O que nos faz gostar tanto de adaptações? Não é novidade que eu adoro ver a mesma história várias vezes, mas não estou sozinha nisso. Acho que é aquilo que nos faz ler livros de um mesmo gênero: a mistura do familiar com o desconhecido. No caso de adaptações de livros para qualquer meio visual, há também a vontade de ver o que apenas havíamos imaginado. E, no caso de modernizações, aquele gostinho de imaginar nossos personagens preferidos como nossos contemporâneos.
Bom, hoje vamos falar de adaptações. Adaptações modernizadas de Jane Austen. Adaptações modernizadas de Jane Austen no formato de vlogs. E sim, funcionam muito bem e todo fã de Orgulho e preconceito e Emma provavelmente deveria vê-las. E para os que não conhecem as obras ou não gostam muito de Austen, os canais podem ser uma boa introdução a esses clássicos!
The Lizzie Bennet Diaries
(playlist dos episódios – legendas em português)
(playlist dos episódios + vídeos relacionados)
The Lizzie Bennet Diaries é uma modernização de Orgulho e preconceito contada na forma de vlogs. Eu sabia da existência da série, mas quando vi o primeiro episódio, muito tempo atrás, não me animei muito. Recentemente tentei de novo, e em poucos episódios fui de “Não é bom o bastante para me tentar” para maratonar a coisa toda em dois dias.
O vlog começou a ser lançado em 2012 e acabou em 2013 (são 100 episódios no total, geralmente entre 3 e 5 minutos), e foi produzido por Hank Green (o blogueiro, irmão do famoso John) e Bernie Su (um produtor de conteúdo online), entre outros. Ganhou vários prêmios, incluindo um Emmy de Mídia Interativa. Na época em que era postado regularmente, todos os personagens tinham contas no Twitter e interagiam uns com os outros, por exemplo.
Lizzie é uma estudante universitária de Comunicação que começa um vlog pra contar um pouco sobre sua vida – principalmente, reclamar sobre a mãe casamenteira. Ela nos apresenta à melhor amiga Charlotte e às irmãs Jane e Lydia (Mary e Kitty não aparecem – pelo menos, não como irmãs –, provavelmente por questão de verba).
Logo entramos na trama e conhecemos Bingley – ou melhor, Bing Lee, um estudante de Medicina de descendência asiática! –, sua irmã Caroline, o sr. Collins, George Wickham, e (depois de uma espera angustiante!) Darcy. É impressionante como todas essas pessoas conseguem participar dos vídeos sem que pareça muito estranho, embora haja limitações ao formato (por exemplo, Lizzie apenas conta sobre alguns eventos que acontecem, e por 60 episódios não há motivos nem oportunidade para Darcy aparecer). Mas se você estiver disposto a suspender a descrença de que algumas daquelas conversas poderiam ocorrer em frente a uma câmera (e que alguém as postaria na internet), vai se divertir muito e apreciar como eles conseguiram trabalhar com esse meio.
Fiquei encantada com a adaptação – é impressionante como eles se mantiveram próximos ao espírito do livro e dos personagens. (Minha vontade é esfregar na cara de todas as adaptações que destroem/ignoram o material fonte!) O vlog explora bastante o relacionamento entre as irmãs e apresenta descaradamente os defeitos delas – especialmente de Lizzie, que não é particularmente compreensiva no começo e passa por uma evolução grande, como no livro.
A modernização é genial e aproveita para dar destaque às muitas personagens femininas, aumentando o papel de algumas (Gigi e Lydia aparecem bem mais), dando-lhes um arco mais desenvolvido e uma evolução bem interessante, com finais que diferem do livro em alguns momentos. É ótimo ver as personagens que conhecemos tão bem transportadas à tela, mas com a possibilidade de tomar as rédeas de seu destino de um modo que as heroínas de Austen, na sua época, não podiam.
Muitos elementos austenianos não se traduziriam bem para o contexto contemporâneo, mas o vlog consegue adaptar esses pontos da trama muito bem: por exemplo, em vez de o sr. Collins pedir a mão de Lizzie, e depois de Charlotte, em casamento – e de Lizzie ficar furiosa quando Charlotte aceita o pedido, por ele ser um homem insuportável –, a questão é uma oportunidade de emprego em uma grande companhia que Lizzie considera capitalista e desalmada. E não quero dar spoilers, porque achei uma sacada genial, mas o drama de Lydia também passa por uma releitura espaço-temporal fantástica (no livro, a garota foge com Wickham, o que arruína sua reputação – no vlog, algo equivalentemente sério acontece). Só achei que eles pecaram às vezes por tentar manter alguns diálogos ou maneirismos muito próximos ao original, o que destoa do conjunto.
