Sinopse: Em uma obra em que o leitor é levado constantemente a questionar o que lhe é apresentado, Delphine de Vigan constrói um clima confessional, sombrio e opressivo para expor a obsessão do mercado editorial e do cinema pelas narrativas baseadas em fatos reais. A linha tênue entre verdade e mentira oscila para enriquecer uma poderosa reflexão sobre o fazer literário e questionar as fronteiras entre aparentes dicotomias, como real e ficção, razão e loucura, público e privado. Um livro brilhante, que joga com os códigos da autoficção e do thriller psicológico.
O livro me pareceu perturbador desde a capa. Não foi difícil decidir que queria lê-lo.
Delphine de Vigan é autora e personagem dessa obra, que trata da sua relação com L., uma ghostwriter encantadora. A autora conta, de maneira nem sempre linear, como a relação delas se estreitou e fala de suas inquietações sobre ela. As duas se conhecem em um período no qual Delphine está sentindo o peso do sucesso, por ter um livro confessional tornado best-seller, mas ainda tem a autoimagem de uma autora iniciante e, em alguns momentos, de uma adolescente desajeitada. L., cujo nome jamais é revelado ao leitor, como exige a sua profissão, tenta mostrar a Delphine quem ela realmente é – mas segundo sua própria ótica.
L. a princípio é gentil e empática, mas não revela mais do que o estritamente necessário. A narrativa de Delphine percebe isso em restrospecto, mas à época em que aprofundava essa amizade tudo parecia perfeitamente normal. L. parecia uma mulher organizada e admirável, cujos gestos e elegância Delphine invejava. Até que aos poucos a autora nota mudanças no comportamento da amiga, alertando o leitor com alguma antecedência de que algo não está certo. Parece uma maneira pouco sutil de construir um mistério, mas durante a leitura senti que estava conversando com uma amiga que não queria me entregar o melhor da história antes da hora.
Sob as constantes perguntas de qual será o seu próximo livro, Delphine tenta se focar em um projeto que a agrada e que ronda sua mente há algum tempo. Mas escrever parece cada vez mais difícil e ela se vê obrigada a pedir ajuda a L., que tem sua própria visão sobre do que a verdadeira literatura deve ser feita. Embora nem sempre concordasse com a posição de L. sobre sua própria obra, Delphine se via cada vez mais dependente da ajuda dessa amiga simultaneamente dedicada e controladora.
Acredito que minha identificação com a protagonista é em grande parte responsável por eu ter gostado muito do livro. Embora eu seja autora de exatos zero best-sellers, muitas vezes reconheço em mim a sensação de impotência de Delphine, bem como a tendência de procrastinar tarefas que são importantes para mim, investindo tempo em relações que me trazem algum conforto. Além disso, a questão do que importa na literatura também me é muito cara, e aqui é abordada com muito impacto, em diálogos que apresentam posturas conflitantes. Mas a questão central é: do que se constitui a verdade? E por que uma das maiores violências que se pode praticar é desconsiderar a verdade de alguém?
Conforme eu avançava na leitura e refletia sobre os problemas levantados na obra e em um workshop de ilustração (MARAVILHOSO, por sinal) que fiz na mesma época, mais inquieta fiquei sobre os pontos de vista revelados em uma obra. Delphine se despe enquanto autora na construção de uma ficção que simultaneamente enaltece e denigre a si mesma e a uma personagem que também escreve, mas jamais para si mesma. É uma metaficção assumida, mas que tem tons viscerais enquanto discute a artificialidade necessária para que a escrita seja possível, e a verdade necessária para que seja interessante.
Recomendo para pessoas que se interessam por processos criativos difíceis e por relações complicadas, bem como por uns sustos no final de uma narrativa relativamente tranquila.
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Baseado em fatos reais
Autora: Delphine de Vigan
Editora: Intrínseca
Tradutor: Carolina Selvatici
Ano de publicação: 2016
254 páginas
Este livro foi cedido em parceira com a Intrínseca
Citações favoritas
Em outros tempos, e até em alguns momentos antes, aquilo teria me deixado muito feliz e, sem dúvida, orgulhosa. […] Conhecia aquela angústia, aquela solidão um pouco vergonhosa. Mas, naquele momento, fui invadida por uma sensação totalmente diferente, um tipo de assombro. Por um instante, uma ideia me passou pela cabeça: era demais, demais para uma única pessoa, demais para mim.
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Parecia ser um intervalo: uma dessas zonas de transição, de expectativas vagas, que marcam o fim de um período para dar lugar a outro. Um desses momentos em que, por medo de um curto-circuito, cuidamos para que os eventos não se atropelem, não colidam e para que o que deve ser realizado o seja.
Eu estava ansiosa para me calar.
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“Você não pode entrar tanto na construção, no artifício, no embuste. Senão, seus personagens serão como lenços de papel, nós os jogaremos fora assim que a primeira lixeira surgir. E os esqueceremos. Porque não resta nada dos personagens de ficção se eles não tiverem nenhuma ligação com o real.”
Baseado em fatos reais foi o melhor livro que li em 2016. Achei genial!
Eu amei muito! Achei demais que mesmo já esperando o final, ele não ficou sem graça ❤