Sinopse:
Nesta obra, o autor conjuga lendas da mitologia grega com aventuras no século 21. Nelas, os deuses do Olimpo continuam vivos, ainda se apaixonam por mortais e geram filhos metade deuses, metade humanos, como os heróis da Grécia antiga. Marcados pelo destino, eles dificilmente passam da adolescência. Poucos conseguem descobrir sua identidade. O garoto-problema Percy Jackson é um deles. Tem experiências estranhas em que deuses e monstros mitológicos parecem saltar das páginas dos livros direto para a sua vida. Pior que isso – algumas dessas criaturas estão bastante irritadas. Um artefato precioso foi roubado do Monte Olimpo e Percy é o principal suspeito. Para restaurar a paz, ele e seus amigos – jovens heróis modernos – terão de fazer mais do que capturar o verdadeiro ladrão – precisam elucidar uma traição mais ameaçadora que a fúria dos deuses.
Fonte: Livraria Cultura
Após 2007, fatídico ano em que a série Harry Potter chegou ao fim, críticos e jornalistas se revezaram elegendo obras que seriam a próxima sensação entre aquela enorme comunidade de fãs que ficava órfã. Qualquer pessoa com amplitude emocional maior que uma colher de chá sabe que o trono da série de Rowling não está vago e jamais estará, mas admito que a indicação de Percy Jackson como tapa-buraco no coração dos fãs é bem justificável.
Lendo o primeiro livro desta série, é impossível não reparar nas semelhanças entre a obra de Riordan e a de Rowling. Percy Jackson é um adolescente que, após anos protagonizando incidentes impossíveis, descobre fazer parte de um mundo mágico. Ele é especialmente poderoso, e vivia com um familiar extremamente não-mágico, que involuntariamente lhe provia proteção. Ele vai para um acampamento de verão onde outros jovens com poderes são divididos em equipes que dividem dormitórios e mesas de jantar e competem umas com as outras. Então parte numa aventura para salvar o mundo mágico, na companhia de dois novos amigos: uma garota extremamente inteligente e um garoto subestimado e que come qualquer coisa.
Uma grande diferença é que Ladrão de raios me pareceu uma obra um pouco mais infantil do que Harry Potter – principalmente considerando que Percy tem doze anos –, com algumas discussões bobas entre personagens (que envolviam diálogos do tipo “afe, não entendo meninas” ou “ai, meninos são idiotas”) que achei dispensáveis. Mas isso não é uma grande crítica, e a verdade é que achei esse livro delicioso.
Percy Jackson, assim como os demais jovens no chamado Acampamento Meio-Sangue, é um semideus. Criado por sua mãe mortal, ele precisa fugir de monstros mitológicos para se abrigar nesse acampamento em Long Island, onde Dionísio e Quíron coordenam o treinamento dos jovens meio-sangue para tarefas como falar grego antigo e lutar com espadas. Lá, o garoto aprende que os deuses gregos nunca deixaram de reinar sobre o mundo ocidental, e que o Olimpo, base de seu Império, muda de lugar para estar sempre no país que comanda o ocidente. Os olimpianos continuam influenciando a vida dos mortais, não apenas gerando filhos aqui e ali, mas chegando a causar as Guerras Mundiais com suas brigas e conflitos de interesse.
Durante o verão, os campistas se dividem em chalés de acordo com seu deus progenitor, e a princípio o protagonista é alocado no chalé dos filhos de Hermes, que acolhem aqueles que, como Percy, ainda não sabem de qual olimpiano descendem. Esse mistério é logo resolvido e Percy, por causa de sua ascendência e de circunstâncias cheias de spoilers, acaba sendo recrutado para uma missão fora do acampamento. Ele precisa encontrar o raio-mestre de Zeus, que foi roubado por algum outro olimpiano, e devolvê-lo ao Olimpo antes que os deuses entrem em conflito e causem a Terceira Guerra Mundial.
Antes de deixar o acampamento, Percy se consulta com o Oráculo, que lhe diz várias daquelas frases de dupla interpretação que só atrapalham. São frases que claramente tencionavam enganar o leitor e levá-lo a conclusões erradas, e foi divertido ficar tentando driblar essas pistas falsas e entender o que realmente acontecia e quem eram os verdadeiros vilões (consegui prever algumas coisas, mas outras me surpreenderam bastante).
