Sinopse:
Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita – apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa.
Fonte: Quadrinhos na Cia.
O que falar desse livro que li pela segunda vez e considero pakas? Sei que minha proposta para o blog é escrever e refletir sobre literatura infantil, mas não vai ser o caso desta vez. Persépolis é uma obra adulta, densa, profunda e que tem a intenção de nos fazer refletir sobre diversas situações. Pelo menos foi assim comigo, nas duas leituras.
Posso dizer que este livro suscitou em mim muitas emoções: fiquei triste, comovida, feliz, com raiva… enfim, muitas sensações! Persépolis trata da infância, pré-adolescência, adolescência e vida adulta de Marjene Satrapi, mulher iraniana que viveu uma fase de transição em seu país. É interessante notar que a autora se preocupa com o leitor, pois faz uma pequena introdução sobre a história do Irã antes de começar sua biografia.
Marjane narra sua vida na comunidade islâmica iraniana e toda a influência desse contexto sobre suas perdas, medos, hábitos e pensamentos. Isso pode ser percebido em sua relação com a religião, por exemplo. Quando passa a ser obrigada a usar o véu em sua vida pública, ela fica abismada, pois antes estudava em uma escola francesa, laica e mista. Sim, no Irã.
A infância de Marjane é minha fase preferida no livro, ela foi uma criança muito sagaz e inteligente, problematizava muito tudo o que via, comportamento que tem relação direta com a criação que recebeu de seus pais e principalmente de sua avó. Na infância ocorre a primeira situação crítica da vida da personagem: aos 10 anos, começa a ter embates internos entre razão e religião. Quando criança, Marjane e Deus eram grandes e bons amigos, entretanto a menininha também era admiradora da filosofia de Karl Marx. Ao longo da narrativa fica muito claro que sua relação com Deus começa a estremecer assim que ela se engaja em uma luta feroz contra o Xá. Para ela, não fazia sentido que Deus estivesse envolvido no sofrimento causado pelo vigente governo opressor. Ela então descobre que o golpe que deu poder à família do Xá tirou-o de sua família: o bisavô de Marjane era imperador e seu avô passou de príncipe a comunista. O que explica o fato de uma menina, desde tão nova, estar tão ligada à política: é como se isso já corresse em seu sangue.
É legal ver como a influência política permeava todas as relações em seu mundo, inclusive entre as crianças que participaram da vida de Marjane. Como mencionei, a família de Marjane era esclarecida e progressista, mas ela não se relacionava apenas com pessoas que tinham pensamentos similares aos seus. Tem, por exemplo, uma divergência com um amigo chamado Ramin, cujo pai soldado e é a favor da morte dos comunistas.
Marjane é uma menina singular, influenciada pelos pais, pelos livros e também por todos os relatos que ouve. Além de viver a revolução e presenciar a luta contra o governo, ela ouve relatos terríveis de presos políticos que eram amigos de seus pais. O que mais a impressiona são os relatos de seu tio Anuch, com quem tem uma relação muito próxima e intensa.
À medida que Marjane envelhece, sua perspectiva sobre a vida e sobre a política muda paulatinamente. Assistimos a transição política vivida no Irã junto com o crescimento dela, cuja visão política é extremamente relacionada às suas vivências. É incrível acompanhar sua experiência, seus sofrimentos, a forma como ela tem de lidar com os problemas e perdas que a guerra causam em sua vida.
Em dado momento a situação é tão grave que os pais de Marjane a mandam para a Áustria em busca de uma vida mais feliz e menos conturbada pela guerra. É o momento mais difícil na vida da personagem, já que ela precisa se adaptar a um país novo, costumes diferentes dos seus e pessoas diferentes, com as quais é obrigada a conviver. Isso tudo aos 14 anos, sem a família.
A fase da adolescência foi a mais tediosa. Devido à estadia na Europa, Marjane teve muitas das crises existenciais vividas pelos adolescentes que conhecemos e fomos, mas com o plus de embates religiosos vividos por muitos estrangeiros de religião oriental que passam a viver no Ocidente. Depois de um tempo ela se sente estranha tanto na Áustria como no Irã, não parece pertencer a lugar nenhum. Ela vive constante crise de identidade e, ao tentar se encaixar em determinados grupos, toma atitudes que não tomaria se estivesse junto dos pais, como o uso de drogas, relações sexuais e desilusões amorosas. Tudo isso culmina em sua volta para o Irã.
O final do livro não chamou muito minha atenção, já que acho a parte inicial do quadrinho a coisa mais sensacional do universo! Ver uma criança ter as reações como as que tem Marjane perante fatos cruéis, violentos e espantosos, é algo muito intenso, e para comprovar o que eu estou dizendo basta ler as citações a seguir.
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Persépolis
Autora: Marjane Satrapi
Tradutor: Paulo Werneck
Editora: Quadrinhos na Cia.
Ano desta edição: 2007
352 páginas
Citações preferidas
Eu não sabia direito o que pensar do véu. Eu era muito religiosa, mas juntos, eu e meus pais éramos bem modernos e avançados.
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Eu queria ser ao mesmo tempo a justiça, o amor e a ira de Deus.
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“Minha fé tinha lá suas dúvidas. Em 1979, o ano da revolução, era preciso fazer alguma coisa. Então eu esqueci meu destino de profeta por alguns tempos. ‘Hoje meu nome é Che Guevara.’”
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Eu me divertia vendo como Deus e Marx eram parecidos. O cabelo do Marx era um pouco mais crespo.
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“Deus! Cadê você?” Mas naquela noite ele não voltou…
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Então percebi que não sabia nada. E li todos os livros que pude.
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A verdade é que, enquanto existir petróleo no Oriente Médio, nunca saberemos o que é paz…
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Eu queria ser uma mulher culta e emancipada. Queria pegar um câncer em nome da Ciência. “Fui eu que descobri o último elemento raioativo.”
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“Seu pai agiu como um herói. Você tem que se orgulhar dele!” “Eu preferia meu pai vivo na prisão do que herói no cemitério.” Foi o que ela me disse, palavra por palavra.
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Concluí que não tinha sido feita para morrer.
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