[Resenha] Nicolau e Alexandra

nicholasandSinopse:

Nicolau e Alexandra é a biografia cruzada do czar Nicolau II e de sua esposa Alexandra de Hesse, últimos soberanos da dinastia Romanov, que governou a Rússia durante três séculos. Robert K. Massie mostra que a influência sobre a imperatriz do místico siberiano Gregório Rasputin, chamado para salvar o herdeiro do casal, hemofílico, associada à inabilidade política do czar e à crescente crise política internacional causada pelo início da Primeira Guerra Mundial foram determinantes para a derrocada do último grande império do mundo.

Fonte: Livraria Cultura

Ah, Rússia. Ser fã de sua cultura e história é um caminho sem volta e sem fim. Quanto mais você lê sobre o assunto, mais se embrenha no passado fascinante desse país singular, repleto de figuras históricas mais peculiares do que as conjuradas por qualquer romancista.

Nesse sentido, Robert K. Massie é meu autor preferido. Suas duas outras biografias sobre czares russos — a de Pedro, o Grande (que ganhou o Pulitzer em 1981) e de Catarina, a Grande (2011) — estão entre meus livros preferidos sobre o assunto. Demorei tanto tempo para pegar esta biografia porque suspeitei (com razão) de que seria uma leitura difícil. Pois, enquanto as duas outras obras falam dos maiores czares russos, que moldaram e fortaleceram o império, Nicolau e Alexandra é a história da queda da dinastia Romanov — e do massacre de uma família. É, no entanto, o primeiro livro de Massie. Escrito em 1967, foi inspirado por uma questão pessoal: seu filho, assim como o czarevich Alexei, herdeiro do trono, sofria de hemofilia. A doença do czarevich, como Massie demonstrará ao longo da obra, foi determinante na queda da monarquia.

A obra é uma biografia “dupla”: do czar Nicolau II e de sua esposa Alexandra. Retrata, acima de tudo, o drama íntimo do casal, que se amava profundamente e teve mais de vinte anos de um casamento feliz, embora envolvidos em um período conturbado. Ao mesmo tempo, Massie pinta um retrato da situação política desde o início do século e apresenta muitos outros personagens, como Lênin, Kerensky (líder do Governo Provisório que se estabeleceu depois da revolução de março) e, claro, Rasputin.

Este é uma figura central da história. Um camponês desconhecido, Rasputin era um místico e suposto santo que entrou na vida da família imperial pois era o único que conseguia ajudar o czarevich com suas crises de hemofilia, salvando a vida do menino mais de uma vez (ainda se debate como, e o autor apresenta algumas teorias). Isso convenceu Alexandra de que ele era realmente abençoado, e a influência do homem sobre ela (e, por consequência, sobre o governo imperial) foi um dos fatores centrais da queda da monarquia.

Você que conhece Rasputin como o vilão feiticeiro do filme Anastasia (1997) talvez goste de saber que o personagem real faz a versão do filme parecer um cara bacana. Manipulando Alexandra com o bem-estar da família, ele escondia da imperatriz seus hábitos devassos, influenciava decisões de guerra e nomeou e demitiu ministros a seu bel-prazer até causar um colapso do governo. Não só isso, mas, como a doença do czarevich era escondida do público, a associação de Alexandra com o monge criou o rumor amplamente disseminado de que ela seria amante dele — citado até na icônica canção “Rasputin” dos anos 70 (que, fora isso, é bem precisa: Rasputin realmente tinha muitas amantes). A história do assassinato prolongado do místico (que teria sobrevivido a um envenenamento e um tiro antes de fugir, levar mais alguns tiros, finalmente cair e ser lançado num rio) é contada por Massie conforme relatada pelos assassinos, no entanto provavelmente não foi tão lendária. Mesmo assim, a vida e a morte de Rasputin continuam envoltas em mistério até hoje, fazendo dele uma das figuras históricas mais horríveis e fascinantes de todos os tempos.

Massie faz um retrato bastante equilibrado dos biografados. Embora seja simpático em relação à família imperial — e seria difícil não ser, considerando que investigou sua vida íntima —, o autor não mascara os erros cometidos pelo monarca e por sua esposa, nem as consequências deles. Nicolau e Alexandra eram ambos patriotas fervorosos, pessoas compassivas e gentis e, especialmente no caso dela, altamente religiosas. No entanto, cresceram num ambiente aristocrático e apartado da realidade da maioria esmagadora dos seus súditos. Acreditavam piamente no direito divino dos reis, de modo que Nicolau rejeitava ao máximo abrir o governo para representatividade popular pois temia não passar a monarquia intacta ao filho e herdeiro. No contexto de uma guerra devastadora que ceifou mais de 1 milhão de vidas, com o governo estava desmantelado por culpa de um pseudossanto que se imiscuiu na vida pessoal da família, e de governantes que não reconheciam a necessidade de mudança para sobreviver, o czarismo estava fadado.

A vida da família era outra questão. Massie faz um panorama das revoluções de março e de outubro, e demonstra que houve tentativas de preservar os imperiais e até de resgatá-los, por diversos membros do governo. Mas então traça os caminhos tortuosos da política interna e externa que levaram ao massacre dos Romanov em Ekaterinburg, depois que a Inglaterra negou asilo à família e que seus apoiadores na Rússia não conseguiram articular um resgate, por motivos diversos (que incluíram, acredite se quiser, o genro de Rasputin!). Assim, numa noite de 1918, o czar, a imperatriz, suas quatro filhas e o czarevich foram fuzilados e baionetados até a morte, seus corpos queimados e escondidos por décadas.

Embora o livro seja da década de 60 — portanto anterior à descoberta das ossadas remanescentes da família em 1991 e 2007 — ainda é referência sobre o assunto. Como todos os livros de Massie, é uma leitura envolvente que recria as figuras e o período com uma vivacidade impressionante. A única lacuna é que se foca mais no casal e em Alexei, não dando muito espaço às grã-duquesas. Apesar disso, consegue nos fazer simpatizar com toda a família, que, não fossem governantes de um dos maiores impérios do mundo, teriam tido um destino e um legado mais clemente.

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Nicolau e Alexandra
Autor: Robert K. Massie
Tradutora: Angela Lobo de Andrade
Editora: Rocco
Ano de publicação: 2014
608 páginas

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