[Resenha] Aniquilação

aniquilacaoSinopse:

A Área X está isolada do restante do mundo há décadas, e a natureza tomou para si os últimos vestígios da presença humana.

Uma primeira expedição de reconhecimento voltou de lá relatando uma terra intocada, um paraíso edênico; a segunda terminou em suicídio em massa; a terceira, em um tiroteio dentro do próprio grupo. Até que os membros da décima primeira expedição retornaram como meras sombras do que eram e, após algumas semanas, morreram de câncer. Em Aniquilação, primeiro volume da trilogia Comando Sul, o leitor se junta à décima segunda expedição.

Fonte: Intrínseca

Uma expedição de cientistas é enviada para explorar a misteriosa Área X, uma região selvagem separada do resto do mundo por uma fronteira igualmente enigmática. Depois de algum tempo, todos eles cometem suicídio. Outra expedição é enviada e seus membros conseguem retornar, mas são incapazes de fornecer dados relevantes sobre a viagem, e morrem de câncer algumas semanas depois. Parece o suficiente pra deixar a tal da Área X em paz, mas sabemos que na ficção (e, bem, na realidade) não é assim que as pessoas agem. Há muitos anos, uma instituição chamada Comando Sul vem enviando expedições para a Área X, e não vai parar.

Os membros da décima segunda expedição são cinco mulheres: uma topógrafa, uma antropóloga, uma linguista (que completa o treinamento, mas desiste da missão logo antes de entrar na Área X), uma psicóloga e uma bióloga. Lideradas pela psicóloga, elas não têm permissão para levar consigo nenhum celular, GPS ou câmera digital, e cada uma tem um diário para registrar suas descobertas. O leitor conhece a expedição por meio do relato da bióloga, escrito em seu diário após os acontecimentos.

Nos primeiros dias, o grupo encontra uma misteriosa construção que, apesar de ser completamente subterrânea, passa a ser chamada, pela protagonista, de “a torre”. Tal lugar não constava dos mapas que as mulheres tiveram que estudar no rigoroso preparo para a expedição, o que as deixa perturbadas. Elas decidem entrar na torre, e lá encontram algo ainda mais inusitado: nessa construção não documentada, em uma área teoricamente inabitada por humanos, inscrições estranhas cobrem as paredes. Se não bastasse serem incompreensíveis (mas bem sombrias), as palavras não estão registradas com tinta, e sim com alguma pequena forma de vida, algo parecido com colônias de fungos.

“Foi nos termos daquele compromisso vacilante que tomamos a direção da escada e descemos pela garganta da torre, com as profundezas se revelando um incessante espetáculo de horrores de tal beleza e biodiversidade que eu não conseguia assimilar tudo o que via.”

Essa bizarrice, capaz de prender a atenção do leitor desde o início, é só a primeira de uma série de mistérios que a bióloga vai encontrar. Os membros da expedição logo começam a apresentar comportamentos estranhos e morrer. Sem poder confiar em ninguém, a protagonista só conta consigo mesma para investigar a natureza da torre e de vários outros elementos da Área X, e entender o que acontece com suas colegas. Não darei detalhes sobre as monstruosidades, pois cada página é uma nova descoberta. Basta dizer que é um mistério à altura de Stranger Things, mas com mais medo e nenhuma criança fofa.

O relato da bióloga sobre sua busca na Área X é intercalado com flashbacks sobre sua juventude e seu relacionamento com o marido. É nesses trechos que percebemos que, apesar do restante da trama, esta não é uma ficção científica sobre mistérios da natureza e da ciência, e sim sobre comunicação e comportamento humano. [POSSÍVEIS SPOILERS ATÉ O FIM DESTE PARÁGRAFO] Fiquei fascinada ao perceber que todas as ameaças enfrentadas pela protagonista consistem em palavras, desde as inscrições nas paredes até os comandos hipnóticos usados pela psicóloga desde o início da trama. Isso torna bem significativo o fato de a linguista não ter participado da expedição. Esse fato, aliado às revelações sobre a vida pregressa da bióloga – uma mulher extremamente fechada e contida –, mostra o verdadeiro tema dessa história: a comunicação, mais especificamente o poder e o perigo das palavras. Isso pode ser percebido até no fato de que as personagens têm seu nome deliberadamente “tirado” de si antes de iniciar a missão. Sem nome, elas perdem a identidade e tornam-se apenas uma ferramenta para o Comando Sul.

“Acho que saber o significado das palavras de uma maneira tão íntima seria demais para qualquer um.”

A narrativa de Vandermeer é tão intensa e complexa quanto a própria Área X. Em apenas 200 páginas, o autor desenvolve e completa uma narrativa cheia de enigmas e acontecimentos aterrorizantes, em um estilo impecável. Sua protagonista e narradora é uma pessoa calculista e descritiva, que não se deixa abalar pelas coisas estranhas e pelas ameaças à sua volta. Isso significa que o escritor não recorre àquele velho artifício de usar as emoções do narrador para guiar as reações do leitor. O resultado foi que me senti ainda mais perturbada pelo que lia: testemunhos bizarros tornados ainda mais reais pela análise fria da personagem.

Outro aspecto que enriquece muito a narrativa em primeira pessoa é o fato de que não podemos confiar por completo na narradora. Isso já é uma máxima das obras com narrador-personagem, mas fica especialmente claro aqui. A bióloga chega a afirmar: “Deve estar bem claro a esta altura que não sou muito boa em contar às pessoas algumas coisas que elas se sentem no direito de saber”. Além disso, a trama dá muitos motivos para acreditarmos que a bióloga pode estar alucinando, mentindo ou sob o efeito de hipnose. Resta ao leitor tentar adivinhar quais partes do relato são confiáveis.

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A edição da Intrínseca está bem bonita, com capa da designer Charlotte Strick e do ilustrador Eric Nyquist, que, pelo visto, também foram responsáveis pelas capas do restante da trilogia, já lançado no Brasil. Há também ilustrações na página de rosto e no verso da capa, e o livro é de um tamanho agradável. A obra é impactante e o estilo da narrativa torna essa leitura de poucas páginas difícil de largar. Terminei de ler com muitas perguntas na cabeça e uma vontade imensa de ler logo o próximo volume.

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Aniquilação
Trilogia Comando Sul – volume 1
Autor: Jeff Vandermeer
Tradutor: Braulio Tavares
Editora: Intrínseca
Ano desta edição: 2014
200 páginas

Exemplar cedido em parceria com a Intrínseca.

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Citações favoritas:

Existem alguns tipos de morte que não se pode obrigar alguém a reviver, um tipo de conexão tão profunda que, quando se rompe, você sente o estalo do elo partido dentro de você.

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Se houvesse algo em que pudesse atirar, talvez ela ficasse mais calma, mas só o que tínhamos ali era o que se infiltrava em nossa imaginação.

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É assim que a loucura do mundo tenta colonizar você: de fora para dentro, forçando você a viver aquela outra realidade.

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Nunca deveríamos ter vindo para cá. Eu nunca deveria ter vindo. […] Acredito que essa seja realmente a única verdade fundamental.

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O silêncio também é uma forma de violência.

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Todos nós vivemos em uma espécie de sonho contínuo. Quando acordamos é porque alguma coisa, algum acontecimento, uma alfinetada que seja, perturbou as bordas daquilo que chamamos de realidade.

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3 respostas em “[Resenha] Aniquilação

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