[Resenha] As coisas que perdemos no fogo

as coisas que perdemos no fogoSinopse:

Macabro, perturbador e emocionante, As coisas que perdemos no fogo reúne contos que usam o medo e o terror para explorar várias dimensões da vida contemporânea. Em um primeiro olhar, as doze narrativas do livro parecem surreais. No entanto, depois de poucas frases, elas se mostram estranhamente familiares: é o cotidiano transformado em pesadelo. (…)

Uma das escritoras mais corajosas e surpreendentes do século XXI, Mariana Enriquez dá voz à geração nascida durante a ditadura militar na Argentina. Neste livro, ela cria um universo povoado por pessoas comuns e seres socialmente invisíveis, cujas existências sucumbem ao peso da culpa, da compaixão, da crueldade e da simples convivência. O resultado é uma obra ao mesmo tempo estranha e familiar, que questiona de forma penetrante e indelével o mundo em que vivemos.

Fonte: Intrínseca

Geralmente gosto muito de contos e há tempos não pegava nada de terror. Me deparar com um livro de contos macabros escritos por uma mulher latino-americana me pareceu uma ótima maneira de quebrar esse jejum.

O título do livro me chamou bastante atenção. Sempre tenho a impressão de que o fogo leva tudo e me pareceu delicada a ideia de que se pode especificar as coisas que o fogo nos tira – especialmente pensando que, em certo ponto, tudo se funde ou vira cinzas indistintas.

O conto que encerra o livro é homônimo a ele. Tem premissa intensa, que fala das coisas que se escolhe perder no fogo em prol de algo mais importante. A história é contada em um clima que transita entre o rotineiro e um de guerrilha, em que mulheres se unem e organizam nos campos com propósitos sombreados por fogueiras. A transformação do cotidiano de Silvina, a protagonista, é bem incômoda, e a perturbação provocada pela ideia central do conto persistiu em mim por alguns dias. Esse impacto do conto final ajudou a amenizar a impressão de prolongamento desnecessário que o restante do livro me passou.

Ele começa com o conto “O menino sujo”, que relata em primeira pessoa a inquietação de uma mulher que mora em um bairro decadente de Buenos Aires depois do assassinato de um menino. Ela percebe em si uma fixação por um menino de rua específico, que ocupa com sua mãe um terreno abandonado próximo à casa dela. Sua relação com o bairro, a casa e consigo mesma é transformada por esse acontecimento. É um bom conto de abertura, embora não tenha me deixado ávida pelo restante do livro. Apresenta o tom geral da obra e a capital argentina, que reaparece adiante.

Os contos entre este e o final me pareceram ou longos demais ou terminados precocemente (e aqui não me refiro ao que seria natural ao gênero de conto, mas algo mais). A maioria dos contos provocou sentimentos e impressões homogêneos demais, e eu confundiria facilmente seus acontecimentos e personagens. As exceções foram “Pablito clavó un clavito” (creio que o único protagonizado por um homem, o conto fala de um guia turístico que se envolve com as histórias de assassinatos famosos mais do que deveria), “Quintal do vizinho” (uma assistente social comete um erro que afeta sua profissão e seu casamento, e uma mudança de casa deveria arejar a relação – mas ela encontra uma oportunidade de se redimir) e “A casa de Adela” (crianças que se interessam um pouco demais por uma casa abandonada.

Apesar disso, o livro cumpre a promessa de inquietar o leitor, e a narrativa de Mariana Enriquez traz detalhes que nos permitem acreditar na ação. Muitas obsessões são descritas de maneira gradual, e senti um cuidado na linguagem dessa gradação. Outra coisa da qual gostei bastante foi o tom quase folclórico que alguns dos contos têm.

Não foi um livro apaixonante para mim, mas os contos dos quais realmente gostei foram interessantes o suficiente para me despertar curiosidade para ler outras obras da autora.

*

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As coisas que perdemos no fogo
Autora: Mariana Enriquez
Tradutor: José Geraldo Couto
Editora: Intrínseca
Ano de publicação: 2017
190 páginas

Livro cedido em parceria com a Intrínseca

 

Citações favoritas:

Há alguns códigos para que a gente possa se movimentar com tranquilidade nesse bairro, e eu os manejo perfeitamente, ainda que, claro, o imprevisível sempre possa acontecer. É questão de não ter medo, de contar com alguns amigos imprescindíveis, de cumprimentar os vizinhos mesmo que sejam delinquentes – especialmente se forem delinquentes –, de caminhar com a cabeça erguida, prestando atenção.

*

Ele não queria me matar, só queria me tratar mal e me perturbar para que eu odiasse minha vida e não me restasse nem vontade de mudá-la.

*

Sacudia as mãos no ar como se espantasse algo invisível, como se tentasse impedir que algo batesse nela. Depois começou a tapar os olhos enquanto dizia que não com a cabeça. Os professores notavam, mas tratavam de ignorar. Nós também. Era fascinante. Ela desmoronava em público sem pudores e nós é que sentíamos vergonha.

*

Camadas e camadas de sujeira para mantê-lo morto ou adormecido: dá na mesma, acho que o sono e a morte são a mesma coisa.

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