[Resenha] Kings of the Wyld

kingswyldSinopse: Os chamados Kings of the Wyld costumavam ser o maior bando mercenário do mundo, mas, agora que o mundo dos bandos mudou, seu nome passa totalmente batido. A glória dos bandos já não é forjada por vidas em perigo – na era moderna dos mercenários, ela é obtida em combates estruturados em arenas.

Fonte: Amazon, traduzida pela equipe.

 

 

 

Kings of the Wyld é o romance de estreia de Nicholas Eames e se passa em um mundo onde bandos de mercenários agem e funcionam como bandas de rock: uma premissa que me conquistou logo de cara. E, graças a uma série de resenhas positivas que diziam ser uma leitura engraçada e dinâmica, achei que seria o livro perfeito para me distrair de coisas mais sérias e me fazer voltar a ler. De fato, eu o li bem rápido – mas só para acabar logo.

Ao contrário da maioria das resenhas no blog, esta vai trazer alguns spoilers porque é difícil explicar meus problemas com o livro falando de modo vago. Então pare a leitura por aqui se não quiser saber nada sobre a trama!

Nossos protagonistas faziam parte de uma dessas bandas/bandos, mas se separaram 20 anos atrás e hoje são homens mais velhos que assistem horrorizados ao surgimento de novos bandos que só querem saber de pintar as caras e se apresentar em estádios (os paralelos com a música são óbvios e rendem uns sorrisos). O narrador é Clay Cooper, marido e pai, que tem sua rotina perturbada quando o amigo (e “frontman”) Gabe aparece em sua casa pedindo sua ajuda para resgatar a filha, Rose, que está presa numa cidade sitiada. Eles partem para reunir os outros membros do bando e então seguir em sua jornada até a cidade.

O livro tem uma clara inspiração em D&D; a história se passa em um mundo recheado de criaturas mágicas e há muitas side quests até o final. Há várias referências ao mundo do rock, o que achei a parte mais inovativa do cenário e funciona surpreendentemente bem numa obra de fantasia. No entanto, percebi ao longo da leitura que esse tipo de trama realmente já não é algo que me agrada. Isso não é culpa do autor, claro. Mas alguns problemas mais objetivos contribuíram para eu achar boa parte da história enfadonha.

Primeiro, não há riscos reais para os personagens. Um membro do bando sofre de uma doença incurável e outro é mutilado em certo momento, mas ambos são curados de maneira simples e fácil. No final eu já corria os olhos pelas cenas de ação, pois sabia que seriam só descrições de luta sem qualquer consequência real. Além disso, certas situações/inimigos que haviam sido apresentados como grandes problemas/antagonistas eram resolvidos sem muito esforço. O autor também exigiu uma boa dose de suspensão de descrença em diversos momentos – por exemplo, quando um personagem que está tentando fugir de casa convenientemente esquece por anos que em seu quarto existe um ESPELHO MÁGICO QUE TRANSPORTA VOCÊ PARA OUTROS LUGARES.

Tudo isso não teria me incomodado tanto se os personagens e a história tivessem me conquistado. Só que a premissa me fez pensar que o livro ofereceria uma visão divertida mas irônica da cultura cercando as velhas bandas de rock, incluindo aí seus aspectos misóginos (afinal, o livro foi publicado em 2017). Acontece que a narrativa é mais uma ode a essas bandas, a esses velhos e seus hábitos, do que qualquer outra coisa.

A escrita das personagens femininas é atroz. Há poucas mulheres, mas o problema não é a quantidade – uma das melhores leituras que fiz este ano foi Rage of Dragons, um livro com poucas mulheres (o que faz sentido na trama), mas que define cada uma delas com o mesmo cuidado dispensado aos homens, dando-lhes complexidade e agência em pouco espaço. Aqui faz menos sentido que haja tão pouca presença feminina – o bando é composto por cinco homens, sim, mas haveria a possibilidade de desenvolver aquelas importantes na vida deles e outras que aparecem ao longo da jornada.

