Sinopse:
“– Você poderia me contar qualquer coisa a seu respeito?’
– Acho melhor não.”
Repetida mais de 20 vezes, a frase “Acho melhor não” é uma espécie de leitmotiv, ou fio condutor, da obra-prima de Melville. A história é contada pelo sócio de um escritório de advocacia de Nova York, que se esforça para desvendar a misteriosa e impenetrável personalidade de Bartleby, um escrivão que se recusa resolutamente a realizar qualquer tarefa, sem apresentar nenhuma justificativa para tal. O fascínio pela postura do funcionário impede o advogado de tomar medidas enérgicas e, quando finalmente decide fazê-lo, é confrontado com a mesma negativa inabalável. Por que Bartebly age como age? Por que sua austera recusa tem tamanha força? Somos, nós, incapazes de lidar com aquilo que não oferece explicações? A cada resposta evasiva de Bartleby abre-se a fresta para a entrada do insólito no cotidiano do escritório de advocacia e até da vizinhança de Wall Street.
Fonte: Ubu
O cotidiano em um escritório de advocacia na Wall Street é atribulado e repleto de burocracias. O advogado que o gerencia se cerca de ajudantes e copistas para dar conta das tarefas, entre eles Bartleby. O jovem, que a princípio parece um exemplo de responsabilidade, logo começa a apresentar um comportamento inusitado e inexplicável: a qualquer solicitação feita por seu chefe, responde “Acho melhor não”. E assim, pouco a pouco, para de realizar suas tarefas e entra em um teimoso ciclo de recusa de trabalho e, mais tarde, de qualquer ação.
Apesar de há muito tempo ter recebido a indicação de ler Bartleby, e posteriormente até ganhado o livro de presente, eu estava esperando o momento certo para ler essa novela de Herman Melville. Acontece que, mesmo antes da leitura, eu já sabia que essa história do século XIX era contemporânea o suficiente para que eu me encontrasse, de vez em quando, no mesmo estado de espírito de Bartleby. E foi num desses momentos que me forcei para fora da apatia e mergulhei nessa história estranha mas factível: ao se recusar a fazer seu trabalho, Bartleby é visto como doente, e sua falta de ação perturba a paz do chefe e até dos vizinhos. Ninguém aceita vê-lo imóvel e “inútil”.
A edição da Ubu é toda pensada para dialogar com esse texto. Para abrir o livro, é preciso descosturar sua capa e, para acessar o texto, o leitor precisa cortar as páginas, que vêm grudadas umas as outras, de forma que só fica visível a foto de uma parede de tijolos – a mesma visão que Bartleby tinha no escritório em Wall Street. O livro, a exemplo de Bartleby, se recusa a oferecer seus serviços.
O que encontramos depois de todo esse unboxing (que, aliás, eu mostrei no Instagram do blog) é uma história inusitada e permeada pelo elemento insólito, à medida que o comportamento do escrivão se torna cada vez mais absurdo. A edição traz um posfácio do escritor Modesto Carone, que fala do valor artístico dessa obra e a analisa sob a perspectiva da falta de confiabilidade de seu narrador: o chefe de Bartleby. Um advogado burocrata, ele é um grande interessado na produtividade do escrivão, e não necessariamente em seu bem-estar, apesar de sempre alegar preocupação com o comportamento do rapaz. Além de Bartleby, o narrador também descreve seus outros funcionários, cada um com idiossincrasias dignas de caricaturas. A forma peculiar como fala deles e os retrata é gostosa de ler, e traz boa parte da graça e do prazer desse livro, além de poder ocultar algo sobre o caráter do narrador.
Bartleby é um dos meus tipos favoritos de história, dessas guiadas por um elemento absurdo, mas não tanto, nas quais o realismo esbarra de leve no fantástico. Mas seu contato com a realidade é inegável, e muito atual em um mundo onde nosso valor e até nossa identidade são atrelados às conquistas pessoais e à produtividade.
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Bartleby, o escrivão: uma história de Wall Street
Autor: Herman Melville
Tradutora: Irene Hirsch
Editora: Ubu
Ano de publicação: 1853
Ano desta edição: 2017
48 páginas