[Resenha] A parábola do semeador

parabola

Sinopse:

Quando uma crise ambiental e econômica leva ao caos social, nem mesmo os bairros murados estão seguros. Em uma noite de fogo e morte, Lauren Olamina, a jovem filha de um pastor, perde tudo e se aventura por um Estados Unidos dominado pela violência e pelo terror. Mas o que começa como uma fuga pela sobrevivência acaba levando a algo muito maior: uma surpreendente visão do destino humano… e ao nascimento de uma nova fé.

Fonte: Morro Branco

Ninguém nunca senta pra ler um livro da Octavia E. Butler esperando se sentir feliz e acolhido. Mas quando a autora se propõe a escrever uma distopia ambiental do ponto de vista de uma mulher negra, você já pode se preparar para sofrer.

A parábola do semeador é ambientado nos Estados Unidos, em um mundo assolado por uma seca irreversível. A escassez de água e outros recursos faz a sociedade ruir aos poucos, e segurança pública deixou de ser prioridade há tempos: roubos, assassinatos, estupros e tráfico de drogas não são mais punidos em um país com um governo negligente e uma polícia corrupta. Para piorar a situação, novas drogas são criadas, entre elas uma que faz o usuário sentir prazer ao observar fogo – e incêndios criminosos se tornam cada vez mais comuns.

Lauren Olamina vive em um bairro murado, cuja vizinhança tenta se ajudar e sobreviver em meio a esse caos. Mas a garota tem um segredo, também relacionado às drogas: sua falecida mãe era usuária de uma substância pesada, e por causa disso Lauren nasceu com a rara síndrome de hiperempatia. Isso significa que ela sente na própria pele a dor e o prazer que as pessoas à sua volta estão sentindo. Infelizmente, o mundo de Lauren tem muita dor e pouco prazer, e a garota é especialmente vulnerável à violência que a cerca.

A narrativa é feita por meio do diário de Lauren, que conta sua vida no bairro murado: as pregações semanais de seu pai, que é pastor, as aulas que ela ajuda sua madrasta a ministrar para as crianças do bairro, e as missões fora dos muros, em que os adultos lhe ensinam a usar armas.

A grande motivação da protagonista é a religião – não o cristianismo de seu pai e da comunidade, mas uma nova igreja da qual ela é o primeiro membro, e que a garota chama de Semente da Terra. Seu princípio fundamental é que “Deus é mudança”, e esse mote orienta Lauren a buscar meios de sobrevivência e adaptação para não apenas resistir ao mundo que a cerca, mas buscar uma nova forma de viver. No futuro caótico em que a garota vive, todos os programas americanos de exploração espacial foram cancelados, mas Lauren acredita que a humanidade precisa voltar a explorar o espaço, pois a Terra seria apenas a origem das sementes humanas que precisam se espalhar pelo universo. Esse objetivo distante se torna o horizonte utópico da garota e a incentiva a organizar sua comunidade e a estudar técnicas de sobrevivência, além de lhe servir de alento. Para mim, foi uma grata surpresa e um alívio encontrar uma visão tão razoável e positiva do papel da religião e da fé – em especial na ficção científica, que sempre cumpre tão bem a função de denunciar e criticar a religião.

As críticas políticas são sagazes e bastante atuais. Como tantas outras, esta é uma distopia que se passa nos Estados Unidos, mas tal como em O conto da aia, o ufanismo norte-americano perde um pouco de espaço à medida que à autora relata que a situação desse país está muito pior do que a do resto do mundo. Em Parábola, temos relatos de cidadãos fugindo de todo o país e tentando migrar para o norte – e, ironicamente, os canadenses subiram um muro na fronteira e atiram em qualquer um que tente se aproximar para adentrar o país ilegalmente.

Essa é uma obra muito rica, com diversas nuances a se estudar. Por exemplo, o papel da escrita é importantíssimo – tal como em Kindred, ela representa um instrumento de poder, e o domínio de protagonista sobre esse conhecimento tem um papel relevante na trama. Além disso, há o papel de destaque e a autonomia das personagens femininas, que comentamos brevemente no nosso vídeo sobre utopias e distopias feministas.

Inicialmente imaginada como uma trilogia, a série Semente da Terra só ganhou mais um volume (Parable of the Talents) antes que a autora falecesse, em 2006. Mas o primeiro volume também funciona como uma obra independente e bastante satisfatória, trazendo sofrimento e reflexões suficientes para deixar o leitor com o coração pesado, mas a certeza de ter lido um excelente romance.

*

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A parábola do semeador
Série Semente da Terra, vol. 1
Autora: Octavia E. Butler
Tradutora: Carolina Caires Coelho
Editora: Morro Branco
Ano de publicação: 1993
Ano desta edição: 2018
432 páginas

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Citações favoritas:

Eu sou Semente da Terra. Qualquer pessoa pode ser. Um dia, acho que seremos muitos. E acho que teremos que espalhar nossas sementes cada vez mais longe deste lugar moribundo.

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Cidades controladas por grandes empresas são velhas conhecidas na ficção científica. Minha avó deixou para trás uma estante cheia de romances desse tipo. O subgênero da cidade operária sempre pareceu apresentar um herói que era mais esperto e que vencia ou escapava “da empresa”. Nunca vi nenhuma em que o herói lutava muito para ser aceito e mal pago por ela. Na vida real, é assim que será. É assim que é.

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As pessoas não têm poder para melhorar a vida, mas conseguem deixar os outros ainda mais arrasados. E o único modo de provar a si mesmo que você tem poder é usando-o.

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Eu ouvi: “Não matarás” a vida toda, mas quando você tem que matar, você mata. Queria saber o que meu pai diria sobre isso. Mas foi ele quem me ensinou a atirar.

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O mundo está repleto de histórias dolorosas. Às vezes, parece que são o único tipo de história que existe e, ainda assim, me peguei pensando em como era linda aquela gota de água entre as árvores.

4 respostas em “[Resenha] A parábola do semeador

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