[Resenha] On the Road – Pé Na Estrada

pe-na-estrada-capaSinopse:

Como o gemido lancinante e dolorido de Uivo, de Allen Ginsberg, o brado irreverente e drogado de Almoço Nu, de William Burroughs, ou a lírica emocionada e emocionante de Lawrence Ferlinghetti, On the Road escancarou ao mundo o lado sombrio do sonho americano. A partir da trip de dois jovens – Sal Paradise e Dean Moriarty –, de Paterson, New Jersey, até a costa oeste dos Estados Unidos, atravessando literalmente o país inteiro a partir da lendária Rota 66, Jack Kerouac inaugurou uma nova forma de narrar.

 

Fonte: L&PM Editores

A ideia de abandonar casa, família e amigos para empreender uma grande viagem é antiga. E o apelo, compreensível. Trata-se de testar limites, de buscar o desconhecido, de fugir da zona de conforto. E poucas – pessoas reais ou personagens literárias – estão preparadas para isso. A estrada é um lugar de beleza e poesia, mas também de imensidão e desespero, de solidão intensa e infinda, de partidas e chegadas, encontros e fugas, podendo levar os aventureiros à alegria insondável ou ao puro desalento.

Poucas roupas e poucos trocados. Muitos sonhos e diversos perigos, sejam eles físicos, afetivos ou existenciais. Esta é basicamente a proposta do enredo de Pé na estrada, o romance de Jack Kerouac, originalmente publicado em 1957, que conta a jornada do protagonista Sal Paradise e seu amigo e companheiro, o enérgico e passional Dean Moriarty, percorrendo o interior dos Estados Unidos em rotas nem um pouco planejadas.

Pseudônimos de Kerouac e de seu amigo Neal Cassady, a dupla de aventureiros irá se deparar com diversas personagens femininas – com destaque para a esvoaçante Marylou e a passional Camille –, bem como com vários coadjuvantes que irão volta e meia roubar a cena – ou a página! –, como o músico Walter, o poeta Carlo – outro pseudônimo criado para esconder/mostrar Allen Ginsbourg – e o escritor Old Bull Lee.

Romance sem enredo e de caráter bem episódico, nele o principal são os momentos vividos, sendo que o plano de seu autor não é o bem amarrado enredo de desenvolvimento linear. Se você busca histórias tradicionais, Pé na estrada pode decepcionar. Mas se você busca poesia em prosa, passagens inesquecíveis e frases memoráveis e fluidas como uma peça de blues, não perca tempo e embarque nessa viagem sem fim pelo coração da América do Norte.

 

Mapa das Viagens de Kerouac e Cassady que inspiraram Pé na estrada

Mapa das Viagens de Kerouac e Cassady que inspiraram Pé na estrada

 

A linguagem de Kerouac é fluida, oral e espontânea, muitas vezes parecendo reproduzir a própria fala dos passantes que Paradise encontra, à beira da estrada ou à beira da vida, quando não as ininterruptas notas musicais de Jazz e outros gêneros sonoros que o romance busca reproduzir, além de descrever. Escrita em míticas três semanas, a prosa parece tentar imitar o fôlego humano, numa linguagem que é menos literária ou artificial e mais espontânea e singela. O texto parece transcrever os sons ouvidos por seu narrador e este é sem dúvida um dos grandes acertos do seu criador: produzir uma obra literária que parece não almejar a leitura e sim a recitação.

Falando nessa linguagem desafiadora, grandes são os méritos de Eduardo Bueno, que consegue, em sua tradução, transcriar a urgência, a velocidade, a impulsividade do texto original, no seu falso verniz de espontaneidade. Ademais, trata-se de um escritor/tradutor que tem uma relação afetiva com o texto de Kerouac, o qual marcou uma geração inteira de artistas e poetas da contracultura no século vinte.

A edição da L&PM Pocket não apresenta em sua materialidade nenhum diferencial, marca da editora que promete e entrega uma publicação simples, porém eficiente. Os acostumados a livros requintados, em papel pólen, com fonte, espaçamento e margens maiores, podem estranhar o papel branco e a edição econômica. Porém, neste caso, a edição também acaba comunicando – em sua economia e compressão – a vida desses heróis vagabundos e vagamundos, sem eira ou beira, para quem luxos e requintes não são necessários.

Por outro lado, a edição presenteia o leitor brasileiro com dois paratextos mais que bem-vindos, ambos de autoria do tradutor. No primeiro deles, Bueno detalha a história da obra e sua curiosa trajetória e problemática recepção, quando Kerouac foi chamado de “datilógrafo” em vez de “escritor”. A segunda apresenta aos leitores os desafios e problemas da tradução de um texto desses, especialmente depois da revisão executada por Bueno para esta edição.

