls que conhecemos: o principal deles, chamado Lurulu (os nomes desse livro são top), sai por aí provocando cachorros e dando cambalhotas, e em certo ponto vai morar com pombos, que o aceitam meio de mau grado.
  • Destaque para a criança escolhe ficar na terra dos humanos e não ir para a Elfland porque a mãe fez um rocambole de geleia naquele dia. Prioridades!
  • A última frase é uma das mais perfeitas que já li. Tipo, nível Eu sou a lenda de frases finais espetaculares.

Achei a primeira metade do livro mais envolvente que a segunda – o ritmo da história ficou bem mais lento no final, depois que Alveric parte em uma missão impossível com um grupo de loucos. As coisas também ficam bizarras em Erl, quando Orion começa a caçar unicórnios em cenas sangrentas e medonhas (o menino corta a cabeça de um unicórnio sem dó nem piedade), e ninguém (nem os personagens, nem a narrativa) jamais o repreendem por isso (!).

É um livro lento que exige algum tempo para a leitura, também porque os capítulos são longos e cada um se fecha sem grandes plot twists (eu lia um ou dois por dia, apenas). Mas recomendo se você se interessa pela história da fantasia; muitos consideram o livro um clássico e há uma boa chance de você encontrar algum autor que admira na lista de gente influenciada por Dunsany. Inclusive há uma edição com introdução do Neil Gaiman, mas, como a obra está em domínio público no Canadá, eu li o e-book gratuito em inglês que você pode pegar no site do Project Gutenberg Canada.

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The King of Elfland’s Daughter
Autor: Lord Dunsany
Editora: Ballantine Books
Ano de publicação: 1924
Ano desta edição/do e-book: 1969/2012

 

Citação preferida

As chamas saltaram de espanto. E o que fora apenas uma fogueira solitária na noite, sem mais mistério do que o que pertence a todas as fogueiras, inflamou-se em algo que andarilhos temiam.

[…] E quando Alveric não podia mais se aproximar do fogo, e a bruxa estava a alguns passos bradando suas runas, as chamas mágicas abrasaram as cinzas até o fim e aquele presságio que ardia na colina apagou-se suavemente, deixando apenas um círculo que brilhava soturno no chão […]. E, plana naquele brilho, toda líquida ainda, jazia a espada.

A bruxa se aproximou dela e removeu os excessos do gume com uma lâmina que tirou da coxa. Então sentou ao seu lado na terra e cantou para ela enquanto esfriava. Não era como as runas que enfureceram as chamas, a canção que ela cantou para a espada: ela, cujas maldições tinham inflamado o fogo até murchar grandes troncos de carvalho, murmurava agora uma melodia como um vento no verão soprando de jardins selvagens que nenhum homem cuidava, sobre vales que foram amados por crianças um dia e agora estavam perdidos a elas exceto em sonhos; uma canção daquelas memórias que espreitam e se escondem nas fronteiras do esquecimento, ora lampejando na lembrança de um momento dourado em anos belos, ora suavemente passando da recordação outra vez para voltar às sombras do esquecimento, e deixando na mente aqueles traços fracos de pezinhos brilhantes que, quando vagamente percebidos por nós, são chamados de arrependimentos. Ela cantou sobre as antigas madrugadas de verão na estação das campânulas: cantou naquele alto campo escuro uma canção que parecia tão cheia de manhãs e tardes, preservadas com todos os seus orvalhos pela sua habilidade mágica originada em dias que tinham sido perdidos, que Alveric se perguntou se cada pequena asa vagante que seu fogo atraíra do ocaso não era o fantasma de algum dia perdido ao homem, convocado pela força de sua canção desde épocas que eram mais belas. E o tempo todo o metal sobrenatural ficou mais firme. O líquido branco endureceu e tornou-se vermelho. O fulgor do vermelho diminuiu. E à medida que esfriou, estreitou-se: pequenas partículas se uniram, pequenas frestas se fecharam: e à medida que se fecharam, prenderam o ar ao seu redor, e com o ar apanharam a runa da bruxa, e a agarraram e guardaram para sempre. E assim ela se tornou uma espada mágica. E há pouca magia nos bosques ingleses, da época das anêmonas à queda das folhas, que não estava na espada. E há pouca magia nas colinas do sul, sobre as quais apenas ovelhas e pastores silenciosos vagam, que a espada não continha também. E havia o aroma de tomilho nela, e a visão de lilás, e o refrão de pássaros que cantam antes da aurora em abril, e o esplendor profundo e orgulhoso dos rododendros, e a graciosidade e o riso dos riachos, e milhas e milhas de florescências. E, quando a espada se tornou negra, estava inteiramente encantada com magia.

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