Esta resenha contém SPOILERS do primeiro volume da série, Guerra do velho.
Sinopse:
Na continuação do premiado romance Guerra do velho, a tenente Jane Sagan descobre um ardil sendo tramado contra a humanidade e um plano para a subjugação e a erradicação de sua espécie inteira. É um genocídio planejado detalhadamente com base na cooperação, até então inédita, entre três raças. E um ser humano.
Para lidar com essa trama, as Brigadas Fantasma e suas tropas que já nascem com o propósito de proteger a raça humana precisam entrar em ação. Passando por conflitos de identidade, mas com um forte senso de companheirismo, esses soldados serão liderados por Jane Sagan, que precisa impedir uma guerra entre espécies enquanto lida com um fato preocupante: em meio a suas fileiras, pode haver um traidor.
Com a escrita dinâmica, leve e inteligente característica de John Scalzi, As Brigadas Fantasma discute questões éticas e de identidade enquanto envolve o leitor na história de uma grande conspiração política e bélica.
Fonte: Editora Aleph
Guerra do velho é um dos meus livros favoritos de ficção científica de todos os tempos – eu provavelmente surtei um pouquinho quando o li. Então nem preciso explicar o quanto estava animada para ler a sequência, As Brigadas Fantasma, que desde o título promete explorar alguns dos personagens mais interessantes desse universo.
Neste livro, pra variar, a humanidade está muito ferrada. Uma investigação das Brigadas Fantasma revela um plano para aniquilar toda a raça humana, arquitetado por uma parceria inédita entre três raças alienígenas… e um humano. O homem em questão, Charles Boutin, é um cientista que serve a própria União Colonial, mas que já deu um jeito de sumir. Antes de sumir, ele realizou um inédito processo de back-up do cérebro, copiando a sua consciência para um computador, e talvez essa seja a única pista para descobrir o paradeiro e impedir os planos de Boutin.
É dessa bagunça toda que nasce Jared Dirac, um clone de Charles Boutin criado na esperança de resgatar dados da consciência do cientista. Porém, Dirac nasce como todos os outros soldados das Brigadas Fantasma – com a mente novinha em folha, sem memórias nem nenhuma noção da própria identidade, mas pronto para aprender e servir o exército. Ele é treinado, e sua superior, a tenente Jane Sagan, não fica nada feliz em saber que precisa ficar de olho no soldado, que é praticamente uma bomba-relógio. A qualquer momento, a consciência de Boutin pode aflorar, e então Dirac pode se tornar um traidor maluco e ardiloso.
Com muito menos ação que o primeiro livro da série, As Brigadas Fantasma é um livro focado em tramas políticas e principalmente em desenvolvimento de personagens. Dirac é extremamente cativante, com uma crise de identidade e conflitos existenciais e morais muito interessantes – que remetem a diversos questionamentos já consagrados por clássicos da ficção científica. Ele é provavelmente o elemento mais maravilhoso desse livro cheio de destaques. Além de se aprofundar na mente desse personagem, o leitor vai conhecer os geniais métodos de treinamento das Brigadas Fantasma, essas tropas que são tão interessantes quanto prometem.
Outro personagem que merece ser mencionado é o cientista alienígena mantido em cativeiro pela União Colonial. Apesar de ser um coadjuvante que serve como uma espécie de guru para Dirac, esse alien também passa por crises éticas e existenciais bastante tocantes, e que o tornam memorável.
Como bônus, o livro é coprotagonizado pela tenente Jane Sagan, adorada personagem que já tinha conquistado os leitores em Guerra do velho. Mas preciso dizer que minha única crítica é que parece que Scalzi deu uma tropeçada no quesito representatividade. À exceção de Sagan, quase todas as mulheres neste livro são pouco exploradas, e a grande maioria morre – aliás, existe até uma personagem que serve única e exclusivamente para alavancar o crescimento do protagonista, o que é uma tristeza. Mas vamos dar um desconto para o fato de que este foi um dos primeiros romances publicados pelo autor, lá em 2006. Desde então, Scalzi fez avanços incríveis em representatividade, por exemplo no romance Lock In, de 2014.
