[Resenha] Surpreendente!

SurpreendenteSinopse:

No cinema, tudo é possível. O improvável depende apenas das decisões tomadas pelos roteiristas. Pedro sabia que a vida real era bem diferente. Ele teria uma única chance para realizar seu sonho: produzir o filme perfeito durante uma viagem amalucada com seus melhores amigos e com a menina por quem estava apaixonado. Sem roteiro, ele nem sequer sabia o que queria descobrir na estrada. O mistério em torno do seu amuleto – um olho turco – podia ser pura fantasia.

Fonte: Intrínseca

Pedro é um jovem paulistano alegre, de bem com a vida, cheio de boas intenções. Sua paixão pelo cinema o move: ele trabalha numa locadora e é diretor/curador do último cineclube da cidade. Seu sonho é dirigir um filme que seja premiado com o Cacau de Ouro e, enquanto não o alcança, vive com a meta diária de mudar a vida de alguém por meio da recomendação de algum filme clássico. Ele também se considera uma aberração positiva da natureza: no começo da adolescência, foi diagnosticado com uma doença genética que eliminou sua visão periférica e parte da visão central. Mas, ao contrário das expectativas dos médicos, a doença de Pedro estagnou e ele pôde seguir sua vida normalmente, e continuar assistindo e dirigindo os filmes que tanto ama.

Porém, uma série de adversidades, incluindo violência urbana, problemas familiares e o fechamento do cineclube, abala sua fé e alegria de viver, e Pedro decide cair na estrada em busca de um segredo que, mais de dez anos antes, a avó prometera lhe contar. No caminho, ele e seus amigos vão gravar um filme sem roteiro, que Pedro espera inscrever para o tão sonhado prêmio.

Eu gosto muito de personagens alegres e minha primeira impressão sobre esse livro foi boa. Mas Pedro se revela um falso otimista. Apesar das falas inspiradoras e do esforço narrativo para transformá-lo num anjo sorridente, a verdade é que, quando problemas começaram a surgir, ele reagiu como um garoto de 15 anos, apesar de ser dez anos mais velho que isso. Ao longo do livro, ele tem vários chiliques e joga acusações raivosas e indevidas para cima de todos que o amam.

Vai entregar os pontos, é isso? Só porque teve a iluminação de que a vida é uma bosta? A vida é uma bosta pra muita gente, meu caro. E nem todo mundo resolve se trancar em casa por conta disso. Aliás, a maioria das pessoas tenta reverter a coisa e tornar sua existência um pouco mais digna.

Para que ele decidisse pegar a estrada, foi necessário que seus amigos lhe dessem uma bronca e lhe lembrassem que chorar num canto não resolve nada. Na maior parte do tempo, Pedro é bastante egoísta, omitindo verdades e não se importando muito com os amigos. Mas acho que é até compreensível, uma vez que eles são tão sem personalidade. Não posso nem dizer que são personagens planos, pois a verdade é que eles não têm sequer um traço de personalidade que os diferencie uns dos outros: os três são extremamente simpáticos, bem-humorados, solícitos e dedicados (não, nenhum deles tem defeitos). Só é possível diferenciá-los por seus nomes e gostos pessoais. Fit é fã de Hannah Barbera, Cristal é uma física nuclear amante de arte e Mayla… não sei, acho que Mayla gosta de filmes ruins. Não sei mesmo. E juro que prestei atenção ao livro.

É difícil ser cativado por esse grupo de amigos porque, além da bidimensionalidade de todos, o relacionamento deles com Pedro não é trabalhado. Fica bem difícil comprar a ideia de que os três vão largar todos os seus compromissos por uma semana simplesmente para pegar a estrada e ajudar aquele cara que adora cinema e que tromba com eles de vez em quando. Desgostei particularmente do relacionamento dele com Cristal. Ela é apresentada como uma garota bonita e inteligente (oh, mais um livro que trata isso como raridade!) que chama a atenção dele à primeira vista, mas de uma forma bem perturbadora: antes de sequer conhecê-la, Pedro a transforma em sua musa inspiradora. Então, a chama para sair com um diálogo bastante artificial e um papo furado digno de Tinder – e a garota cai mesmo assim, e se apaixona mesmo assim. Tudo muito clichê e bem básico.

