Esta resenha foi feita com base no ebook da Edizioni e/o. A tradução de trechos foi feita por mim.
Sinopse:
A amiga genial é narrado pela personagem Elena Greco e cobre da infância aos 16 anos. As meninas se conhecem em uma vizinhança pobre de Nápoles, na década de 1950. Elena, a menina mais inteligente da turma, tem sua vida transformada quando a família do sapateiro Cerullo chega ao bairro e Raffaella, uma criança magra, mal comportada e selvagem, se torna o centro das atenções. Essa menina, tão diferente de Elena, exerce uma atração irresistível sobre ela.
Fonte: Livraria Cultura
Elena Ferrante tornou-se famosa por seu anonimato: o nome é um pseudônimo, e não se sabe a identidade real da autora que se tornou fenômeno mundial (embora alguns tenham tentado adivinhá-la). De qualquer modo, o mistério só interessou porque suas obras cativaram o público – então deixemos a questão de lado e falemos deste livro, o primeiro da chamada “tetralogia napolitana” e o primeiro de Ferrante que eu leio.
A história é narrada em primeira pessoa por Elena Greco, que no início aparece como uma mulher já com seus sessenta e tantos anos, nos dias de hoje. Quando sua amiga de infância Lila desaparece, Elena decide contar a história de sua vida – uma história na qual Lila está profundamente entrelaçada. Assim começa a narrativa, que neste volume se passa em Nápoles nos anos 50 e conta da infância até a adolescência das personagens.
As duas vivem em um bairro pobre de Nápoles, onde há violência e rixas familiares, assim como em uma época na qual as oportunidades e opções para as mulheres eram poucas. O estudo é uma parte importante da vida das duas – Elena se dá bem na escola, enquanto Lila mostra desde cedo ser uma savant. A menina aprende a ler sozinha e claramente tem uma inteligência acima da média, sendo talentosa no que quer que se dedique. Parte da tragédia do livro é ver como as circunstâncias a afastam de desenvolver suas habilidades, tanto pela situação humilde da família como, principalmente, por ser mulher.
Já a protagonista é uma figura bem mais comum e acessível — uma Watson, enquanto Lila é Holmes. E assim como em muitas histórias de detetive, a narradora tem fascínio por essa sua amiga genial. Mesmo sentindo inveja de Lila às vezes, descreve-a em passagens belíssimas e inspiradas, como algo parecido a uma força da natureza, imprevisível e incompreensível. Elena admira o modo como Lila vê e analisa o mundo e, principalmente, como o coloca em palavras, e teme constantemente que Lila tenha uma vida apartada dela, vivendo uma relação codependente com a garota que às vezes assume tons bastante românticos. Assim, Lila projeta sua sombra sobre toda a narrativa.
A vida de Elena é extremamente comum, mas tornada fascinante pela habilidade da narrativa, que nos dá um exemplo de como envolver o leitor na história. Ferrante mostra de que modo cada evento ocorrido na vida da menina a afetou e por que pequenos incidentes importaram tanto para ela, e o leitor é levado a sentir as dores e temores da personagem. Desde um incidente da infância quando perde sua boneca até os primeiros beijos e namorados, tudo adquire uma importância amplificada.
A narrativa realmente parece uma contação de história oral: dá voltas temporais, indo e voltando para falar de tópicos diferentes e criar a paisagem do bairro e das diversas figuras que o ocupavam, de um jeito tão natural que você quase se esquece do que se estava falando inicialmente, até que a autora volta ao ponto inicial e retoma o fio da meada. Os trechos em que Elena tenta definir seus sentimentos difusos em relação à vida e às pessoas estão entre alguns dos meus preferidos, partindo de abstrações de que a menina-personagem não era capaz, mas que a personagem-narradora consegue destrinchar para nós, compondo uma personalidade complexa e profunda.
