[Resenha] Swordspoint

swordspointSinopse:

Nas ruas traiçoeiras de Riverside, os homens vivem e morrem pela espada. Mesmo os nobres na Colina promovem duelos para resolver suas disputas. Nesse perigoso mundo de elite, Richard St. Vier é o mestre incontestado, tão habilidoso quanto implacável – até que uma morte por espada produz indignação ao invés de admiração, e Richard descobre que o limite entre herói e vilão pode ser cruzado num piscar de olhos.

Fonte: Bantam Spectra

 

Considerando a quantidade de livros não lidos em casa e a quantidade na minha lista da compras, já diz muito o fato de eu ter escolhido reler este aqui. Comprei-o muitos anos antes de o blog existir, e de repente senti uma vontade irresistível de fazer uma resenha dele. Valeu a pena. Não me lembrava dos detalhes da trama, apenas dos personagens – vívidos e fascinantes – e de como tinha amado a obra, uma fantasia de 1987 que continua tão inteligente e cativante quanto na época de sua publicação.

Swordspoint se passa numa cidade sem nome, dividida entre a área de Riverside, onde vivem criminosos, prostitutas e indigentes, e a região da Colina, que abriga as mansões dos nobres. Estes passam seus dias entre eventos sociais, fofocas e intrigas políticas – e, com frequência alarmante, contratando espadachins para resolver suas disputas em duelos.

O melhor espadachim é Richard St. Vier, que fez sua fama na cidade e cobra uma fortuna por cada duelo. Ele mora em Riverside com seu amante, Alec (o mundo de Swordspoint não tem religião aparente e nenhuma restrição sexual, e quaisquer combinações são vistas com total naturalidade). Os dois são os destaques entre um conjunto brilhante de personagens.

Richard exala calma e competência; sabe que é o melhor no que faz e não parece temer nada. Mas sua tranquilidade é superficial, como a deliberação de um predador, e esconde uma capacidade para ações rápidas, drásticas e até cruéis. Richard não hesita em matar qualquer um que ofenda Alec – ou, na maior parte das vezes, que responda às ofensas de Alec –, só para mostrar ao resto de Riverside que não se deve mexer com pessoas próximas a ele.

Já Alec é um mistério até para o amante. Só sabemos que já frequentou a Universidade (local geralmente frequentado por pessoas sem recursos), embora Richard suspeite que ele tem uma origem nobre. Mas o espadachim não pergunta, temendo a reação de Alec a qualquer insistência. Alec é sarcástico, rude e inconsequente, e não hesita em puxar briga com qualquer um que cruze seu caminho (de preferência, homens grandes carregando facas). Seu hobby, diz Richard em certo momento, é a autodestruição. Mas, aos poucos, o personagem vai se revelando através dos olhos de Richard (que, apesar de apaixonado, sempre mantém a lucidez), como um jovem com vários problemas, que não sabe bem o que fazer consigo mesmo.

Também não sabemos como eles se conheceram; no começo do livro já se encontram num relacionamento explosivo. Alec raramente é mais gentil com Richard do que com o resto do mundo.

“Bom dia,” St. Vier disse. “Você acordou cedo.”

“Sempre acordo cedo, Richard.” O estudante não se virou. “É você que fica acordado à noite matando pessoas.”

Enquanto isso, na Colina, somos apresentados a alguns personagens envolvidos na tarefa árdua de passar a perna uns nos outros. Entre eles, Michael Godwin, um playboy que fica fascinado com a duquesa Tremontaine, uma mulher bem mais velha que ele – e que é amante de lorde Ferris, figurão do governo local. Eles e outros envolverão Richard em suas maquinações políticas, e o espadachim logo comprova que, na Colina, ninguém se importa com o destino dos homens de Riverside.

A escrita de Ellen Kushner é, em uma palavra, elegante. Suas descrições de lugares são poéticas e evocativas; cada ação – seja uma gota de sangue caindo na neve ou o golpe de uma espada – é descrita com clareza cinematográfica; e seus personagens são complexos, fascinantes e imprevisíveis.

A narrativa também difere muito da maioria dos livros que já li. O narrador onisciente parece não reconhecer a existência do leitor; ler os diálogos é como espiar momentos roubados, trechos de conversas cheios de nuances que ninguém se dá ao trabalho de explicar. Depende do leitor prestar atenção, conjecturar e extrair significado da fala de personagens que são mestres em insinuações e meias-palavras.

Não há respostas imediatas ou fáceis; às vezes, elas sequer existem: um gesto pode ser interpretado de cem modos diferentes por cem leitores diferentes. Kushner nos dá o suficiente para ficarmos satisfeitos, resolvendo a trama perfeitamente, mas ao fim ainda queremos saber mais, tanto do passado como do futuro dos personagens.

Tenho duas críticas: senti falta de um dos personagens, que praticamente some na segunda metade do livro, depois de ter tido um crescimento tão interessante na primeira; e são poucas as mulheres em relação aos homens (embora a duquesa valha por dez!). Vale notar que o livro gira em torno de intrigas mais “particulares”; a organização da cidade em si é meio confusa e o livro não é épico, ao contrário de tantos que leio. No entanto, esse escopo menor nos dá a chance de ver os personagens com muito mais detalhes.

Minha edição inclui alguns contos, escritos antes e depois do romance, sobre Richard e Alec. Há ainda dois outros livros nesse universo: um, divertidíssimo, chama-se The Privilege of the Sword e é sobre a sobrinha de Alec, que quer se tornar espadachim (Alec e Richard aparecem, mais velhos); e o outro se passa 60 anos depois de Swordspoint e lerei pela primeira vez ano que vem: The Fall of the Kings.

*

Swordspoint
Autora: Ellen Kushner
Editora: Bantam Spectra
Ano de publicação: 2003
368 páginas

Citações preferidas

Deixe o conto de fadas começar numa manhã de inverno, então, com uma gota de sangue caída na neve de marfim: uma gota tão brilhante quanto um rubi lapidado; vermelha como uma única gota de clarete num punho de renda.

*

“Como as pessoas simples te amam,” disse Alec, olhando para ele. “O que acontece quando você não tem dinheiro?”

“Elas confiam,” disse Richard, “que vou me lembrar delas quanto tiver.”

*

Tudo que o mundo considerava belo podia ser treinado, girado no torno da prática para se tornar uma arma perigosa.

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