Em contrapartida, é justo dizer que, desde as suas primeiras obras, Scalzi já não deixava a desejar na construção de mundo. O leitor será apresentado a inúmeras raças alienígenas, com seus sistemas de poder próprios e cenários políticos complexos, além de novas e impressionantes variações dos soldados criados pela União Colonial. Cada trecho da aventura de Jared Dirac é rodeado por uma riqueza de detalhes criativos e bem estruturados que aprofundam o universo que Scalzi criou. Nesse sentido, o autor mantém a mesma estrutura de Guerra do velho, com quantidades equilibradas de aprendizagem e de desenvolvimento da trama.
E para completar, o estilo narrativo da série é uma delícia. Doses de um humor refinado pontuam um texto ágil com explicações científicas complexas, mas apresentadas de forma simples o suficiente para não intimidar o leitor, e inteligente o bastante para transmitir toda a sua complexidade.
Se nada disso te convencer a ler esse livro, eu finalizo a resenha dizendo que o livro tem orgias, um cientista maluco e grandes explosões. Espero que isso seja suficiente.
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As Brigadas Fantasma
Série Guerra do Velho – volume 2
Autor: John Scalzi
Tradutor: Petê Rissatti
Editora: Aleph
Ano desta edição: 2017
376 páginas
Citações favoritas:
Os genes que vêm de outros seres humanos em geral apresentam poucos problemas de incorporação, pois o genoma humano é fundamentalmente projetado para acomodar informações genéticas de outros genomas humanos (o processo pelo qual isso ocorre de forma normal, natural e entusiasmada chama-se “sexo”).
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[Essas pessoas que você viu, os real-natos, nascem sem um plano. Nascem porque a biologia manda que seres humanos façam mais seres humanos, mas não considera o que fazer com eles depois disso. Real-natos passam anos sem a menor ideia do que vão fazer. Pelo que entendo, alguns deles nunca descobrem de verdade. Simplesmente perambulam pela vida, confusos, e caem no túmulo quando ela acaba. Triste. E ineficiente. Vocês podem fazer muitas coisas na vida, mas caminhar por aí confusos não será uma delas. Nasceram para proteger a humanidade. E são projetados para isso. Tudo em vocês, até seus genes, reflete esse propósito. Por isso são mais fortes, mais rápidos e mais espertos que outros seres humanos.]
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Quando o poder está ao alcance, poucos esperam pacientemente por ele.
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– Ai, meu Deus – disse Szilard. – Preciso mandar que você coma essa porcaria?
– Talvez ajude – admitiu Robbins.
– Que seja. Coronel, estou dando uma ordem direta. Coma a porra do cookie.
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[Mas o senhor pode ler o pensamento das pessoas], insistiu Sagan.
[Sim, mas a maioria das pessoas é chata], confessou Szilard. [Quando recebi a atualização, depois que me colocaram no comando das Forças Especiais, passei um dia inteiro ouvindo o pensamento das pessoas. Sabe o que a maioria das pessoas está pensando na maior parte do tempo? “Estou com fome.” Ou: “Preciso cagar”. Ou: “Quero trepar com aquele cara”. E depois volta para: “Estou com fome”. E depois repete a sequência até morrer. Acredite, tenente. Passe um dia com essa capacidade, e sua opinião sobre a complexidade e a maravilha da mente humana sofrerá um declínio irreversível.]
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– […] Não vá me dizer que você é feliz de ser consciente. Consciente de que foi criado para um objetivo que não era a própria existência. Consciente das lembranças da vida de outra pessoa. Consciente de que seu objetivo é apenas matar pessoas e coisas que a União Colonial aponta para você. Você é uma arma com um ego. Seria muito melhor sem o ego.