Os roteiros são ótimos, variando do muito engraçado ao muito triste, e interpretados muito habilmente (a atriz que faz Lydia arrasa nos momentos dramáticos!). O elenco é tão bom que às vezes ocorrem efeitos inesperados: eu adorei o socialmente inepto sr. Collins, por exemplo, geralmente considerado um dos personagens mais chatos do livro. Queria apontar destaques, mas achei todos muito bons nos papéis: Jane e Bing são fofíssimos, Lydia é um tanto quanto insuportável mas amável, Caroline te faz querer esmurrar coisas, Darcy é totalmente constrangedor e Lizzie tem muitas opiniões e julgamentos.
A caracterização por si só já vale para quem gosta do livro, mas quem ama a obra de Austen vai gostar de antecipar cada momento clássico e sua respectiva releitura. Mas também é legal ler os comentários dos vídeos e ver gente que nem conhece a história absolutamente adorar o vlog e se apaixonar pelos personagens, o que mostra o poder das narrativas de Austen e como nos tocam até hoje. Ah, é, e o ciclo se fechou: saiu um livro baseado no vlog. Austenception!
Emma Approved
(playlist – legendas em inglês)
Depois de assistir a LBD, descobri que uma adaptação similar foi feita pela mesma companhia para outro livro de Austen: Emma, por acaso o meu segundo preferido. Vocês já viram onde isso foi parar. Lá fui eu embarcar em mais 70 episódios.
O formato é um pouco diferente: Emma não tem um vlog, mas está gravando tudo o que se passa no seu escritório, a fim de “documentar a sua genialidade” para quando receber um prêmio pelas realizações de sua vida. Ela tem uma empresa de conselhos e matchmaking – o que é a cara da personagem! O sr. Knightley (chamado Alex aqui) é o seu sócio e Harriet é a assistente que ela contrata nos primeiros episódios. A produção recebeu algumas críticas por mudar de câmera, o que quebra um pouco a ilusão de estarmos assistindo às gravações de Emma, mas eu pessoalmente não me importei muito com isso e gostei de ver um cenário um pouco mais amplo.
Quanto à adaptação em si, tive mais problemas com esta do que com LBD. Eles seguem menos o livro, inserindo “casos” para Emma resolver (como problemas maritais da irmã, o planejamento de um casamento, entre outros). Eles deixam a história menos previsível – o que é legal –, no entanto, a trama às vezes não faz muito sentido e força a barra (embora tenha bem menos problemas de modernização de falas que LBD). Também achei algumas adaptações de personagens questionáveis – principalmente a da srta. Bates, que tem poucas semelhanças com a sua contraparte do livro, uma mulher pobre, com menos educação formal que Emma, extremamente irritante e temerosa pelo seu futuro. No vlog, ela é uma pessoa alegre e simpática e não sofre tanto nas mãos de Emma quanto a trama exigiria. Pra não mencionar que transformaram John Knightley, irmão de Alex, num cara terrível e abusivo, o que achei meio desnecessário.
Emma e Knightley, porém, estão impecáveis, e a química entre os atores (que começaram a namorar na vida real!) é apaixonante. Emma começa confiante, convencida e um pouco irritante, como deve ser, e passa por uma longa jornada; Knightley é um fofo, mas extremamente sarcástico e pragmático, e o roteiro e a atuação mostram com habilidade como a sua amizade se transforma em romance. (Cara, como eu amo esse livro!) E o melhor é que, ao contrário de LBD, os dois estão juntos desde o início – nada de esperar 60 episódios.
Harriet também está legal; para uma personagem tradicionalmente chatinha, ela consegue ser bem amável e também passa por uma evolução drástica. Seu par romântico, Martin, é um nerd de TI fofíssimo. Ah, e pra quem viu LBD, há uma surpresa bem legal mais pro meio da série…
Em resumo: vale muito a pena pra quem gosta do livro, e acho que quem não conhece a história deve achar bem divertido – Emma é extremamente animada e sua personalidade nos mantém grudados à tela. Também gostei muito do fato de que, apesar de a história ser um romance, Emma mais de uma vez defende sua independência e o fato de que não precisa de um homem para ser feliz e realizada.
Aliás, ambas as adaptações exploram as personagens femininas em toda a sua complexidade, mostrando qualidades e defeitos, sonhos e ambições, medos, erros e crescimento pessoal. As heroínas de Austen não merecem nada menos, e as duas produções entraram na minha lista de preferidas. Recomendadíssimo!
Não li, nem assisti Emma. Mas vi e revi The Lizzie Bennet Diaries! Achei sensacional! ❤ Também escrevi sobre o vlog no SLET: http://sobrelivrosetraducoes.com.br/2014/04/02/the-lizzie-bennet-diaries-jane-austen-nos-tempos-modernos/ =D
Que legal, Brenda! Não tinha visto o seu post. Eu levei alguns episódios pra me acostumar com a Lizzie, mas depois fui gostando mais dela. Acho que no começo ela era pra ser meio chata mesmo.
E veja o Emma Approved, se puder! É um pouco mais curto e tãaao fofo. E por vc não ter lido o livro, talvez goste até mais que eu, que fiquei implicando com as caracterizações, haha.
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