[Resenha] Yaqui Delgado quer quebrar a sua cara

YaquiSinopse:

Piddy Sanchez acabou de mudar de bairro e de escola. No ensino médio do novo colégio, seu corpo atraente desperta tanto os olhares dos meninos quanto o da esquentada Yaqui Delgado, que não a vê como parte do grupo de latinas e começa a fazer cruéis ameaças à novata. Denunciar não é uma opção. Fugir não adianta. O importante agora é sobreviver.

Fonte: Intrínseca

Por favor, Deus, faça com que um incêndio destrua a escola antes de segunda-feira, para eu não precisar voltar. Se isso for pedir muito, que pelo menos Yaqui seja transferida.
Por favor, Deus, que Joey e a sra. Halper fiquem bem.
Por favor, Deus, me ajude a lidar com toda essa confusão.

Confusão parece uma palavra bem adequada para o estado da vida de Piddy Sanchez. No segundo ano do Ensino Médio, ela acabou de mudar de casa e de escola. Como se sentir-se sozinha e deslocada no ambiente novo não bastasse, ela começa a ser perseguida por uma garota briguenta chamada Yaqui Delgado, que promete quebrar a sua cara. O motivo? Aparentemente o corpo de Piddy anda chamando a atenção dos meninos, inclusive do namorado de Yaqui.

Além disso, Piddy começa a ouvir fofocas de colegas de sua mãe sobre seu desconhecido pai, do qual ela não sabe nada além do nome, o que sempre deixou a garota carente e um pouco revoltada com a mãe.

Imigrante cubana em Nova York, a mãe de Piddy, Clara, trabalha demais e se diverte de menos, tudo para conseguir criar a filha com algum conforto. Na ausência dela, Piddy conta com a companhia e o apoio da melhor amiga de Clara, Lila, uma latina bonitona que trabalha num salão de beleza, vende produtos Avon e é muito carinhosa, se tornando uma segunda mãe na vida da adolescente.

Essa é a família de Piddy. Quase todos os personagens com os quais ela se relaciona são também imigrantes ou descendentes de latinos, e o livro retrata as dificuldades, mas também a união desse grupo. Na escola, porém, Piddy não é inclusa no grupo dos latinos: branca e sem sotaque, ela acaba ficando sem amigos e perseguida pelas meninas que compartilham de sua origem.

A confusão do livro começa com a mudança de escola e a perseguição de Yaqui, mas logo mais e mais problemas vão surgindo, em uma trama bem realista e um tanto desesperadora. Violência doméstica, problemas financeiros, decepções amorosas – Piddy está sempre cercada de desgraças. Isso tudo é reforçado pelo contraste com a vida de sua amiga Mitzi, que mudou-se para um bairro melhor, participa dos times esportivos e tem várias amigas na escola. Assim, de repente, Piddy sente-se afastada da realidade da melhor amiga, e tem medo de contar a ela seus problemas e pedir seu apoio. Para ela, Mitzi parece estar vivendo em outro planeta.

No começo do livro, demorei um pouco a me acostumar com a idade da protagonista: ela me parecia um pouco mais nova do que seus 16 anos, principalmente pelo fato de que só agora seu corpo estar ganhando curvas. Por falar nisso, um dos temas sobre os quais a obra faz refletir é a competitividade e a hostilidade entre mulheres: as brigas em que Piddy se envolve na escola são todas entre garotas, que sentem inveja de sua aparência. Além disso, é bastante frequente que sua mãe aponte outras adolescentes e diga a Piddy para não se tornar como elas: uma chusma (vagabunda, em espanhol). A grande maioria das personagens do livro são mulheres, mas o sentimento de sororidade é, como no mundo real, bastante raro.