Como curiosidade aos cinéfilos, há muito tempo que o romance de Kerouac prometia ganhar uma versão fílmica. Por anos ela foi desenvolvida por Francis Ford Coppola que desejava Johnny Depp como Paradise. Em 2012, finalmente ela foi realizada pelo diretor brasileiro Walter Salles, tendo Garret Hadlund e Sam Riley por protagonistas e um elenco que inclui nomes como Viggo Mortensen, Kirsten Dunst e Kristen Stewart. O filme não capta uma fração da explosão de energia que é o livro, mas consegue registrar com ambíguas delicadeza e violência a vida intensa de homens e mulheres que escolheram a vida e a paixão à comodidade e à conformidade do american way of life da década de 1950.

Kerouac e Cassady e os atores Hadlund e Riley na versão fílmica de Pé na estrada dirigida por Walter Salles

Kerouac e Cassady e os atores Hadlund e Riley na versão fílmica de Pé na estrada dirigida por Walter Salles

Aos que têm espírito aventureiro e formigamentos físicos e existenciais quando o assunto é estrada, viagens e aventuras, será difícil não fechar o livro sem planejar a próxima jornada mundo afora. No meu caso, muito mais que isso, uma vez que a minha edição rabiscada e surrada de Pé na estrada estará comigo num projeto similar: reproduzir no Brasil, do Chuí ao Oiapoque, em 33 dias, a jornada mítica dos heróis de Kerouac! Eis o efeito que a prosa intoxicante e vívida de Pé na estrada tem sob seus leitores. Obrigado a Kerouac e aos milhares de viajantes que nos mostram as razões de, diferente das árvores, não termos nascido com raízes nos pés.

*

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On the Road – Pé na estrada
Autor: Jack Kerouac
Tradutor: Eduardo Bueno
Editora: L&PM Pocket
Ano de publicação: 1957
Ano desta edição? 2012
384 páginas

Citações favoritas:

Mas nessa época eles dançavam pelas ruas como piões frenéticos e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações…

*

Garotas e rapazes da América têm curtido momentos realmente tristes quando estão juntos; a artificialidade os força a se submeterem imediatamente ao sexo, sem os devidos diálogos preliminares. Não me refiro a galanteios – mas sim a um profundo diálogo de almas, porque a vida é sagrada e cada momento é precioso. Ouvi os sons da locomotiva de Denver e Rio Grande uivando no rumo das montanhas. Quis seguir ainda mais longe atrás de minha estrela.

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Rodopiei até ficar tonto, pensei que cairia direto no precipício, como num sonho. Oh, onde está a garota dos meus sonhos? Pensei nisso olhando para todos os lados, como vivia olhando naquele pequeno mundo lá de baixo. E à minha frente se derramava a rústica vastidão, o amplo corpanzil do meu continente americano; em algum lugar, muito longe dali, a louca e deprimida Nova York erguia aos céus sua nuvem de pós e seus vapores cinzentos. Há algo cinzento e sagrado no Leste, enquanto a Califórnia é clara como roupa no varal e tem a mente vazia – pelo menos era assim que eu pensava que era, naquela época.

*

Que sensação é essa, quando você está se afastando das pessoas e elas retrocedem na planície até você ver o espectro delas se dissolvendo? – é o vasto mundo nos engolindo, e é o adeus. Mas nos jogamos em frente, rumo à próxima aventura louca sob o céu.

*

Port Allen – onde o rio é todo chuva e rosas sob uma escuridão nebulosa e insignificante, onde entramos numa estrada sinuosa sob a luminosidade amarelada da neblina, e, de repente, numa volta, vislumbramos o viscoso vulto volátil escoando suas águas soba ponte e cruzamos outra vez a eternidade.

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4 respostas em “[Resenha] On the Road – Pé Na Estrada

  1. Descolei este livro recentemente, ja sabia de sua existência, li ha mais ou menos uns 20 anos ou mais “Uivo” de Allen Ginsberg (1956), “O Sol Tambem se Levanta” de Higminway (1941), que serviu de inspiração tambem pra muita coisa na cultura pop/marginal bem antes do lançamento de Pé na Estrada do Kerouac. A primeira edição aqui no Brasil saiu traduzida pra Português pela 1ª vez em 1984 com outro titulo. Este livro geralmente se encontra esgotado pra vender em livrarias e portais de livros usados!!Prato cheio pra quem curte cultura marginal. “Seja marginal, seja um heroi” – Helio Oiticica.

  2. Livro muito bom, claro que tem partes que deixa leitor revoltado como por exemplo partes onde é homofóbico, racista, o insentivo de drogas sexo.
    Mais é claro que entendo que tem que estar no livro afinal foi trajetória do autor e tem que ser contada na íntegra sem cortes.😉

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