Não é bem o que acontece. A maioria das mulheres existe para ser salva ou para ser sexy. A esposa do narrador, Clay, aparece apenas nos primeiros capítulos porque depois ele parte na quest. Ao longo do livro, fica claro que ele a ama e não vê a hora de voltar para casa, o que torna ainda mais bizarro quando um sujeito fala “Ouvi dizer que você estava morto” e Clay responde: “Quase, casado” (porque o casamento é o fim da vida, entenderam??? Cadê o stand-up desse cara na Netflix?!). Até daria pra argumentar que é o tipo de piada que homens da idade dele fariam entre si, só que a narrativa não nos oferece nenhum comentário sobre seus pensamentos nessa cena, de modo que só podemos aceitar o diálogo como é apresentado.

Então temos as esposas dos outros membros do bando…

Valery é a ex de Gabe (o sujeito que quer resgatar a filha). Ela se separou dele para ficar com o antigo “booker” do bando (o equivalente a um agente), que é um sujeito medonho. Não sabemos por que ela quis ficar com o cara, pois suas motivações não importam. Ah, e ela é viciada em drogas. A primeira vez que aparece, quando Gabe conta que SUA FILHA ESTÁ OU MORTA OU PRESTES A MORRER, ela não tem nenhuma reação porque está drogada demais. Ninguém na cena parece achar isso terrível; vida que segue. (Mais tarde, ela tem um vislumbre de consciência e agência, mas sua situação – claramente terrível, morando com um cara violento que incentiva seu vício – jamais faz qualquer um dos protagonistas perder um minuto de sono ou o escritor gastar uma linha de narrativa.)

A terceira das esposas, Lilith, é o tour de force da caracterização estereotipada. Casada com um rei, é uma adúltera crônica que tem cinco filhos de cinco pais diferentes e ainda quer destronar o marido e tomar seu poder (claro que quer!). É a personagem mais caricata que encontro em um livro há muito tempo, ao ponto de me perguntar se por acaso não caiu ali acidentalmente, saída de um romance dos anos 1950.

Também vale mencionar uma antagonista cujo poder é “compelir” as pessoas com sua beleza e que força os homens a obedecê-la. Ao longo da história (mais spoilers a seguir), ela perde a memória e os personagens resolvem não lembrá-la de que é inimiga deles. Depois descobrimos que recuperou suas lembranças bem depressa, mas enquanto supostamente ainda não se lembra de sua identidade real, começa um romance com um dos membros do bando. Oh, yeah!

As únicas mulheres de que gostei foram as de um bando que os protagonistas encontram diversas vezes ao longo do livro, mas não compensaram a má vontade inspirada por todas as anteriores.

Fora isso, também fiquei muito desconfortável com a descrição de pessoas gordas, geralmente apresentadas de forma grotesca (há um personagem apelidado de Piglet, sem brincadeira), e com a presença de canibais que falam de forma gramaticalmente incorreta e me pareceram outra caricatura antiquada.

As resenhas elogiam muito o humor do livro. Apreciei o narrador sarcástico e esbocei um sorriso durante alguns diálogos – às vezes há um bate e volta divertido entre os membros do bando, que, afinal, são amigos de longa data. Mas a maior parte do livro espera que você ria de situações como um dos velhos ficar excitado à visão de uma mulher gostosa ou uma poção que dá ereções a todo mundo (humor & piadas!!!). Talvez a preguiça que eu estava sentindo com as personagens femininas tenha me deixado ainda mais intolerante com esse tipo de coisa, e senso de humor é algo muito pessoal, mas simplesmente não achei nada tão hilário no livro quanto dizem por aí.

Muitas resenhas também enfatizam as amizades dos personagens. Há momentos legais entre os membros do bando, mas eu me senti pouco próxima da maioria deles. Gabe, que inspirou toda a missão, me lembrou o personagem Michael, de Lost, o qual famosamente passava os episódios gritando “WAAAAALT!” atrás do seu filho perdido. Não sei dizer mais nada sobre ele exceto que quer resgatar a filha. Mattrick é o rei já mencionado, e também não sei o que mais dizer sobre ele além de que é o rei e está sempre bebendo.

