[Resenha] Aristóteles e Dante descobrem os segredos do universo

Esta resenha foi feita com base no e-book em inglês da Simon & Schuster. Todas as traduções de trechos foram feitas por mim.

Aristoteles-e-dante

Trecho:

Estas são as coisas que estão acontecendo na minha vida (em nenhuma ordem específica):

─ Peguei uma gripe e estou me sentindo péssimo, e também me sinto péssimo por dentro.

─ Sempre me senti péssimo por dentro. Os motivos para isso vão mudando.

─ Contei para o meu pai que sempre tinha pesadelos. E é verdade. Nunca tinha contado isso para ninguém antes. Nem para mim mesmo. Só descobri que era verdade no momento em que o disse.

─ Odiei minha mãe por um minuto ou dois quando ela me disse que eu não tenho nenhum amigo.

─ Quero saber sobre o meu irmão. Se soubesse mais sobre ele, eu o odiaria?

─ Meu pai me pegou no colo quando tive febre e quis que ele me segurasse no colo para sempre.

─ O problema não é que eu não ame minha mãe e meu pai. O problema é que não sei como amá-los.

─ Dante é o primeiro amigo que eu já tive. Isso me assusta.

─ Acho que, se Dante me conhecesse de verdade, ele não gostaria de mim.

Aristóteles e Dante (não, eles não gostam de seus nomes), ambos filhos de mexicanos, têm 15 anos quando se conhecem numa piscina pública em El Paso, no Texas, e Dante se oferece para ensinar Ari a nadar.

Ari é um adolescente solitário, que se sente diferente dos outros meninos da sua idade e enfrenta sozinho não apenas as muitas angústias comuns a essa fase da vida, como também problemas de relacionamento com a família. Seu pai é um veterano do Vietnã que “carrega a guerra dentro de si” e Ari não consegue se aproximar dele, e seu irmão, que está preso desde que Ari tinha 4 anos, é um assunto proibido na casa da família. Isso deixa o menino frustrado, até revoltado – ele quer ter o direito de conhecer a história do irmão e decidir por si mesmo como se sente em relação a ele.

Já Dante é um garoto sorridente, que ama a vida e a poesia e tem um ótimo relacionamento com os pais. O que não significa que não tenha também seus conflitos. Como descendente de mexicanos criado nos Estados Unidos, Dante tem problemas em formar sua identidade e, mais para a frente, também encara dificuldades para se assumir como homossexual.

Escolhi este livro em meio a uma lista de recomendações para iniciantes em literatura LGBT, e acredito que tenha sido posto na lista “para iniciantes” porque essa temática é muito sutil na obra. Na verdade, o amor entre os personagens é desenvolvido gradualmente, e vem acompanhado de uma forte e bonita amizade, que é muito mais trabalhada ao longo do livro, e que justifica e torna natural a evolução dos sentimentos entre os dois.

Para mim parecia que o rosto de Dante era um mapa do mundo. De um mundo sem nenhuma escuridão. Uau, um mundo sem escuridão. Não seria maravilhoso?

A premissa desta obra parece, à primeira vista, um clichê: o adolescente deslocado e solitário encontra uma pessoa que vai ensiná-lo a viver. Mas essa relação não segue os rumos que o leitor espera. Dante não leva Ari para fazer coisas incríveis e inesperadas e viver grandes aventuras. O livro, contado por Ari em primeira pessoa, foca mais nos diálogos e sentimentos dos personagens do que em suas atividades. Estas são em geral pacatas e repetitivas, mas nem por isso comuns (algumas das melhores cenas se passam no meio do deserto, aonde os dois gostam de ir para observar as estrelas). Mas o fato de os dois seguirem uma rotina não significa que a trama do livro seja parada – mais de um acontecimento grande e chocante abalam a vida dos protagonistas e os fazem rever suas escolhas de vida.

Além disso, os personagens principais são bem trabalhados e cativantes. Dante, cuja vida é mais fácil, é naturalmente menos interessante ao leitor do que Ari. Já sabe nadar e o faz todos os dias, enquanto Ari está se afogando não apenas literalmente mas também em sentimentos e pensamentos que não entende muito bem. Mas ambos me fizeram sorrir, porque são inusitados. Ao contrário da maioria dos personagens nessa faixa etária, eles são, declaradamente, meninos bonzinhos (Ari chega a se queixar, pois queria ser um bad boy).

O jeito como eles se relacionavam me fazia sorrir, a facilidade e a afeição com que conversavam, como se o amor entre um pai e um filho fosse simples e fácil.

Outro diferencial da obra é que ela retrata as relações familiares de forma honesta e respeitosa, dando a essa temática um foco que eu raramente vejo em outros livros YA, à exceção de As vantagens de ser invisível, de Stephen Chbosky. Ari e Dante respeitam e amam os pais e convivem mais com eles do que com as pessoas da sua idade. São relacionamentos encantadores, e os pais de ambos são personagens complexos e bem construídos, que têm as próprias histórias e inseguranças e que fogem do lugar-comum de outras obras do gênero, nas quais os pais são pouco participativos, ou aparecem apenas para viver conflitos com os filhos.

Aliás, há outras semelhanças entre os livros de Sáenz e Chbosky. Stephen Hawking disse que “pessoas quietas possuem as mentes mais barulhentas”, e isso com certeza se aplica tanto a Charlie, de As vantagens de ser invisível, quanto a Ari. Ambos apresentam sua própria visão do mundo e das pessoas de uma forma sensível e cativante, que atinge leitores de todas as faixas etárias, não apenas os jovens. Ari tem muita insegurança e muito ódio dentro de si, mas também um jeito poético de expressar seus sentimentos, o que torna seu texto bonito e prazeroso de ler.

Este livro foi uma leitura intensa e emocionante, daquelas que, quando você termina, precisa de alguns minutos de silêncio, seguidos de uma forte vontade de recomendar o livro. Então, cá está: eu recomendo!

*

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Aristóteles e Dante descobrem os segredos do universo
Autor: Benjamin Alire Sáenz
Tradutor: Clemente Pereira
Editora: Seguinte
Ano de publicação: 2012
Ano desta edição: 2014
392 páginas

Citações preferidas:

Às vezes eu achava que ter 15 anos era a pior tragédia de todas.

*

Eu me perguntava por que algumas pessoas gostavam de si mesmas e outras não. Talvez as coisas simplesmente fossem assim.

*

Quando começamos a sentir que o mundo nos pertence?

*

“Você entende ele?”

“Nem sempre. Mas, Ari, eu nem sempre preciso entender as pessoas que amo.”

*

… o amor era algo pesado para mim. Algo que eu tinha que carregar.

*

Às vezes a dor é como uma tempestade que aparece do nada.

*

Ser cuidadoso com pessoas e com palavras era uma coisa rara e linda.

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