[Resenha] Santuário

cover-santuarioSinopse:

Junho trouxe a seca e fez o nível do rio escuro baixar. Pedra erodida ressurgiu das águas, as ruínas de uma antiga vila inundada atraíram Ian Beck até Quinze de Novembro. O professor universitário determinou sua própria obsessão e, na vã tentativa de fugir dos seus erros, esbarra em traços obscuros de um passado agora emerso.

No cerne da humanidade, a era da fé no divino e no profano se acabou. Isso não significa, contudo, que crenças nascidas outrora também tenham se evanescido. Parece haver algo cíclico pairando sobre a cidade. Linhas soturnas entre a morte de um estudante e um estranho círculo de pedras. Reminiscências sombrias do puro éter.

Fonte: Andriosantos.wix.com

Comecei a simpatizar com o livro já na folha de rosto. O meu exemplar foi agraciado com dedicatórias do autor, da ilustradora e da modelo da capa – além da pessoa que me deu o livro. No prefácio, uma informação crucial intensificou meu interesse: a seca de Quinze de Novembro que trouxe uma antiga vila à tona realmente aconteceu. O autor foi gravar um documentário sobre as ruínas e aparentemente as ruínas ficaram gravadas nele. Gosto muito quando as histórias – em especial as de suspense e horror – possuem um fundo de verdade, e admiro pessoas que conseguem extrair da realidade inspiração para esse tipo de narrativa.

Esse é o romance de estreia de Andrio Santos (que já tem um livro de contos, Sussurros no escuro) e o achei bem construído. Os personagens são muito verossímeis, em especial o protagonista, o professor Ian Beck. Assombrado por ações passadas, ele vai a Quinze de Novembro com o pretexto de estudar as ruínas e acaba se confrontando com atribulações externas e internas – que incluem Laura, uma jovem que está na cidade em excursão com a escola e que também está lidando com dramas pessoais. Gostei bastante de como os conflitos psicológicos foram trabalhados e como eles estruturam as ações de ambos.

Os personagens se aproximam por causa das buscas de um colega de Laura que desaparece, reavivando muitos rumores sobre o que existe nas escuras águas de Quinze de Novembro. E então se aproximam um pouco mais, em busca de esclarecimentos dos mistérios que cercam a lodosa água. Uma parcela da população da cidade descende de uma civilização gloriosa e avançada, cujos resquícios e crenças emergiram graças à seca. O culto a uma antiga divindade sobreviveu aos anos, com os rituais passados de geração a geração e regidos por sacerdotisas, que aprendem seu ofício desde muito cedo. E que estão em busca de um santuário.

A narrativa é fluida e as palavras parecem ter sido escolhidas criteriosamente – o que é muito positivo, mas em algumas frases o tom me soou artificial. Há uso frequente de palavras pouco usuais, que por vezes dão um tom sério e solene à narrativa, e em outras quebraram minha imersão na história pelo estranhamento que me causaram. Outra coisa que interrompeu minha imersão foram os problemas de revisão presentes no texto. Não sei até que ponto isso é tique de revisora, mas eu teria aproveitado muito mais o livro se durante a leitura não estivesse, em meio a um ritmo muito fluído e agradável, tropeçando em incorreções. Foi como passar a mão por uma tira de seda e encontrar vários nós.

A história tem um compasso agradável e os capítulos se centram alternadamente nos personagens principais da trama. Aliás, a abertura dos capítulos merece um comentário à parte: as ilustrações de Jéssica Lang parecem entranhadas na página, casando perfeitamente com a temática do livro. Elas contribuíram muito para que eu lesse compulsivamente no transporte público, à espera de mais aparições da etérea sacerdotisa (adoro sacerdotisas!). Terminei o livro em aproximadamente dois dias – incluindo aí uma tarde em que o esqueci na casa da Isa.

DSC_0052Ao terminá-lo, me peguei numa reflexão de como eu tenho mais medo de gente do que de quaisquer seres míticos. E essa é uma mensagem da qual eu gosto bastante. Fiquei querendo uma continuação que explicasse melhor as origens da população. E a moral da história é [spoiler!]… usem camisinha.

É sempre agradável encontrar autores nacionais com pendor legítimo para o terror, sem apelos desnecessários. Esse é um livro que eu espero que seja muito lido – e eventualmente reeditado.

*

Santuário
Autor: Andrio Santos
Prefácio: Diego Eduardo Dill
Ilustrações: Jéssica Lang
Editora: Perse
Ano de publicação: 2013
234 páginas

Bônus: assista ao book trailer!

Citações preferidas

Que tipo de tolo eu sou? – perguntou-se o enfermeiro. Abanou a cabeça, dizendo a si mesmo que engolisse a surpresa, pois ali havia apenas uma casa velha que abrigava uma família simples, de posses nulas, onde um menino ardia em febre e precisava de seus cuidados.

*

Mas de todas as coisas naturais, o que ela mais apreciava era a chuva. Ficava à janela, observando a constância da água ao cair, os sons que produzia nos telhados, na rua e na lataria dos carros. Se fosse uma tempestade, melhor ainda, porque ela adorava como os trovões reverberavam pelos ossos, conferindo-lhe a certeza de que estava ali, no mundo, viva, que era tangível e o tempo corria.

*

Eva caminhou pela falda rasa, o vestido formando uma cauda cinzenta no rio sombrio. Ela ergueu a mão para o aglomerado, convidando uma dela a se aproximar. Um menino pequeno e mirrado deu um passo à frente. Theodor, logo atrás dele, tinha as mãos nos seus ombros e, por um breve instante, firmou tanto o filho que este mal conseguiu sair do lugar.

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