Além do narrador Clay, que talvez por ser o ponto de vista da narrativa é bem desenvolvido, gostei de Moog – um mago doido e divertido cujo marido morreu 19 anos antes de uma doença que ele vem tentando curar desde então. O fato de haver um mago gay às vezes é apresentado como um ponto positivo de “representatividade” do livro, exceto que aqueles que odeiam ver personagens LGBTQIA+ em fantasia podem facilmente ignorar o fato. Afinal, após a morte do marido ele nunca mais se envolveu com ninguém. Também não sabemos nada sobre o marido (exceto que era um mercenário) ou o relacionamento deles. Eu gostei do personagem e não tenho um problema com a forma como foi apresentado, mas está longe de ser um livro que recomendaria (ou elogiaria demais) por esse aspecto. O autor não fez mais do que sua obrigação em ter um (01) personagem não hetero no elenco.

Cada um desses problemas e personagens, isolados, talvez não tivessem me incomodado tanto se a história fosse mais envolvente – mas o conjunto tornou impossível para mim aproveitar mesmo os momentos bons.

Esse é um livro que poderia ter sido escrito há 30 ou 40 anos. Não há nada aqui para desafiar um daqueles leitores que odeiam qualquer tipo de inovação ou representatividade na ficção especulativa. Não foi só esse tipo de leitor que gostou do livro, pois muita gente amou a história e não se importou com essas coisas (ou gostou o bastante do resto para relevá-las). Mas, mesmo desconsiderando meu gosto pessoal e como influenciou minha experiência, certamente está longe de ser uma obra que represente o melhor do que está sendo criado hoje em dia no gênero.

 

Se mesmo assim você quiser comprar o livro, use o nosso link da Amazon! 

Kings of the Wyld
Autor: Nicholas Eames
Editora: Orbit
Ano de publicação: 2017
544 páginas

2 respostas em “[Resenha] Kings of the Wyld

  1. Ótima resenha!

    Não conhecia esse livro – e realmente, pra quem gosta de música essa premissa parece sensacional. Se parar pra pensar, chega a ser até estranho ninguém ter feito essa conexão antes, literatura fantástica sempre esteve permeada no mundo do rock (principalmente o tal “rock progressivo” com suas obras “conceituais” e bandas com nomes como MARILLION :D). Imagino que o autor tenha feito referências mil a nomes e personagens reais do mundo da música nessa era nerd de apelo desenfreado à cultura pop. Não que eu esteja reclamando, mas tem que saber dosar essas coisas!

    Ainda que o autor trabalhasse bem a ironia de uma “banda” 100% masculina, não é como se não existissem várias mulheres importantes na história do rock que pudessem servir ao menos de inspiração pra trazer um pouco dessa discussão relevante nos dias de hoje. Vacilo mesmo. E nem falo nada da androginia de inúmeros artistas importantes – LONGE de ser exclusividade dos “cabelos coloridos” modernos – que, imagino eu, deve ter deixado muito defensor dos bons costumes da época de cabelo em pé. Apesar de tudo, pelo que vi na Amazon o livro já tem uma sequência aparentemente com uma personagem principal feminina. Talvez seja uma redenção do autor pra quem se incomodou com isso no primeiro.

    Lol, essa do espelho foi de lascar, se tiver muita coisa desse tipo eu também perderia meu interesse rapidinho. Talvez eu pegasse pra ler apenas pra ver quantas referências musicais eu conseguiria encontrar. Mas, com meus hábitos de velho de preferir livro físico, terei que esperar uma possível edição nacional já que o dólar hoje tá valendo quase mais que um Kinder Ovo (e torcer pra que até lá um %$!~@ do k*&#0 não resolva meter MAIS IMPOSTO nessa desgraça e nosso mercado editorial vá pras cucuias de vez).

    Parabéns mais uma vez pelo texto!

    • Oi, Daniel!

      Tem várias referências mesmo (aposto que mais do que eu consegui pegar), mas como você viu pela reenha, isso está longe de ser o maior problema hahaha!
      De fato, a continuação tem uma protagonista feminina, e muita gente que amou o primeiro não gostou muito do segundo (não necessariamente por isso, parece que o livro tem um tom mais sério também). Mas admito que não senti nenhuma vontade de apostar na leitura… ainda mais com o dólar do jeito que tá. Temos que ter critérios rs.
      Muito obrigada pelo comentário!

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