[Resenha] História do novo sobrenome

Esta resenha foi feita com base no ebook da Edizioni e/o e contém spoilers do primeiro livro da série, A amiga genial. A tradução de trechos foi feita por mim.

sobrenomeSinopse:

Neste segundo romance da chamada série napolitana, veremos suas duas protagonistas, Lila e Elena, crescerem, e com elas todas as dores e as delícias de sua juventude em meio a um mundo repleto de caminhos que se abrem enquanto portas se fecham – se a sabedoria, o crescimento e o amor são possibilidades, eles ocorrem em um cenário limitado por uma disposição social por vezes cruel. Neste maravilhoso romance de formação de duas meninas, certamente o leitor vai se surpreender ainda mais com as possibilidades do universo de Elena Ferrante – esse mundo árido, tenso, delicado, profundo e, sobretudo, humano.

Fonte: Livraria Cultura

Se o final de A amiga genial é o momento exato em que Lila percebe que Stefano não era o homem que imaginava, o título deste segundo livro já indica a centralidade do seu casamento na história. E, de fato, Lila parece ocupar as páginas ainda mais que no volume anterior, tanto porque sua história fica mais complicada que a de Elena como porque continua exercendo uma influência dominadora na vida da narradora, mesmo quando não estão juntas. Também ajuda o fato de que Lila dá a Elena vários cadernos com seus pensamentos mais secretos, que a narradora lê, ignorando a recomendação da amiga (sem nem hesitar!), e utiliza para reconstruir esse período da vida da outra.

Em História do novo sobrenome vemos a amizade entre as duas – que desde sempre tivera suas tensões – chegar a um ponto crítico. Enquanto Lila descobre que despreza o marido por seus acordos com os irmãos Solara e tem um começo conturbado da vida a dois (que envolve conflitos com as famílias de ambos, em especial com a cunhada), Elena ainda sonha com Nino Sarratore, embora namore Antonio.

A situação amorosa das duas se entrelaça e complica quando ambas, junto com Pinuccia, vão passar uma temporada na praia e encontram ninguém menos que Nino. Assim começa um trecho da história que me pareceu particularmente arrastado, embora isso talvez se deva ao fato de que não suporto Nino – o que é impressionante, pois a narrativa é feita por Elena. Mesmo sendo apaixonada por ele, a narradora consegue – sem dúvida propositalmente, já que está escrevendo muitos anos depois – transmitir a personalidade intragável do rapaz, mesmo enquanto narra sua paixão por ele.

Este é um livro mais brutal que o anterior. Com a chegada da vida adulta, o grupo de crianças e adolescentes que acompanhamos no livro anterior se vê enfrentando não só casamento e filhos, mas também o eterno conflito financeiro, concentrado nos negócios do bairro, dominados pelos Solara. A questão da pobreza e do status social continua importante à medida que Elena busca um lugar para si, onde se sinta à vontade de um modo que não fica com as pessoas do bairro, os amigos de infância. Ao mesmo tempo que se sente mais confortável entre pessoas com estudo, essa busca deixa clara para a garota a sua (aparente) inferioridade, uma vez que não consegue se esquecer de sua origem e se sente frequentemente ansiosa em outros círculos sociais – embora, como podemos intuir pela narrativa, os outros a considerem brilhante.

Mesmo assim, as oportunidades que consegue nesse volume estão muito além das de Lila. A vida desta dá uma guinada para baixo, e é angustiante presenciar essa jovem brilhante ser dominada e abusada física e emocionalmente pelo marido, além de se diminuir para satisfazer às fragilidades de outros homens – e não ver nada de errado com isso, assim como Elena também não se incomoda em adequar-se à insegurança de Nino quanto à sua inteligência. Ferrante faz um retrato brutal mas extremamente real das pressões que cercam a vida das mulheres, não só na década de 1960, mas hoje, quando comportamentos como esses ainda são tão comuns. Também cresce a angústia das garotas quanto ao futuro. Vendo as mulheres do bairro, não tão mais velhas que elas próprias, e seus corpos maltratados pelas exigências do trabalho cotidiano e dos partos que tiveram, elas se dão conta do que lhes espera.

Elena continua uma pessoa insegura, que ainda não consegue apartar suas realizações da figura de Lila (tanto por comparar-se a esta, considerando-se menos brilhante, como pelo fato de atribuir seus sucessos à influência de Lila). Sua necessidade de ter as mesmas experiências que a amiga, numa eterna competição, atinge níveis cada vez mais críticos neste livro, e vemos a narradora se apagando de tal forma que se resigna a abandonar suas vontades e desejos, incapaz de contrapor-se à presença dominadora de Lila.

