[Resenha] Minha vida

minhavidaSinopse:

Em 1896, quando já gozava de grande fama como contista e consolidava seu nome como dramaturgo, Tchekhov publica Minha vida, uma de suas primeiras obras ficcionais mais longas. Nessa novela é narrada a história de Missail Póloznev, um jovem que não consegue corresponder às expectativas que pesam sobre seus ombros, fracassando sucessivamente em diversos empregos burocráticos. Ao assumir a modesta ocupação de pintor de paredes, ele rompe com as tradições familiares e com a hierarquia social, personificadas na figura de seu pai.

Fonte: Editora 34

O diretor me disse: “Mantenho-o somente em respeito ao seu venerável pai, senão o senhor já teria voado daqui há tempos”. Eu lhe respondi: “Lisonjeias-me demais, vossa excelência, julgando-me capaz de voar”.

Conheça Missail Póloznev. Filho de um arquiteto de uma cidade provinciana na Rússia, ele é incapaz de manter um emprego, até que finalmente decide se tornar um simples pintor de casas – para horror do papai. Seus motivos? Bem, ele não entende por que todas as pessoas não trabalham manualmente para garantir o sustento, e também não acha que ficar enfurnado em uma repartição qualquer seja um trabalho “intelectual”.

A atitude de Missail pode parecer um tanto drástica ou inverossímil, mas Tchekhov explora a fundo os pensamentos e insatisfações do personagem. Enquanto é mais difícil para o leitor se ver nos personagens extremos de Dostoiévski ou Tolstói, o grande trunfo de Tchekhov é retratar a vida comum, de modo que você sente estar lendo, de fato, um relato do que era a vida na Rússia na década de 1890.

É claro que não só o pai de Missail vê a mudança com horror: os nobres da cidadezinha acham que o rapaz enlouqueceu, na melhor das hipóteses. Ele, por sua vez, diz com tristeza: “Na cidade inteira eu não conhecia nenhuma pessoa honesta”. A partir das angústias de Missail, Tchekhov esboça um retrato social da Rússia, além de ideias bastante politizadas para ele, que normalmente não se envolvia nas batalhas ideológicas em que se engajavam os escritores da época. Assim, retrata todo tipo de hipocrisia e fraude cometido pela alta sociedade da época. Também é interessante ver como Missail, apesar de sentir-se à vontade entre os pintores de casa a quem se junta, não consegue evitar certo asco dos mujiques – reflexo de um modo de pensar da nobreza que ele próprio despreza.

Mas a obra não é um tratado de política, como eu disse, e seu cerne, na verdade, é uma história de amor. Não quero dar spoilers, então digo apenas que Tchekhov descreve, com toda a sutileza pela qual é famoso, a paixão de Missail por uma nobre de seu círculo de conhecidos. Naturalmente, não se deve esperar grandes felicidades dessa história. (Pra quem quer ter um gostinho das tristezas impiedosas do autor, sugiro este conto de Natal.) O leitor não pode deixar de sentir compaixão por Missail, que em nenhum momento culpa a amada por… o que ela faz, aceitando apenas que não podia satisfazê-la por muito tempo.

Tenho que dizer que a sensibilidade do protagonista – não apenas no amor, mas também em sua relação ao pai autoritário e a irmã – foi meu aspecto preferido da obra. Missail tem uma percepção aguda da realidade que o cerca, uma realidade que acha vil e desprezível e na qual não consegue encontrar o seu lugar, sempre insatisfeito: “talvez eu não estivesse vivendo como era preciso”. O drama humano é o que sempre aproxima o leitor de das obras de Tchekhov. Essa não é exceção, e apesar da tristeza que a permeia, é uma leitura gostosa que ganhou uma excelente tradução de Denise Sales.

 *

Minha vida
Autor: A. P. Tchekhov
Tradutora: Denise Sales
Editora: 34
Ano de publicação: 1896
Ano desta edição: 2013
160 páginas

Citações preferidas

– Se o senhor não obriga o seu próximo a alimentá-lo, vesti-lo, transportá-lo, defendê-lo dos inimigos, ou seja, se não vive uma vida toda construída sobre a escravidão, será que isso não é progresso? Para mim, esse é o progresso mais verdadeiro e, eu acho, o único possível e necessário ao homem.

*

É preciso amar, nós todos devemos amar – não é verdade? Sem amor não haveria vida; quem teme o amor e foge dele não é livre.

*

Se eu tivesse vontade de encomendar um anel para mim, escolheria a seguinte inscrição: “Nada passa”. Acredito que nada passa sem deixar marcas e que cada pequeno passo nosso tem um significado para a via presente e futura.

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3 respostas em “[Resenha] Minha vida

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