Sinopse:
Um assassinato ocorre em um quarto de hotel em Washington. Junto à vítima está um homem banhado em seu sangue, que alega não ter sido responsável pelo crime. O caso logo se torna da alçada do FBI, pois envolve uma nova e especial classe de indivíduos. Os hadens são pessoas que, devido a uma síndrome, tiveram sua mente encarcerada em um organismo imóvel. Para viver em sociedade, eles transferem sua consciência para estruturas robóticas ou alugam o corpo de indivíduos saudáveis. A investigação desse assassinato leva agente Shane e sua parceira Vann não apenas a mergulhar no mundo dos hadens, mas a descobrir uma rede de interesses políticos e econômicos envolvendo sua cultura e seus veículos robóticos. Em mais um de seus best-sellers, John Scalzi, ganhador do prêmio Hugo, constrói um mundo futurista plausível e bem explicado. Encarcerados é uma mistura perfeita de ficção científica e romance policial, repleto de intrigas políticas e polêmicas sociais e tecnológicas.
Fonte: Aleph
John Scalzi sempre escreve boas histórias. Essa provavelmente deveria ser uma das leis da ficção científica. Seu último livro lançado no Brasil, uma mistura de ficção científica com romance policial, não foge à regra.
Em Encarcerados, uma epidemia mundial matou centenas de milhares de pessoas. Entre os sobreviventes, muitos desenvolveram a chamada Síndrome de Haden – devido à ação do vírus em seu sistema nervoso, esses indivíduos perdem totalmente o controle do corpo, enquanto sua mente continua ativa. A solução para reintegrar à sociedade esses indivíduos, chamados de hadens, é estabelecer uma comunicação entre sua mente saudável e corpos robóticos. Assim, uma pessoa com Haden permanece 24 horas em uma cama hospitalar, mas ao mesmo tempo sua mente controla um corpo robótico que trabalha, frequenta reuniões sociais e interage normalmente com os demais. O que Scalzi criou nesse livro é basicamente o inverso de realidade virtual – os personagens só poderiam se comunicar (e existir!) dentro dos computadores, e por isso têm que usar avatares físicos para poder interagir no mundo real.
Nesse contexto, Chris Shane, um haden famoso de uma família rica, é contratado como investigador especializado pelo FBI, e o leitor acompanha seu primeiro trabalho. O caso é um assassinato que ocorreu em um quarto de hotel, e o principal suspeito é um integrador – pessoas que alugam seus corpos, por um período de tempo limitado, para que hadens possam controlá-los como avatares vivos. O integrador alega não ter nenhuma lembrança do que aconteceu na cena do crime e, protegido pela lei, não é obrigado a revelar quem é o cliente que estava controlando seu corpo.
A investigação é complexa e intrigante, e revela uma conspiração muito maior do que o assassinato. É uma história cheia de detalhes (em certo ponto comecei a anotar os personagens, para não me perder), mas o que mais gostei nesse livro não foi a trama em si, e sim a construção de mundo – que é sempre um ponto forte na obra de Scalzi.
Ao longo da história, o autor vai detalhando o mundo pós-Síndrome de Haden, e nos mostra tudo o que mudou na sociedade desde que a epidemia aconteceu. Acompanhamos a busca de Chris por um apartamento que atenda às suas necessidades, e inúmeras discussões sobre os direitos e as necessidades dessa nova parcela da população. O livro trata de questões relevantes sobre políticas públicas para deficientes, e também sobre capacitismo. Além disso, acompanhamos detalhes de histórias bastante realistas e que só seriam possíveis dentro desse universo, como a história da parceira de Chris, agente Vann, uma ex-integradora.
Outra preocupação do autor é a representatividade. Personagens homossexuais estão presentes na trama; são homens de negócios adultos e ricos, e ninguém os trata diferente por sua sexualidade. Além disso, já passa da metade do livro quando a etnia do protagonista é revelada. Mas a maior revelação sobre o protagonista é, na verdade, algo que a maioria dos leitores não nota: seu gênero não é especificado em momento algum. Nesta resenha, me refiro a Chris no masculino por força do hábito e por esse ser o gênero predominante na língua portuguesa; mas no livro, nunca é mencionado se Chris é um homem ou uma mulher. Essa dualidade faz todo o sentido no contexto da obra, considerando que Chris convive com a Síndrome de Haden desde a infância e, por isso, o sexo de seu corpo biológico nunca interferiu em suas relações sociais. Como este texto em inglês explica, essa é uma forma interessante de fazer com que o leitor tire suas próprias conclusões sobre o gênero do protagonista, tanto com base em seus preconceitos como nas interações entre Chris e os outros personagens.
Encarcerados foi lançado como um livro único e funciona como tal, mas este mês o autor lançou uma continuação chamada Head On, ainda sem previsão de lançamento no Brasil. O primeiro livro aborda tantos detalhes interessantes sobre o mundo dos hadens, que já estou bastante curiosa para saber o que mais o autor guardou para o próximo. Mas, por enquanto, recomendo fortemente a leitura de Encarcerados, seja como um bom romance (de qualquer dos dois gêneros em que se encaixa), como um debate social ou como uma aula de como construir um universo.
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Encarcerados
Autor: John Scalzi
Tradutor: Petê Rissatti
Editora: Aleph
Ano desta edição: 2018
328 páginas