Sinopse:
LoveStar, o enigmático e obsessivo fundador das Corporações LoveStar, desvendou o segredo para transmitir informações em frequências emitidas por pássaros, finalmente libertando a humanidade de dispositivos e cabos, e permitindo que o consumismo, tecnologia e ciência tomem conta de todos os aspectos da vida diária.
Fonte: Morro Branco
A frase “Isso é muito Black Mirror” poderia ser substituída por “Isso é muito LoveStar”. Era isso o que prometia a divulgação feita pela editora Morro Branco, que estava certíssima. LoveStar é uma distopia em que o mundo é dominado por uma grande empresa (chamada LoveStar), cuja divisão de marketing controla a vida e o consumo das pessoas. Seu fundador descobriu o segredo da comunicação usada por pássaros para controlar voos migratórios (uma comunicação por ondas), e a transformou em uma tecnologia para criar o “homem moderno sem fio”: as pessoas não precisam mais de fios ou de dispositivos para receber e enviar comunicações.
O resultado disso é uma sociedade esquisita e frenética em que tudo é repleto de publicidade. Se um indivíduo fica endividado, a LoveStar assume sua dívida e, em troca, pode utilizar o centro de fala de seu cérebro para fazê-lo gritar anúncios por aí. Esse é só um exemplo das ideias presentes em LoveStar, mas o livro tem uma quantidade absurda delas. A sociedade imaginada por Magnason tem tantos aspectos peculiares e tantas formas de controlar a vida das pessoas, que poderia ter resultado em uma coletânea de histórias (como Black Mirror), mas o autor fez um trabalho muito bom amarrando as partes para manter o romance coeso e interessante.
A trama do livro demora um pouco para ser apresentada – mas isso não é um problema porque, reforço aqui, a descrição do mundo é fascinante. Ao finalmente engrenar, o livro conta a história de Indridi e Sigrid, um casal apaixonado que não se desgruda por nada no mundo. A felicidade dos dois parece inabalável, até que um acontecimento inescapável acaba com a sua união. Para ficar juntos, eles precisam enfrentar o sistema e resistir às infinitas formas de controle individual utilizadas pela LoveStar. Em capítulos alternados, a narrativa também segue a história pessoal do fundador da empresa, um homem que tem o mundo em suas mãos, mas que está passando por uma crise emocional e se questiona sobre as próprias ações e o que elas fizeram com ele e com o mundo. O autor varia pontos de vista e tempos narrativos, recorrendo a flashbacks e digressões para apresentar a história dos personagens e amarrar diversas subtramas.
LoveStar é uma distopia bizarramente contemporânea. Apesar de usar elementos de obras clássicas, como Admirável mundo novo e Nós, e de ter como combustível aquele tradicional deslumbre pela ciência e suas possibilidades, Magnason traz ideias bastante novas. Tudo o que ele imaginou nesse livro já se tornou realidade, ou é bastante factível. O autor escreve sobre grandes empresas roubando nossas informações para direcionar ações de marketing específicas, sobre um mundo onde a individualidade não tem valor e foi substituída pelo conceito de público-alvo, e sobre influenciadores recebendo produtos e serviços em troca de convencer outras pessoas a usá-los. Fiquei impressionadíssima quando descobri que esse livro foi escrito em 2002, quando o autor ainda usava internet discada.
Magnason também mistura elementos de mitologia, contos de fadas e ambientalismo em sua ficção científica. Juntando tudo isso, ele conta uma história com muitos temas, com destaque para o livre arbítrio. A LoveStar controla a vida de cada indivíduo do mundo, desde o nascimento até a morte, incluindo aspectos como o amor e a fé. O próprio fundador da empresa se sente dominado por suas ideias – ele tem uma teoria de que ideias são incontroláveis e, uma vez que uma ideia toma conta de uma pessoa, é inútil resistir a colocá-la em prática. Mais de uma vez ao longo da trama, personagens são levados à ação pelo pensamento de que “se eu não fizer isto, outra pessoa o fará”. Em contraste, outros trechos retratam personagens que, assolados pelos arrependimentos do passado e pelo medo do futuro, desenvolvem um medo patológico de fazer qualquer tipo de ação. Assim, o leitor é constantemente provocado a pensar sobre quanta liberdade individual é possível ter no mundo contemporâneo.
Ambientada na Islândia, país natal do escritor, a narrativa faz diversas referências a locais do país, mas nenhuma delas dificulta a vida do leitor que, assim como eu, não saiba quase nada sobre a Islândia. Pelo contrário, os nomes esquisitos e a visão de mundo de um autor islandês trazem um ar exótico, além de um frescor para quem está acostumado a ler principalmente obras vindas de EUA e Inglaterra.
Ao falar de LoveStar, o mais difícil é ser sucinto. A enxurrada de ideias de Magnason deixa a cabeça do leitor a mil, e a minha vontade é de contar o livro inteirinho em detalhes – cada um deles mais absurdo, e ao mesmo tempo mais fascinante que o anterior. Como ninguém gosta de spoilers (nem dos meus longos e empolgados monólogos), o que posso fazer é recomendar fortemente essa leitura para todos os fãs de ficção científica e, mais uma vez, de Black Mirror. Se está procurando uma história com bastante tecnologia, que vai te deixar perturbado e desconfiado, você encontrou.
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LoveStar
Autor: Andri Snaer Magnason
Tradutor: Fábio Fernandes
Editora: Morro Branco
Ano de publicação: 2002
Ano desta edição: 2018
336 páginas
Livro cedido em parceria com a editora Morro Branco.
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Citações favoritas:
As pessoas ficavam eternamente esmagadas no presente, pelo peso do futuro, por cima da pressão do passado, e as coisas não melhoravam nada. As escolhas se multiplicavam e o arrependimento aumentava em relação direta até que as pessoas não conseguiam mais se mover e se embaraçavam numa rede invisível.
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Amor, Deus, flores, pássaros, borboletas e abelhas. Tudo tem substância. O sobrenatural não existe. Sempre encontramos tudo o que procuramos. Em cada canto do mundo as pessoas, seja qual for o motivo, fazem orações. As preces devem ter um destino. Isso não é mais louco que o amor, é?
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