[Resenha] A biblioteca invisível

biblioteca invisívelSinopse: Irene é uma espiã profissional da misteriosa Biblioteca, uma obscura organização que existe fora do tempo e espaço e que coleciona livros e manuscritos de diferentes realidades. E junto com seu enigmático assistente Kai, ela é enviada para uma Londres alternativa com a missão de recuperar um perigoso livro. Mas quando eles chegam, ele já foi roubado.

É bem difícil que eu me empolgue efetivamente com uma obra antes de lê-la. E foi o que aconteceu com A biblioteca invisível. Esse livro chegou ao meu conhecimento com o convite para participar de uma ação para promovê-lo na Bienal, via Conselho Steampunk. Para quem não me conhece, explico: sou a louca do steampunk a nível estético e acumulo figurinos.

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Com os confrades do Conselho Steampunk na Bienal do Livro.

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Em uma ação em Campinas.

Já na sinopse, vários pontos me agradam: protagonista feminina, biblioteca enorme com mistério, Londres, livro, roubo. Como eu esperava e torcia, esse é um livro sobre amantes de livros e para amantes de livros. O propósito da biblioteca é proteger as criações únicas de cada universo alternativo.

“As descobertas científicas são as mesmas nos alternativos e, apesar de, sem dúvida, serem importantes, não as valorizamos como valorizamos o trabalho criativo. Pode haver uma centena de irmãos Jacob e Wilhelm Grimm em cem mundos diferentes, e em cada um deles eles podem ter escrito um conjunto diferente de contos de fadas. É aí que está o nosso interesse.”

Embora as mesmas leis físicas estejam em vigor nos diferentes alternativos, seus paradigmas de magia e de tecnologia variam muito, e a existência de seres sobrenaturais também. Kai, o assistente que Irene nunca pediu, veio de um alternativo no qual magia e ciência se mesclavam com naturalidade. E ele consegue lidar bem com essa mistura, que também está presente no alternativo no qual se passa a maior parte do livro – mas é inconsistente nas suas explicações e rapidamente Irene, e o leitor, suspeitam que há mais em Kai do que ele revela.

Irene (à parte dos disfarces, esquemas e desconfianças embasadas) é uma pessoa franca, ao menos para o leitor, que acompanha o seu ponto de vista durante todo o livro. Ela conhece a Biblioteca desde sempre, pois teve o privilégio de ter pais bibliotecários – e, justamente por isso, um tanto distantes. Apesar disso, Irene tem bastante afeto, que nem sempre é expresso, por sua superior, seu assistente, o Grande Detetive que acaba por ajudá-los na missão, pela própria Biblioteca e por livros. Embora ela tenha algumas teimosias que me soaram infantis, como a rivalidade com sua colega Bradamant, a personagem cresce em suas percepções e ações ao longo da história.

O “poder” dos bibliotecários – e digo poder porque se difere dos sistemas de magia que os outros seres usam – é o acesso e uso da Linguagem. Soa como a língua nativa de um leigo, mas é a Linguagem primária na qual se fundamenta a realidade, e ela se organiza de maneira particular. Os bibliotecários precisam atualizar o vocabulário constantemente, pois seu uso exige precisão. E a Linguagem funciona melhor para sugerir que os objetos façam coisas que lhes sejam naturais; como é natural a uma pedra ser imóvel, por exemplo. Como já mencionei na resenha de Léxico, gosto muito quando a ficção potencializa o poder da palavra.

Eu fiquei um pouco decepcionada com a maneira que a sexualidade da protagonista é trabalhada na trama. A autora perdeu uma ótima oportunidade de deixar em aberto se Irene é bissexual ou não, mas escolhe desfazer nossas suspeitas com uma negativa da própria personagem – embora não fique claro em nenhum momento o que exatamente aconteceu na missão que gerou o boato. Apenas sabemos que envolve uma ladra deveras charmosa. E há uma cena de tensão sexual entre ela e Kai, o assistente inacreditavelmente escultural e gracioso, que vem do nada. E não me parece ter propósito nenhum, porque a relação que se desenvolve entre eles teria tido o mesmo desenrolar sem esse momento constrangedor no qual eles contam vantagem passiva-agressivamente de como são bons na cama. (Não façam isso em casa. Nem fora dela.)

A missão na qual se centra a trama é, como seria esperado, pegar um livro. O que não era esperado é o livro ter mudado de proprietário algumas vezes e o último ter tido sua cabeça cortada e exibida no jardim de sua própria casa durante uma festa. Logo vê-se que esse dia foi l0k0. Irene e Kai têm que lidar com complôs e intrigas que envolvem sociedades secretas e politicagem feérica, e às vezes centopeias mecânicas e inimigos mais poderosos do que eles podem enfrentar.

O ritmo da narração é bem instigante e os capítulos têm um tamanho bom para se ler durante os deslocamentos pela cidade. As aventuras envolvem perigos de verdade, dos quais nem sempre os personagens saem ilesos. O componente steampunk existe e faz parte do pano de fundo paradigmático do alternativo que contextualiza a missão, além das geringonças tecnológicas afetarem o andamento das coisas. As constantes comparações a Doctor Who não são injustas; além das viagens entre universos paralelos, há o toque britânico no humor. A biblioteca invisível é o primeiro de uma série, e lançamento dos próximos dois livros parece já estar confirmado pela Morro Branco. E eu já estou ansiosa pelos próximos.

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A biblioteca invisível
Autora: Genevieve Cogman
Tradutora: Regiane Winarski
Editora: Morro Branco
Ano de publicação: 2015
Ano desta edição: 2016
367 páginas

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Citações favoritas

A acusação implícita de mentira, ou no mínimo de omissão, a atingiu com um tapa na cara. Não ajudou em nada o fato de, sob alguns aspectos, ser verdade. Ela baixou os olhos e não conseguiu responder. Pior de tudo, pela primeira vez em anos só estamos fazendo isso para salvar os livros soou mesquinho, e escolher não saber mais pareceu infantilidade.

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Irene encheu rapidamente a xícara de café de novo e tentou ignorar sentimentos de desgraça iminente. Tinha sido uma manhã tão agradável.

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“Porcaria de amadores imaturos” murmurou a senhora Jenkins, e passou as mãos pelos controles, virando dois interruptores e girando um botão antes de pegar uma alavanca. O zepelim se inclinou e começou a se mover para frente. “Passageiros, agora estamos no ar, a caminho da Biblioteca Britânica. Conversem aí enquanto piloto esta porcaria, porque não gosto que me distraiam.”

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9 respostas em “[Resenha] A biblioteca invisível

  1. Eu tinha o pé atrás com esse livro, nenhuma resenha deixava esclarecido sobre o que se tratava e me parecia ser mais uma fantasia contemporânea. Mas quando eu li a sinopse, me apaixonei! Os motivos: biblioteca, mistério e Londres foram justamente os que me chamaram atenção!

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