Apesar disso, as primeiras partes do livro (no total são cinco) são razoáveis. Pequenos conflitos enchem as páginas em uma narrativa bem amarrada e gostosa de acompanhar, e o leitor fica na expectativa para a filmagem do filme de Pedro. A coisa desanda quando os amigos pegam a estrada. Além da amizade forçada entre eles, as “maluquices” que fazem durante a viagem são irresponsáveis (de uma forma bem grave) ou no mínimo bem bobas.

Perto do final, o livro vai ficando mais piegas, e Pedro vai se revelando mais egoísta e imaturo, e o pior é que as pessoas à sua volta parecem apenas idolatrá-lo, como ele mesmo faz.

Surpreendente! tem muitos defeitos, mas é um livro simpático. Não há momentos maçantes ou desnecessários e, apesar dos diálogos bem artificiais, a narrativa é agradável. A leitura flui rápido, o que compensa bastante os problemas da obra (no total, levei uns quatro dias, o que, para mim, é um recorde). A edição da Intrínseca é muito caprichada, e as páginas são impressas em duas cores – todas elas têm um olho turco azul ao lado da numeração, o que ficou bem bonitinho.

COMENTÁRIOS COM SPOILERS ENORMES:

  • Logo no começo da viagem, o grupo de amigos se depara com uma criança vendendo mexericas na beira da estrada. Pedro fica revoltado e procura o pai do garoto, para mentir que é um agente da justiça e ameaçar processá-lo por exploração infantil. A intenção da cena era mostrar como o protagonista é caridoso, mas não pude deixar de pensar no quão irresponsável foi a atitude dele. Não pensa nas consequências do que está fazendo, e não considera nem por um minuto que, apesar do susto que aquele pai leva, a vida do garotinho pode se tornar ainda pior – afinal, Pedro não vai, de fato, mandar um assistente social para acompanhar a situação e garantir o fim daquele abuso.
  • A grande revelação feita pela avó de Pedro é que o garoto é adotado – e a reação dele a essa notícia foi o que mais me irritou no livro. Ele se revolta completamente contra os pais, e os trata muito mal, sem um pingo de gratidão. Só se acalma quando descobre que o pai o achou no lixo quando bebê e, portanto, salvou sua vida. Ou seja, em outra situação, Pedro não aceitaria a adoção e não perdoaria os pais por escondê-la. Já mencionei que o personagem é egoísta? (Não vou nem comentar a aparição do pai biológico nas páginas finais…)
  • Detestei que o autor tenha usado o capítulo final para expor o duplo sentido do anagrama com a palavra “CHANCE” e as relações de cada letra com as cenas do filme de Pedro. Ficou com um ar professoral de “vou te explicar a piada”.
  • Carros não explodem quando você joga eles de um penhasco.

*

Surpreendente!
Autor: Maurício Gomyde
Editora: Intrínseca
Ano de publicação: 2015
272 páginas

Livro cedido em parceria com a Intrínseca.

Citação favorita

… se uma pessoa passar toda a existência sem fazer algo realmente excepcional por um amigo, a vida não terá valido a pena…

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4 respostas em “[Resenha] Surpreendente!

  1. Bárbara, sua resenha até agora foi a que mais me agradou. Você descreveu tudo que senti lendo o livro (inclusive a cena do garoto vendendo mexericas). Fiquei bastante surpresa quando fui dar a nota no Skoob e descobri que quase todo mundo está amando esse livro. Isso sim foi Surpreendente para mim! Risos.
    Beijo! ❤

    • Ah, Eduarda, é ótimo achar alguém que compartilhe minha opinião sobre esse livro! Muito papo furado (principalmente nos diálogos) e muita gente fazendo besteira, né? Como eu disse, pelo menos foi uma leitura leve e rápida, se não eu teria largado.
      Obrigada pelo comentário. 🙂

  2. Pingback: [TAG] Copa do Mundo | Sem Serifa

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