Robin Hobb (pseudônimo de Megan Lindholm) publicou o primeiro volume da série Realm of the Elderlings em 1995, e o 16º e último livro está prestes a ser lançado. Quem acompanha o blog sabe que eu dediquei boa parte de 2015 a essa série, que se tornou uma das minhas preferidas. Foram quinze resenhas, nas quais dá para acompanhar minha passagem de fã casual para pessoa sem controle sobre suas emoções que soluça abraçada com o livro.
Nas resenhas eu faço críticas às obras, mas esta semana estamos celebrando nossas autoras preferidas, então vou pular os problemas e focar nos motivos que me fizeram amar esses livros e sua autora. Deixa eu ser tiete, vai…
Hobb é uma autora de fantasia épica. É claro que há muitas mulheres que escreveram e escrevem fantasia de todos os tipos, mas quando se fala em fantasia épica, as chances de os primeiros nomes que você pensa serem de homens é muito grande (com a exceção, talvez, de Le Guin). Hobb publicou o primeiro livro de sua série na mesma década em que saíram os volumes iniciais de A roda do tempo e de As crônicas de gelo e fogo, e se consolidou entre esses grandes nomes. Fantasia épica é meu gênero preferido, mas li muito mais homens do que mulheres na vida, e foi incrível encontrar uma autora que me empolgasse tanto.
O escopo da série. São poucos os autores que passam mais de 20 anos no mesmo universo, e ao longo desse período Hobb constrói um mundo em constante expansão: enquanto o primeiro livro tem um foco muito local e intimista, ao longo da série conhecemos outros lugares com diferentes povos, costumes e organizações sociais. E não só ampliamos o mundo como também entendemos as conexões entre todos esses locais e como todos fazem parte de um universo interconectado. É claro que admirar essa construção exige dedicação (e às vezes paciência) do leitor, mas para quem gosta de mergulhar em milhares de páginas e se perder em um mundo secundário, é uma experiência incrível – e finalmente entender algo que você estava se perguntando 2 mil páginas atrás é uma satisfação gigantesca.
Foco nos personagens. O mundo é fascinante e tem tudo que se pode esperar de uma série do gênero… e mais (dragões? Temos. Serpentes marinhas falantes e navios sencientes? Também temos!). Mas as tramas não sobrepujam sobre os personagens. Desde os primeiros livros, narrados em primeira pessoa pelo protagonista Fitz, até as séries com múltiplos pontos de vista em terceira pessoa, os personagens de Hobb são extremamente bem trabalhados e explorados. Como meus livros preferidos são aqueles que me fazem amar e sofrer junto com os personagens, essa série me caiu perfeitamente, e mesmo momentos que alguns leitores consideram mais chatos – como descrições de fatos cotidianos e muita introspecção – serviram para que eu me envolvesse no universo dessas pessoas e me emocionasse ainda mais com o desenvolvimento da história.
Personagens femininas. Não estou dizendo que autores homens não escrevam boas personagens femininas – é claro que sim. Mas às vezes você lê uma série que muito obviamente foi escrita por uma mulher, e RotE é uma delas. Está certo que 9 dos 16 livros são narrados em primeira pessoa por um homem. Mas mesmo nesses, Hobb consegue fazer a personalidade das mulheres transparecer na narrativa, assim como jogar uma luz em seus problemas – os quais o protagonista, depois de um tempo, também percebe.
Já nos livros em que acompanhamos o ponto de vista de mulheres, isso fica ainda mais claro. As personagens de Hobb incluem mulheres de diferentes idades, profissões, estado civil, com talentos, dilemas e sonhos diferentes. Embora uma das sociedades do mundo seja matriarcal, a maioria vive em sociedades patriarcais (e machistas). E isso é uma questão central da construção dessas personagens e que é revelada não só nos grandes momentos (como em cenas de violência e estupro), mas também nos pequenos momentos de desprezo ou condescendência, na falta de opções, na insegurança que criou raízes nelas desde cedo, na necessidade e dificuldade de autoafirmar – em suma, em aspectos da vida feminina com que as mulheres ainda hoje se identificam. Além disso, violência sexual é um tema importante principalmente na trilogia Liveship Traders, e tratada com todo o respeito e a seriedade que o tema exige.
Diversidade. Outro aspecto muito importante para mim e que falta em grande parte das fantasias, especialmente as clássicas. Hobb nos apresenta: protagonistas negros (não deixe as capas gringas te enganarem!); personagens gays (uma das subtramas da série Rain Wild Chronicles é um romance entre dois homens); um personagem neurodivergente (provavelmente com síndrome de Down), que é retratado como uma pessoa tão complexa quanto as outras e é relevante para a trama; e, pra completar, um dos personagens principais de toda a série tem gênero não binário – em alguns livros se apresenta como homem, em outros como mulher, e a sua identidade (e o fato de outros personagens não a entenderem) é um aspecto importante das obras. Qual é a desculpa das pessoas pra não inserir diversidade na fantasia mesmo?
E de vez em quando ela ainda se dispõe a mandar autógrafos para os fãs! Não é maravilhosa?