[Resenha] Uzumaki

Uzumaki-JUNJI-ITOKirie Goshima e Shuichi Saito vivem na pequena cidade de Kurôzu-cho, que se vê repentinamente assolada por uma estranha maldição: os seus habitantes tornam-se obcecados por objetos com a forma de espirais (conchas de caracol, remoinhos e padrões) e acabam por morrer misteriosamente. Kirie e Shuichi elaboram um plano para escapar da cidade, mas os seus esforços não têm sucesso e, ao regressar, acabam descobrindo qual é o centro da espiral.

Uzumaki é um mangá muito franco em sua proposta: em japonês o nome já anuncia que tratará de uma espiral. O leitor deve estar preparado para se ver cercado e envolvido por um horror que se adensa e aprofunda. A história traz um terror episódico sobre a fictícia cidade de Kurôzu e foi originalmente publicada na revista semanal Big Comic Spirits de mangás seinen (voltados para o público jovem masculino). A obra já havia saído no Brasil pela Conrad e agora ganha uma edição única e caprichada pela Devir.

A jovem e adorável Kirie Goshima nos apresenta à sua cidade e às progressivas tragédias que a acometem. Shuichi Saito, seu namorado, sugere a ela uma opção sensata já no início da história: fugir de lá imediatamente. Porém, a medida parece exagerada tanto para Kirie como para o leitor. Afinal, Shuichi soa um pouco paranoico dizendo que seu pai está muito estranho, que a cidade está tentando desestabilizá-lo, que seu mar é sombrio e seu farol é funesto. Mas ele estuda na cidade vizinha e sente o impacto da volta a Kurôzu todos os dias. A que os habitantes se acostumaram e o que estão deixando de ver?

Os casos trágicos regidos pela espiral são concatenados pelo elemento mais reconhecível do terror: nossa discordância da protagonista frente à inevitabilidade da desgraça. A narrativa nos permite prever acontecimentos e os passos em falso das personagens. Nos sentimos superiores por antecipar que algo dará errado e que faríamos tudo diferente. Que depois das primeiras mortes, já teríamos partido daquela cidade amaldiçoada.

Essas satisfatórias ironias do gênero são apresentadas em uma narrativa gráfica bem construída, com riqueza de detalhes e mudanças de ângulos que acentuam a ação e o impacto do elemento visual de terror – que em Uzumaki é muito físico e gráfico. As deformações e mutilações sofridas vêm em um traço denso e expressivo, com texturas bem-feitas; tudo em cenários com grande riqueza de detalhes.

A narrativa é (quase) cíclica, em uma espiral metalinguística que faz o leitor sentir familiaridade e desespero: as situações se repetem em torno do tema da espiral e se agravam a cada episódio. Concêntricas, mas descendentes.

Aprendemos a nos afeiçoar a Kirie, apesar de sua ingenuidade ostensiva. Ela apresenta muitas das características de uma final girl: é uma boa menina de cabelos mais claros que as demais, fiel a Shuichi, gentil e preocupada com os pais, responsável com o irmão. Evita ser o centro da atenção dos colegas, dispõe-se a cozinhar para o namorado debilitado e levar comida para ele em situações bem adversas. Cumpre o papel da donzela em perigo, testemunhando perigos sérios e frequentemente sendo salva por Shuichi. É ela quem move a história e quem tem informações suficientes para reconhecer o perigo e investigar a situação. Acaba sendo fisicamente marcada pela desgraça que acomete a cidade e é forçada a assumir um corte de cabelo mais masculino. Entretanto, sua trajetória é inversa à de uma final girl clássica: vamos nos afastando aos poucos de Kirie para contemplar a verdadeira protagonista, a espiralada cidade de Kurôzu.

Conforme nos aproximamos do final, o que mais assusta não são as anomalias de Kurôzu nem suas monstruosidades físicas, mas as escolhas que seus habitantes fazem frente a elas. A história escrita por Junji Ito questiona qual é o nível de catástrofe que nos permite tomar decisões controversas, entre ação e omissão, para a sobrevivência. Nos força contemplar os limites da compaixão e da humanidade em situações extremas. Como uma boa obra de terror, nos faz temer nossa realidade com uma premissa absurda.

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Uzumaki
Autor: Junji Ito
Tradutor: Arnaldo Oka
Editora: Devir
Ano desta edição: 2018
656 páginas

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