Sua missão é muito perigosa porque, como uma boa aventura grega, ela está cheia de monstros doidinhos para matar nosso herói. Quando Percy tem que atravessar o país sendo atacado por diferentes criaturas em cada lugar pelo qual passa, a história acaba tomando o formato de uma road trip, do qual não costumo gostar muito. Achei que fosse me cansar dos ataques consecutivos de monstros perigosíssimos, mas acabei gostando porque: 1) é ótimo ficar tentando adivinhar, pelo contexto, qual criatura mitológica vai se revelar em cada cena; 2) Percy e seus amigos sempre se livram delas de forma muito criativa; e 3) ao longo dessas cenas, o leitor vai recebendo várias pistas para decifrar a trama maior, que envolve mentiras e picuinhas entre os deuses.
Os personagens desse livro são simples e bem construídos – nada na obra está sobrando, e cada personagem e sua caracterização tem um propósito bem definido. Gostei em especial do amigo sátiro de Percy, talvez por ser uma versão meio-bode de Rony Weasley. Os deuses e outros personagens mitológicos humanoides também estão ótimos, e é muito legal ver suas versões modernizadas – desde Caronte reclamando por ter de ficar de babá das almas, até Poseidon usando sandálias de couro e uma camisa de coqueiros.
Meus sentimentos em relação à mãe de Percy são bem ambíguos. Uma mulher perfeitinha e idealizada, até mesmo em sua relação com os homens. Seu relacionamento com o padrasto de Percy é claramente abusivo e desnecessário, e fiquei bem irritada que ela estivesse ao lado de um homem tão nojento para poder proteger o filho, embora esse seja um triste retrato de muitos casos reais. Felizmente, alguns acontecimentos do final amenizaram essa imagem e passaram uma mensagem um pouco mais esperançosa para mulheres na situação dela. Por outro lado, gostei bastante da mensagem que a obra passa sobre relações problemáticas com os pais. Tanto Percy como sua amiga Annabeth têm conflitos com pais que os abandonaram, e gosto de como a obra trata isso de forma nem um pouco romantizada: o relacionamento com esses pais pode ser consertado, mas não necessariamente será, e talvez seja melhor assim. E os personagens são maduros o suficiente para saber lidar com isso.
O ladrão de raios foi uma leitura que me prendeu, uma fantasia juvenil de alta qualidade escrita por um autor habilidoso. Se o Olimpo permitir, lerei os volumes seguintes.
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O ladrão de raios
Série Percy Jackson e os Olimpianos (livro 1 de 5)
Autor: Rick Riordan
Tradutor: Ricardo Gouveia
Editora: Intrínseca
Ano de publicação: 2005
400 páginas
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Citações favoritas
Eu tive uma ideia – uma ideia boba, porém melhor do que não pensar em nada.
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Minha mãe se fora. O mundo inteiro deveria estar escuro e frio. Nada devia parecer bonito.
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O que eu fiz a seguir foi tão impulsivo e perigoso que eu merecia ser o rei do transtorno do déficit de atenção do ano.
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De certo modo, é bom saber que há deuses gregos lá fora, porque aí temos alguém para culpar quando as coisas dão errado. Por exemplo, quando você está se afastando a pé de um ônibus que acaba de ser atacado por bruxas monstruosas e explodido por um relâmpago, e ainda por cima está chovendo, a maioria das pessoas acha que na verdade isso é apenas muita falta de sorte – quando se é um meio-sangue, a gente sabe que alguma força divina está tentando estragar o nosso dia.
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Hades ergueu uma sobrancelha. Quando ele chegou mais para a frente em seu trono, rostos sombrios apareceram nas dobras de suas vestes negras, rostos atormentados, como se o traje fosse feito de almas dos Campos da Punição pegas ao tentarem escapar, costuradas umas às outras. Minha porção “transtorno do déficit de atenção” se perguntou se o resto das roupas dele era feito do mesmo modo. Que coisas horríveis alguém teria de fazer em vida para merecer ser parte da roupa de baixo de Hades?
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