Sinopse:
A ciência pode mudar o mundo, para o bem ou para o mal. É com isso em mente que um despretensioso escritor começa a trabalhar em um livro sobre um dia que mudou o curso da história: o bombardeio atômico no Japão. O ponto de partida da pesquisa é o próprio inventor da bomba, o falecido cientista Felix Hoenikker, mas, ao tentar descobrir mais sobre essa figura histórica, o escritor acaba se envolvendo com o legado de Hoenikker e com a família do cientista. Seu trabalho o guia então a inusitadas descobertas e reflexões sobre diversos aspectos da sociedade. Enquanto conhece novos personagens e até um desconhecido país caribenho com uma religião banida pelo governo , o protagonista passa por transformações pessoais e por reflexões sobre política, filosofia e religião. Em uma história entrelaçada pelo que o narrador acredita ser, incontestavelmente, providência divina, personagens pitorescos de diversas nações vão se encontrar. Suas interações engraçadas e perturbadoras são parte do caminho que todos eles compartilham até seu destino inexorável.
Fonte: Editora Aleph
QUE LIVRO INCRÍVEL. Era tudo o que eu conseguia pensar ao terminar a leitura de Cama de gato.
Esse romance de 1963, cujas características de ficção científica demoram bastante para se revelar, é uma história crítica e engraçada sobre adultos irresponsáveis e política mundial.
Na trama, o narrador Jonah está trabalhando em um livro sobre o dia do bombardeio atômico no Japão – seu livro traria entrevistas e relatos sobre o que diversas pessoas estavam fazendo no fatídico dia. Sua pesquisa começa com Felix Hoenikker, um dos inventores da bomba. Como Hoenikker já é falecido, o escritor procura seus filhos, conhecidos e colegas de trabalho para coletar histórias sobre o cientista.
Nesse começo, é difícil imaginar para onde essa trama está nos levando. À medida que faz suas entrevistas, o narrador do livro é involuntariamente puxado por caminhos inusitados e conhece novos personagens, e o leitor tem a mesma sensação de ser arrastado sem saber exatamente para onde. Para o narrador, a série de eventos esquisitos do livro (que só mais para a frente começam a se encaixar e fazer algum sentido) não são coincidências. Sua narrativa, inclusive, é cheia de referências à misteriosa e bizarra religião seguida por ele, o bokononismo, segundo a qual todos os eventos vividos pelos personagens servem a um propósito do plano superior.
Os personagens centrais de Cama de gato são a família Hoenikker – o falecido cientista e seus três filhos, cuja trajetória se entrelaça inusitadamente com a do protagonista e com a história de um país fictício que também se tornará central na trama, a República de San Lorenzo. Claramente afetados pela criação fria e distante do pai, os irmãos Hoenikker são adultos perturbados e um tanto irresponsáveis, e guardam um segredo que pode mudar o curso de toda a história.
Vários coadjuvantes ajudam a compor o humor único desse livro. Num estilo parecido com o de Monty Python, o autor compõe diálogos cômicos e absurdos entre adultos que não parecem fazer muito sentido, e que me renderam várias risadas ao longo da leitura.

Ilustração de Matt Mims inspirada em Cama de gato
Kurt Vonnegut escreveu esse livro durante a Guerra Fria e estava decepcionado com o uso da ciência para a produção de armas de destruição em massa. Esse assunto é muito presente no romance, inclusive na forma como os cientistas são retratados: homens inescrupulosos e irresponsáveis, que não se importam com os resultados de seus estudos e experimentos científicos. O livro também faz críticas sarcásticas a assuntos como religião, família e política mundial, em diversos momentos alfinetando o ufanismo norte-americano e o colonialismo.
Cama de gato é uma das obras mais bem escritas que já li, com sua trama intricada e bem pensada, composta de forma simples e bem-humorada. Kurt Vonnegut é genial.
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Cama de gato
Autor: Kurt Vonnegut
Tradutora: Livia Koeppl
Editora: Aleph
Ano de publicação: 1963
Ano desta edição: 2017
280 páginas
Citações favoritas:
Como diz Bokonon: “Sugestões de viagem peculiares são aulas de dança de Deus”.
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– Às vezes me pergunto se ele não nasceu morto. Nunca conheci um homem menos interessado nos vivos. Às vezes acho que esse é o problema do mundo: muitas pessoas em cargos importantes estão mortas, frias como pedra.
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As palavras parafraseavam a sugestão de Jesus: “Daí a César o que é de César”. A paráfrase de Bokonon era assim: “Não ligue para César. César não tem a menor ideia do que está realmente acontecendo”.
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– Também quer tirar uma foto minha?
– Você se importa?
– Penso, logo, existo, logo, sou fotografável.
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– Se quer a opinião de um especialista, o dinheiro nem sempre traz felicidade.
– Obrigado pela informação. Você me salvou de uma baita encrenca. Eu estava prestes a ganhar dinheiro.
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As pessoas falam qualquer coisa só para manter funcionando as cordas vocais, assim elas estarão prontas para quando realmente tiverem algo significativo para falar.
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“Maturidade”, diz Bokonon, “é uma grande decepção para a qual não há remédio, a menos que se possa dizer que uma risada resolva qualquer coisa.”
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[A] lama em forma de homem se sentou, olhou em volta e falou. O homem piscou. “Qual é o propósito de tudo isso?”, ele perguntou educadamente.
“Tudo deve ter um propósito?”, perguntou Deus.
“Certamente”, disse o homem.
“Então deixarei que você pense em um propósito para tudo isso”, disse Deus. E Ele foi embora.
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“Cuidado com o homem que fica obcecado com a ideia de aprender algo, ele aprende essa coisa e descobre que não ficou mais sábio por causa disso”, diz Bokonon. “Ele tem um ressentimento assassino contra as pessoas ignorantes, que assim o são naturalmente, sem terem tido todo o trabalho que ele teve.”