Esta resenha foi feita com base no e-book em inglês da Harper Collins. Todas as traduções de trechos foram feitas por mim.
Sinopse:
Henry “Monty” Montague não se importa que suas paixões estejam longe de ser adequadas para o cavalheiro que ele nasceu para ser. Mas quando Monty embarca em sua grande turnê da Europa, suas buscas por prazer e vício podem estar chegando ao fim. Não só seu pai espera que ele assuma a propriedade da família quando voltar, como Monty também está escondendo uma queda impossível por seu melhor amigo e companheiro de viagem, Percy.
Monty jura tornar essa viagem de um ano uma última celebração hedonista e flertar com Percy de Paris a Roma. Mas, quando uma de suas decisões imprudentes transforma a viagem em uma perseguição angustiante, tudo que ele sabe é colocado em questão, incluindo seu relacionamento com o rapaz que adora.
Fonte: Kobo
Por acaso deparei com uma sinopse desse livro informando que era um romance com um protagonista bissexual que tem um crush no melhor amigo e está fazendo uma turnê na Europa do século XVIII, e minhas mãos se moveram automaticamente para a página da Kobo e compraram sozinhas o livro. (Sim, é fácil me convencer.)
Esta leitura adorável é um young adult histórico (e deveria haver mais deles!) narrado em primeira pessoa por Henry Montague, vulgo Monty, um jovem nobre que passa seus dias bebendo, apostando e correndo atrás de damas e cavalheiros, para a desaprovação do pai – ainda mais depois que o impulsivo Monty é expulso da escola em circunstâncias escandalosas. Ele convence o pai a deixá-lo fazer uma turnê pela Europa (hábito comum para jovens ricos, especialmente ingleses, nos séculos XVIII e XIX), antes de voltar para casa e assumir seu papel como herdeiro.
Ele será acompanhado por seu melhor amigo Percy – filho de um nobre inglês e uma mulher das Barbados, o que o torna basicamente negro para a nobreza inglesa – e a irmã Felicity – que se interessa muito mais por medicina do que pelos papéis que a sociedade espera que ela assuma. Henry só quer aproveitar o ano à sua frente antes de se ver acorrentado por suas obrigações e sob o jugo do pai violento. Sua meta é passar o período perto de Percy, antes que este vá estudar no exterior sem jamais saber que o amigo está apaixonado por ele.
Falar que eu amei esses personagens é pouco, uma vez que já estou sofrendo por ter terminado o livro e estar sem eles. Em algum lugar, alguém está chorando sobre o “politicamente correto” que fez a autora criar todos eles tão diversos. Acontece que eles poderiam muito bem ter existido nessa época e lugar, e a obra se torna infinitamente mais instigante por ser povoado por essas pessoas que vão contra o que a sociedade da época dizia ser aceitável.
O livro não se furta a abordar esses problemas – pelo contrário, os conflitos dos personagens estão intimamente relacionados com suas identidades e desejos. Henry luta para controlar seus impulsos românticos e sexuais, enquanto a sociedade (e sua própria família) reage a seus comportamentos desviantes da norma. Percy é vítima de comentários e ações racistas o tempo todo (e entra em conflitos com Monty quando este não entende bem por que certas coisas o magoam). Monty e a irmã também brigam várias vezes, um não compreendendo os dilemas do outro, num relacionamento de irmãos que é divertido, fofo e bem verdadeiro.
A discussão de sexualidade também é coerente com o período. Os termos que usamos hoje não existiam, claro, e Felicity, por exemplo, fica bem confusa com o fato de o irmão gostar de mulheres e homens (mas a gente perdoa, porque tem gente no século XXI que também não entende). Inclusive, gosto que o livro não “emburrece” os personagens só porque são de outro período – em todas as épocas havia pessoas que pensavam independentemente e/ou à frente do senso comum. Não quero dar spoilers, mas o livro também aborda uma doença que era imensamente mal compreendida à época e expõe o fato de que nem todo mundo estava disposto a abandonar seus entes queridos por isso.
Tudo isso faz a história parecer bem séria, mas a trama é divertidíssima e primeiramente uma aventura e um romance. Os planos de turnê europeia dão errado quando Monty faz algo imprudente, e os três acabando se metendo numa missão que envolve nada menos que: piratas, bandidos, alquimia, prisões, ilhas em risco de afundar e muito mais.
Apesar dos defeitos e dos erros que cometem, os três personagens principais são imensamente simpáticos. Sarcástico e autodepreciativo, Monty é egoísta e autocentrado às vezes, mas uma boa pessoa, que assume seus erros, admite seus medos e tem um desenvolvimento incrível e satisfatório ao longo do livro. Percy e Felicity não têm um arco tão dramático quanto o ele, mas também chegam a um lugar bem diferente ao final do livro. Os relacionamentos dos dois com Monty também passa por dificuldades, e é legal vê-los tratar com isso.
A escrita é deliciosa, e se eu não tivesse que parar para viver a vida, não teria largado o livro desde que o peguei. As descrições não são excessivas e evocam os lugares habilmente (os três passam por uma das minhas cidades preferidas no mundo e eu amei cada segundo), com alguns trechos de introspecção lindos, especialmente quando Henry pensa sobre o amor.
Há um aspecto da trama que lida com alquimia e pode ser um tanto fantasioso (mas não chega a tornar a obra uma fantasia – fica a critério do leitor acreditar ou não). Também achei que em certo momento os personagens admitiram seus sentimentos um pouco rápido demais, considerando que passaram o livro todo tentando negá-los, mas… ah, é tão fofo, deixa pra lá. Eles são fofos demais, cara! “Friends to lovers” é uma trama comum em romances (e que eu sempre adoro) e a autora consegue passar a sensação de que essas duas pessoas gostam muito uma da outra (uma cena de flashback em especial me matou de tão linda) e dar a ideia de que a relação evoluiu para outra coisa. Ah, vale dizer que o livro não chega a ficar explícito (se isso é vantagem ou desvantagem, vocês decidem).
Em certo momento, ao chegar em Veneza, Monty diz que se apaixona “imediata e apaixonadamente” pela cidade, e foi assim que me senti em relação a este livro (na verdade, em relação a Veneza também). Espero que faça um tremendo sucesso e que alguma editora o traga para o Brasil, mas por enquanto, fica a recomendação forte a quem lê em inglês!
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O guia do cavalheiro para o vício e a virtude
Autora: Mackenzi Lee
Tradução: Mariana Kohnert
Editora: Galera Record
Ano de publicação: 2017
434 páginas
Citações preferidas
Eu sempre partilhei da ideia de que a sutileza é uma perda de tempo. A fortuna favorece o flerte.
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Algumas pessoas na plateia vaiam. Percy bate o ombro no meu quando me junto a elas.
“Pare com isso.”
“Ele merece.”
“Por quê? Coitado, é só um poeta.”
“Mais motivo é necessário?”
*
“Sei que você acha que está sendo solícito quando diz coisas assim e quando me defende, e eu aprecio, de verdade, mas por favor, não faça isso. Não preciso que você me defenda – posso fazer isso.”
“Mas não faz!”
“Tem razão, às vezes não faço, porque não sou o filho de pele clara de um conde então não posso me dar ao luxo de retrucar a alguém que fala mal de mim. Mas não preciso que você me salve.”
*
É impossível explicar como você pode amar tanto alguém que é difícil estar perto dele.
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Então me ocorre que talvez embebedar a minha irmãzinha e explicar a ela por que durmo com rapazes não é a coisa mais responsável da minha parte.
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