[Resenha] Para poder viver

parapoderviverSinopse:

Este livro é a história da luta de Yeonmi Park pela vida. O leitor acompanha sua infância no país mais sombrio e repressor do mundo. Em seguida, testemunha sua fuga pungente, aos treze anos, pelo submundo chinês de traficantes e contrabandistas de pessoas. Emociona-se com seu périplo pela China através do deserto de Gobi até a Mongólia, guiada apenas pelas estrelas, em direção à Coreia do Sul. Vibra, ao fim, com seu protagonismo ao redor do mundo como ativista pelos direitos humanos. Antes dos 21 anos, Yeonmi acumulou experiência suficiente para transmitir a todas as gerações de leitores – o que faz nesta obra inesquecível.

Fonte: Companhia das Letras

Para poder viver é a impressionante autobiografia de Yeonmi Park, refugiada norte-coreana, ativista de direitos humanos e porta-voz dos oprimidos de seu país. Yeonmi conta como foi sua infância na ditadura mais opressora do mundo, sua fuga e o longo caminho que teve de percorrer até se tornar uma mulher livre. Cada linha de sua história é absolutamente interessante, e vou adiantando que esta é uma leitura chocante, mas impossível de largar.

Logo no prólogo, ela já deixa claro que essa não é uma história leve, ao dar um flashforward para a noite em que atravessou a fronteira com a China – aos 13 anos, com frio e fome, e ainda se recuperando de uma cirurgia – e viu sua mãe ser estuprada por um atravessador chinês que, na verdade, queria Yeonmi.

Mas esse não foi o primeiro momento horrível na vida da garota. O livro é dividido em três partes, que acompanham sua trajetória – Coreia do Norte, China e Coreia do Sul – e logo na primeira já há relatos de abandono, desnutrição, medo da polícia, vigilância constante de seus vizinhos e nenhuma liberdade individual. É perturbador conhecer os detalhes da vida no país mais isolado no mundo, e Yeonmi expõe tudo de seu ponto de vista peculiar, como alguém que nasceu na ditadura norte-coreana – educada para acreditar que o imperador podia ler a mente de todos –, mas que já viveu o suficiente em países livres para fazer uma crítica ao seu país de origem.

Ela fala sobre todas as formas como o governo sequestra a mente e a identidade dos cidadãos desde a infância, impedindo-os de desenvolver qualquer pensamento crítico e noção de individualidade, mesmo nos assuntos mais simples. Um exemplo impactante é que, ao chegar na Coreia do Sul, tiveram que lhe ensinar como se apresentar para uma turma na escola e até a responder perguntas básicas, mas que para ela não faziam o menor sentido, como qual é sua cor favorita.

Depois que fugi da Coreia do Norte, fiquei surpresa de ouvir que as flores e os brotos verdes da primavera simbolizam a vida e a renovação em outras partes do mundo. Na Coreia do Norte, a primavera é a estação da morte. É o período do ano em que nossos estoques de comida chegam ao fim, e as fazendas não produzem nada para comer porque novas safras acabaram de ser plantadas. É na primavera que mais pessoas morrem de inanição.

A trajetória de sua família também é interessantíssima de acompanhar. A Coreia do Norte tem um sistema de castas e as pessoas podem ser transferidas para castas mais baixas por erros ou crimes cometidos por elas ou por parentes. Foi o que aconteceu com os Park, na geração anterior à de Yeonmi, que já nasceu numa família pobre e teve uma infância difícil, mas repleta de amor, num lar de pessoas unidas e batalhadoras. Em meio às dificuldades da vida sob a ditadura, a garota acha espaço para amar sua origem e sentir falta de algumas coisas simples da Coreia do Norte.

Como o fornecimento de eletricidade era muito raro em nossa vizinhança, sempre que as luzes se acendiam, as pessoas ficavam tão felizes que começavam a cantar, bater palmas e gritar. Acordávamos para comemorar até mesmo no meio da noite. Quando você tem tão pouco, a menor coisa pode fazê-lo feliz – e essa é uma das poucas características da vida na Coreia do Norte das quais eu realmente tenho saudade.

A parte mais impactante da história é, sem dúvida, a vida de Yeonmi na China, onde foi vendida como “esposa” e acabou trabalhando para um traficante de pessoas e ajudando-o a vender outras mulheres ao longo de anos, durante os quais ela se sacrificou para tentar salvar e unir sua família, que se separara na fuga. Além de contar de perto a vida das mulheres vendidas – às vezes por míseros 200 dólares – na China, Yeonmi ainda fala do revoltante fato de que as autoridades escolhem ignorar o problema. Na Coreia do Norte, quando um homem desaparece, sua família é interrogada e até torturada para revelar como ele fugiu. Mas quando uma mulher aparece, o governo faz vista grossa – e na China, elas estão desamparadas, pois a política do governo chinês é de repatriar todos os refugiados norte-coreanos.

Sou muito grata a duas coisas: ao fato de ter nascido na Coreia do Norte e ao de ter escapado da Coreia do Norte. Esses dois eventos me configuraram, e eu não os trocaria por uma vida comum e pacífica.

É simplesmente avassalador conhecer a vida dessa mulher tão jovem, e percebê-la forte e lutando ativamente para mudar o mundo. Após uma vida de provações e isolamento, Yeonmi teve que aprender a se encaixar na sociedade sul-coreana e no século XXI (na Coreia do Norte não existem celebridades, caixas eletrônicos, absorventes descartáveis ou mesmo uma palavra para “liberdade”). E pouco tempo depois de começar sua adaptação, o que ela decidiu fazer foi trabalho humanitário em países pobres – ela se voluntariou para uma missão de alguns meses na Costa Rica – e lutar pelos direitos humanos (um conceito que ela só aprendeu depois de adulta) em sua própria nação. Esse destino impressionante cortou meu coração, e acredito que fez o mesmo por outros leitores livres e privilegiados que, ao longo do relato de Yeonmi, podem, como eu, ter se perguntado: eu aguentaria passar pelo que ela passou? Ao mesmo tempo em que nos choca, Yeonmi inspira ao mostrar sua força para viver e para lutar.

Vou deixar aqui dois vídeos dela saudável, bem nutrida e livre (sem legendas, desculpem!), mas eles não dispensam a leitura dessa história inspiradora e triste.

Para poder viver: a jornada de uma garota norte-coreana para a liberdade
Autora: Yeonmi Park, com Maryanne Vollers
Tradutor: Paulo Geiger
Editora: Companhia das Letras
Ano desta edição: 2016
312 páginas

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4 respostas em “[Resenha] Para poder viver

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