À medida que o bullying na escola se agrava e gera até agressões físicas, vemos Piddy se tornar apática e perder a noção da própria identidade, em um retrato cruel do que esse tipo de perseguição pode causar. E essa mudança vai causando reflexos em sua vida, em especial em seu relacionamento com a mãe. A garota começa a se revoltar e a descontar os sentimentos em Clara, que não entende o que está acontecendo e vai ficando decepcionada e com raiva da filha. A relação entre as duas é complicada por essa falta de diálogo, e muitas vezes elas são bastante injustas uma com a outra. Piddy chega a desprezar a mãe, o que, principalmente para o leitor adulto, pode parecer uma grande injustiça por parte da menina. Em momento algum o livro tenta amenizar as atitudes erradas de Piddy – a garota não é, de forma alguma, uma personagem perfeita –, mas a narrativa também facilita que o leitor a compreenda e perceba as causas de sua revolta e de seu comportamento.

Narrado em primeira pessoa por Piddy, o livro retrata muito bem seus sentimentos e a causa desse tipo de conflito – que geralmente, visto de fora, costuma ser bem difícil de compreender. Um grande trunfo da autora é retratar de forma muito verossímil o bullying, com todos os agravantes, as reações e sentimentos do agredido e todos os aspectos que tornam uma situação como a de Piddy dificílima de resolver. O comportamento dos adultos também é muito verossímil – enquanto Clara não sabe pelo que a filha está passando, e portanto não tem como ajudá-la, Lila sabe apenas de uma parte da história e lhe apoia como pode, mas sua ajuda também está limitada ao seu conhecimento e ao apoio que Piddy, em meio ao medo e à insegurança, aceita receber.

Diferente de outros livros com essa temática, Yaqui Delgado quer quebrar a sua cara também se destaca por não subestimar o trauma causado pelo bullying, que, como fica bastante claro, muda a vida de Piddy para sempre. Talvez por isso este seja o YA menos otimista que eu já li – e também o menos dramático e romantizado. Até há um romance no livro, mas me surpreendi positivamente ao perceber que isso não rouba a cena, e que Piddy, mesmo se envolvendo com alguém, não se esquece magicamente de seus problemas.

Talvez por ser tão pé no chão, não me apaixonei pelos personagens (embora Lila seja uma tia encantadora), por citações e nem fiquei filosofando sobre a vida. Ele é apenas um retrato bem feito de uma triste realidade que muitas pessoas enfrentam. Eu acredito que a escola, em especial nos anos da adolescência, é um dos ambientes mais hostis que uma pessoa comum frequenta ao longo da vida, e por isso creio que este livro falará não apenas a adolescentes, mas a todos que já passaram ou presenciaram as dificuldades enfrentadas por Piddy.

Além disso, é sempre bom encontrar na literatura norte-americana personagens latinos tão bem trabalhados. E, de bônus, a edição da Intrínseca está caprichada, com uma capa bonita, cujo acabamento com brilho fica especialmente bonito quando exposto à luz.

Recomendo este livro para quem passa ou é sensível a problemas da adolescência, e para quem não se importa com tramas cheias de acontecimentos ruins.

*

Yaqui Delgado quer quebrar a sua cara
Autora: Meg Medina
Tradutora: Regiane Winarski
Editora: Intrínseca
Ano desta edição: 2015
272 páginas

 

Citações favoritas

Preciso da companhia dela aqui no fundo desse poço, onde talvez ela possa me abraçar e me dizer que está tudo bem. Mas o material do qual ela é feita não racha tão fácil. Não consigo levá-la para baixo comigo.

*

Se eu contar a ela sobre o que tenho sofrido com Yaqui, só vou piorar as coisas. Ser dedo-duro quer dizer que você é fraco demais para cuidar de si mesmo. Que precisa de um adulto como escudo. Aonde isso vai me levar? Vou ser mais pária social do que já sou; vai ser a deixa para qualquer um me perseguir.

*

Ando pensando ultimamente que crescer é como passar por portas de vidro que só se abrem em uma direção; você consegue ver de onde veio, mas não pode voltar.

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7 respostas em “[Resenha] Yaqui Delgado quer quebrar a sua cara

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