[Resenha] Pó de Lua

podeluacapaSinopse:

Em 2011, discretamente, a publicitária Clarice Freire criou no Facebook uma página para reunir seus escritos e desenhos. Batizou-a como “Pó de Lua”, sua receita infalível “para tirar a gravidade das coisas”. Desde então, ela vem conquistando uma legião de fãs fiéis e engajados, que se encantaram com a delicadeza de seus pensamentos, seu humor sutil e o traço despretensioso, que combina desenho e até fragmentos de palavras.

Fonte: Livraria Cultura

 

Antes de saber qualquer coisa sobre sua famosa página no Facebook, vi Clarice Freire na Balada Literária da Livraria da Vila, em São Paulo, novembro passado. Gostei tanto da sua apresentação que decidi ler o livro que reuniu alguns de seus poemas. Boa decisão: a obra me encantou.

Começando por isto: chamo seu trabalho de poesia, sem ressalvas, embora talvez seja uma definição meio limitadora. Pra quem não conhece a arte da pernambucana, é uma mistura de desenhos e palavras que ocupam no máximo uma página dupla, pequenas frases ou pensamentos que a autora começou a escrever durante o expediente em uma agência de publicidade.

Tanto a caligrafia como os desenhos têm um ar feminino, delicado, às vezes meio infantil, que pode mascarar um pensamento bastante profundo. Não que as páginas sejam recheadas de elucubrações existenciais (e algumas são bem simples), mas Clarice toca em alguns assuntos vastos e universais, como saudade, amor e solidão. Por vezes as delicadas brincadeiras de linguagem requerem um momento a mais do leitor para serem percebidas – e então os múltiplos sentidos se revelam, e podem te deixar pensando por um bom tempo.

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Aliás, esses jogos de linguagem são para mim o aspecto mais interessante da obra. Clarice brinca com as palavras, “desmontando-as” pra encontrar ou criar outro significado em letras e sílabas. Isso nos leva a olhar para a língua com mais atenção, obrigando-nos reparar em coisas que estavam “escondidas” à primeira vista em palavras ou expressões que usamos todos os dias.

Outras vezes ela se baseia em alguma coisa nada poética – um fósforo, uma estrada, um telhado – e usa como ponto de partida para alguns dos meus poemas preferidos do livro.

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Um recurso recorrente é o uso de setas, que levam a sílabas contidas em várias palavras do poema: algo que funciona muito bem em algumas páginas, mas que em outras achei um pouco desnecessário e cansativo. Preferi as páginas em que esses pedaços de palavra tinham sentido por si só, o que justifica o destaque.

Outra coisa que me ocorreu é como seria impossível traduzir uma dessas brincadeiras da linguagem. Os teóricos podem até dizer que tudo pode ser traduzido, mas queria ver uma boa versão em outra língua de páginas como esta, por exemplo:

Garanto que se você tentar por mais de 2 minutos sua cabeça vai explodir.

Garanto que se você tentar por mais de 2 minutos sua cabeça vai explodir.

Mesmo que fosse feita, uma tradução exigiria uma enorme adaptação. E, paradoxalmente para uma tradutora, adoro coisas intraduzíveis: acho lindo quando um texto é totalmente inerente a uma língua específica.

Resenhar poesia – ou como quer que chamemos a arte particular de Clarice – é difícil. Meus poetas e poemas preferidos não são determinados pela métrica, e sim por como me tocaram. Claro que não é porque Clarice tem mais de 1 milhão de seguidores que todo mundo vá necessariamente gostar do livro, mas acho que há boas chances de alguns dos tópicos de que fala atingirem o leitor sensível, se este estiver aberto a um pouco de lirismo na vida.

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Pra terminar, um comentário sobre a edição: é uma graça, toda azul por fora. Fiquei com vontade de presentear o livro para várias pessoas; por enquanto, deixo o meu na cabeceira.

*

Pó de Lua
Autora: Clarice Freire
Editora: Intrínseca
Ano de publicação: 2014
192 páginas
Livro cedido em parceria com a Intrínseca.

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4 respostas em “[Resenha] Pó de Lua

  1. Amo esses livros como o da Clarice e o do Gabriel (Eu não me chamo Antônio), acho lindos, poéticos e profundos. E muitos dos textos são como você mencionou, muito, mas MUITO difícil de traduzir. Acho uma mágica da nossa língua portuguesa, tão rica!

    Tive uma professora de literatura que uma vez mandou na sala “Por que nossa literatura, que é tão boa, não é comentada mundo afora?”. Aí todo mundo ficou com aquela cara de pastel (e de alguns dava pra até escutar pensando “odeio os clássicos nacionais”) e a professora respondeu “Porque boa parte da nossa literatura não tem tradução”. E realmente, isso é de arrepiar. Vai traduzir “saudade” como?! “Miss you” não passa todo o sentimento e conceito que a palavra carrega.

    Outra vez, estava com um amigo meu que é músico (ele tem uma banda que é até conhecida) comentou o quão difícil é escrever uma música em português. e aí ele resolveu mostrar – tocando o teclado – que em inglês, por exemplo, qualquer frase boba parece música boa. E quando ele foi cantar a mesma coisa em português ficou terrívelmente ruim! A nossa língua exige um cuidado muito grande pra qualquer trabalho ser considerado excepcional. Acho isso muito lindo ❤

    Um Metro e Meio de Livros

    • Oi, Babi! 😀 Obrigada pelo comentário.

      Claro que coisas intraduzíveis existem em todas as línguas e não é por isso que as pessoas vão parar de divulgar as literaturas nacionais por aí, mas ler algo em tradução é sempre perder alguma coisa. Uma vez vi uma edição em inglês de Grande Sertão: Veredas. Fiquei bem curiosa pra ver a tradução – por melhor que seja, vc sabe que jamais vai conseguir capturar inteiramente o que é esse livro, né? Tem algumas coisas em português (tipo Guimarães) que me deixam feliz por ser falante nativa da nossa língua.

      Isso da música é bem verdade. Um fenômeno interessante… será que tem a ver com a gente estar tão acostumado em ouvir músicas em inglês? Não sei, mas com certeza tem algo da língua também. Às vezes quando traduzimos as coias soam bem estranhas em português mesmo. Por outro lado, boa poesia/música em português, pra mim, é uma das coisas mais lindas. Gosto de poesia em inglês, mas não costuma me tocar do mesmo jeito.

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