História do novo sobrenome é uma continuação com toda a força do primeiro volume da série, com uma narrativa tão envolvente que nos faz esquecer do mundo enquanto lemos, e personagens tão reais– e falhos – que pulam das páginas. Mal posso esperar para começar o terceiro!

 

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COMENTÁRIOS COM SPOILERS:

  • Lá se foi minha teoria de que Lila era lésbica. Mas sério, Nino? Sabe aquele personagem que você revira os olhos cada vez que abre a boca e reza pra só desaparecer? Nino Sarratore. E a Lila vai se apaixonar por esse cara? Quando estava lendo o final do livro, tinha certeza de que era ele que ia ressurgir das cinzas pra me encher o saco. Pior que ele só o pai.
  • Stefano também é cada vez mais detestável.
  • Enzo é o melhor homem dessa série. De longe.
  • Mil páginas da Elena enrolando pra terminar com o Antonio e ele vai lá e termina com ela primeiro! Eu ri.
  • Lembrem-se de nunca deixar nada importante com a Lenu que ela vai jogar no rio, galera! Pior amiga.
  • Gostei bastante da trama secundária da Pinuccia se apaixonando por outro cara, e ver como ela e Lila lidam com isso cada uma do seu jeito.
  • Adorei que a Elena escreveu um livro (e adorei ainda mais que ela respeita a intervenção dos editores).
  • Pietro tem potencial pra ser outro ómi odioso. Aguardemos.

*

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História do novo sobrenome
Tetralogia napolitana, volume 2
Autora: Elena Ferrante
Tradutor: Maurício Santana Dias
Editora: Biblioteca Azul
Ano desta edição: 2016
470 páginas

 

Citações preferidas

Se nada podia nos salvar, nem o dinheiro, nem um corpo masculino, nem o estudo, era melhor destruir tudo de uma vez. Cresceu-me no peito a raiva dela, uma força minha e não minha que me encheu do prazer de me perder. Desejei que aquela força me dominasse. Mas percebi que também estava assustada. Só então entendi que sei ficar silenciosamente infeliz apenas porque sou incapaz de reações violentas, que as temo, que prefiro ficar imóvel cultivando o rancor. Lila não.

*

É culpa de Lila, eu pensava, se enveredei por esta estrada, devo esquecer-me dela também: Lila sempre soube o que queria e conseguiu; eu não quero nada, eu sou feita de nada.

*

A noite, o quarto, a cama, os beijos dele, as suas mãos sobre o corpo dela, cada sensação, era tudo absorvido por um único sentimento: ela odiava Stefano Carracci, odiava a sua força, odiava o seu peso sobre ela, odiava o seu nome e sobrenome.

*

Havíamos crescido pensando que um desconhecido não devia nem nos ralar, mas que o pai, o namorado e o marido podiam nos bater quando quisessem – por amor, para nos educar, para nos reeducar.

*

“Você precisa tentar ficar calma.”

“Me ajude.”

“Como?”

“Fique ao meu lado.”

*

Entendi de repente por que não havia conseguido Nino […]. Não era capaz de entregar-me a sentimentos reais. Não sabia ser arrastada além dos limites. Não possuía aquela potência emotiva que havia levado Lila a fazer de tudo para aproveitar aquele dia e aquela noite. Eu ficava para trás, aguardando.

*

Dizia a mim mesma todo dia: sou aquilo que sou e não posso fazer outra coisa além de me aceitar; nasci assim, nesta cidade, com este dialeto, sem dinheiro; darei aquilo que posso dar, tomarei aquilo que posso tomar, suportarei aquilo que devo suportar.

*

“Você era destinada a coisas grandes.”

“E as fiz: casei e tive um filho.”

“Disso todos são capazes.”

“Eu sou como todos.”

“Está enganada.”

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2 respostas em “[Resenha] História do novo sobrenome

  1. Pingback: [Especial] Livros favoritos de 2017 + lista de leituras do ano | Sem Serifa

  2. Enzo com certeza é o melhor homem dessa série!
    É impressionante como todos os homens são detestáveis. Mesmo os bons são tão absurdamente falhos, é desesperador essa falta de ter pra onde correr

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