O livro faz um retrato vívido da época e do lugar, trazendo questões históricas como as consequências da Segunda Guerra na Itália (vistas, confusamente, pelas meninas, que descobrem aos poucos o significado de palavras como nazismo e socialismo). Mas, acima de tudo, é um livro profundamente feminino — não só porque narrado por uma mulher, mas porque é sobre tornar-se mulher. Se a jornada do herói é uma luta contra elementos externos, já se disse que a jornada da heroína é sobre a busca da identidade. Elena tenta descobrir a sua, uma tarefa dificultada pela presença dominante de Lila em sua vida, que mesmo sem dizer uma palavra influencia as decisões da protagonista. E, claro, o cenário, a pobreza e a sociedade patriarcal em que vive também apresentam obstáculos. Vê-las defrontar-se com eles é triste, mas extremamente real.
Foi uma leitura extremamente envolvente e já estou começando o segundo livro da série. Muito recomendada!
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A amiga genial
Tetralogia Napolitana, volume 1
Autora: Elena Ferrante
Tradutor: Maurício Santana Dias
Editora: Biblioteca Azul
Ano desta edição: 2015
331 páginas
Citações preferidas
Já havia algo que me impedia de abandoná-la. Não a conhecia bem, nunca havíamos conversado, mesmo estando continuamente em competição, na sala de aula e fora. Mas eu sentia confusamente que, se escapasse junto às outras, teria deixado com ela alguma coisa minha que ela nunca mais teria me devolvido.
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Naquela ocasião aprendi uma arte na qual depois me tornei muito boa. Contive o desespero […].
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Havia algo de insustentável nas coisas, nas pessoas, nos prédios, nas ruas, que apenas reinventando tudo como um jogo se tornava aceitável. O essencial, no entanto, era saber jogar, e eu e ela, e apenas eu e ela, sabíamos como fazê-lo.
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“Não me apaixonarei jamais por ninguém e nunca escreverei uma poesia.”
“Não acredito.”
“É verdade.”
“Mas os outros se apaixonarão por você.”
“Pior para eles.”
“Desde um incidente da infância quando perde sua boneca.” Será que todos os livros dela são meio que interligados? Em A filha perdida tem uma criança que perde uma boneca.
Quero ler os outros livros dela!
Beijo,
Brenda
Eita, sério? Tô guardando A filha perdida pra quando terminar essa série. Tá valendo muito a pena, acho que vc ia gostar 😀
Beijos!
AMO quando vocês fazem resenhas dos livros que estou com vontade de ler. Sempre me sinto mais confiante. =)
Ahhh leia, Beatrice ❤ e que bom que nossas opiniões tem tanto peso hahaha
Parece ser muito bommm, quero muito ler
http://www.garotascompoder.wordpress.com
É mesmo, obrigada pelo comentário 🙂
Olá! Mais uma resenha instigante que leio sobre o primeiro livro desta tetralogia. Todos gostaram, é quase unanimidade. Vi uma única pessoa que não gostou, achou o livro parado e sem motivos. Abraço!
Oi, Maria! Eu entendo por que alguém acharia parado, o livro descreve coisas bem cotidianas e é longo, mas achei a narrativa tão envolvente que não me pareceu chato, entende? Se você ler, me fala o que achou!
Obrigada pela visita =)
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“Elena, a menina mais inteligente da turma, tem sua vida transformada quando a família do sapateiro Cerullo chega ao bairro…” Não é bem isso, segundo a narradora (Elena) a menina mais inteligente do bairro é a Lina. Ela enfatiza tanto no livro que é justamente o título do primeiro volume. Além disso, a família Cerullo sempre morou no bairro, mas a amizade delas começou com o episódio da boneca.
Oi, Juliana. Essa sinopse foi tirada da Livraria Cultura, não foi escrita por mim. De todo modo, é claro que Lina é a menina mais inteligente do bairro, mas até descobrir isso, Elena acredita que ela é a melhor aluna da sala. Além disso, o título do primeiro volume faz referência a uma fala de Lina sobre Elena.